Imagine se milhões de pessoas o tivessem visto nu antes sequer de ter idade para poder decidir ou não se se queria expor dessa maneira… Imagine que o mundo inteiro o conhecesse apenas a partir de uma fotografia tirada aos quatro meses… Imagine ainda que essa fotografia tivesse valido milhões a alguém que a utilizou, “sem o seu consentimento” e sem que você tivesse sequer visto um cêntimo. O que sentira? Pois bem… Essa é a história de Spencer Elden, o protagonista da icónica capa do álbum Nervermind (segundo álbum de estúdio da banda grunge americana Nirvana, lançado em 24 de setembro de 1991).
A capa mostra Elden, um menino de quatro meses mergulhado numa piscina que segue uma nota de um dólar pendurada numa linha de pesca. À primeira vista pode parecer algo inofensivo… Há uns anos Elden até lhe achava bastante piada, afirmando que esse facto lhe abriu portas e o “ajudou com as miúdas”. Contudo, o seu ponto de vista tem-se alterado ao longo dos anos, até agora, momento em que o jovem americano decidiu processar a banda. Na passada terça-feira, 24 de agosto, Elden não só processou os membros da banda, como várias editoras, diretores de arte e outros indivíduos por alegadamente “violarem leis de pornografia infantil” e por lhe causarem sofrimento de longa duração ao “traficarem” a sua imagem por todo o mundo.
ACUSAÇÕES Elden defende que a sua “identidade e nome legal estão para sempre ligados à exploração comercial sexual que experienciou enquanto menor”. De acordo com o processo, os acusados “produziram, possuíram e publicitaram comercialmente pornografia infantil com Spencer, e lucraram com isso”. O processo diz ainda que “o uso de pornografia infantil fez parte do esquema de promoção do disco para gerar atenção, ganhar notoriedade, aumentar as vendas e conquistar atenção mediática e críticas”. Em entrevista ao The Guardian, o jovem afirma que “sofreu e continuará a sofrer danos ao longo da vida” como resultado da obra de arte, incluindo “sofrimento emocional extremo e permanente”, bem como “interferência no seu desenvolvimento normal e progresso educacional, tratamento médico e psicológico”.
“As imagens expuseram a parte íntima do corpo de Spencer e exibiram lascivamente os seus genitais desde o tempo em que ele era um bebé até a atualidade”, lê-se nos documentos legais. De acordo com as leis dos EUA, “as fotografias não sexualizadas de bebés não são consideradas pornografia infantil”. No entanto, o advogado de Elden, Robert Y. Lewis, argumenta que a inclusão da nota de um dólar (que foi sobreposta depois da foto ter sito tirada) faz com que o menor pareça “um trabalhador do sexo”.
Além disso, segundo a acusação, os pais de Spencer Elden nunca terão dado autorização por escrito para o uso das fotografias tiradas ao seu filho num centro aquático de Pasadena, em 1991. Alegam também que a banda prometeu cobrir os órgãos genitais de Elden com um adesivo, mas o acordo não foi mantido.
Também por não ter recebido qualquer compensação ou pagamento ao longo dos anos, a defesa pede uma indemnização de 150 mil dólares, 127 mil euros, a cada um dos 17 acusados, sejam eles indivíduos ou empresas.
O BEBÉ ESCOLHIDO Spencer Elden tinha apenas alguns meses de idade quando os seus pais receberam um telefonema do amigo e fotógrafo subaquático Kirk Weddle, que perguntou se poderia usar o seu bebé recém-nascido como parte de uma sessão fotográfica para uma banda emergente chamada Nirvana. Na época, o pai de Elden ajudava com cenários e adereços para sessões de fotografia. Inicialmente, Weddle tentou fotografar bebés numa aula de natação, mas nenhuma dessas imagens se encaixava naquilo que a Geffen Records (produtora norte-americana) procurava. Os pais aceitaram, por um valor simbólico de 200 dólares, o equivalente a 170 euros, talvez sem a consciência das proporções que a foto tomaria. Passado três meses e depois de já terem esquecido a sessão fotográfica, o casal viu o álbum a explodir e a imagem do seu filho por toda a parte. Nevermind, que incluiu os sucessos Smells Like Teen Spirit, Come As You Are e Lithium, vendeu 30 milhões de cópias em todo o mundo.
INCOERÊNCIAS “Eu fiquei feliz por eles me escolherem”, admitiu Elden numa entrevista dada em 2015 ao The Guardian. “A fotografia é forte porque acho que retrata o abandono da inocência e a maneira como toda a gente persegue o dinheiro cada vez mais rápido”, acrescentou. O jovem revelou também que esse facto “sempre foi uma coisa positiva que lhe abriu portas” e o ajudou “com as miúdas”: “Tenho 23 anos e sou um artista e a verdade é que esta história me deu oportunidade de trabalhar com Shepard Fairey (artista americano de arte urbana contemporânea). Ele é um grande conhecedor de música e quando soube que eu era o bebé dos Nirvana, pensou em mim!”, contou.
Ao longo dos anos, Spencer Elden já recriou a foto subaquática três vezes para marcar o 10.º, 20.º e 25.º aniversários do álbum, chegando também a tatuar a palavra “Nevermind” no peito. Mais recentemente, o seu ponto de vista começou a mudar e aquilo que outrora lhe ofereceu coisas boas, começou a ser sinónimo de uma grande “nuvem negra” sobre si. Em 2016 o seu discurso já não era o mesmo e Elden disse à Time Magazine que “estava a ficar cada vez mais chateado com a sua notoriedade à medida que envelhecia”. “Eu nasci já a fazer parte deste grande projeto e é chato porque me sinto famoso por nada”, explicou. “É difícil não ficar chateado quando se sabe a quantidade de dinheiro que esteve envolvida, sem que eu tenha ganho absolutamente nada”, sublinhou o jovem, exemplificando também o seu desconforto em alguns momentos: “Quando vou a um jogo de beisebol, penso que toda a gente que lá está já deve ter visto o meu pénis pequenininho e isso faz-me sentir que tive parte dos meus direitos humanos revogados”, frisou.
Os representantes do Nirvana e as produtoras ainda não responderam às reivindicações. O álbum fará 30 anos no próximo mês… Será que Elden voltará a mudar de ideias recriando a capa do álbum, mais uma vez?