Fisioterapeutas. “Queremos reforçar a imagem da profissão”

Fisioterapeutas. “Queremos reforçar a imagem da profissão”


António Lopes, candidato a bastonário da Ordem dos Fisioterapeutas, quer ver reconhecido o contributo destes profisionais.


Depois de consecutivos entraves ao longo de duas décadas, a Ordem dos Fisioterapeutas foi aprovada pela Assembleia da República e devidamente legislada em 2019. Agora os cerca de 12 mil fisioterapeutas que estão no ativo em Portugal vão ter de eleger os órgãos estatutários, nomeadamente o seu bastonário. As primeiras eleições estão agendadas para 15 de novembro e todas as candidaturas deverão ser apresentadas até ao dia 19 de outubro. António Lopes, fisioterapeuta e professor coordenador na Escola Superior de Saúde de Alcoitão, que ocupou o cargo de vice-presidente da Comissão Pró-Ordem da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas, é candidato a bastonário.

Como foi este trajeto de criação de uma Ordem dos Fisioterapeutas?

A primeira legislação da profissão em Portugal é de 1966, com a criação da Escola de Reabilitação, hoje conhecida como Escola Superior de Saúde de Alcoitão. Portanto, a designação de fisioterapeuta aparece exatamente com os cursos que foram criados nessa altura e que tinham habilitação igual àquela que era de entrada para o Ensino Superior, mas que estavam dependentes do Ministério da Saúde. Esse processo foi arrastando-se e, entretanto, com o 25 de Abril tentou-se a integração no Ensino Superior. Mas isso só viria a acontecer na década de 90. Também na década de 80 foram criadas mais escolas públicas do serviço de saúde, em Lisboa, no Porto e em Coimbra, que começaram a fazer a formação de fisioterapeutas. Por isso, chegámos ao final da década de 80 com quatro escolas a formar fisioterapeutas. A escola de Alcoitão tinha sido nacionalizada, aquando da nacionalização dos hospitais e das misericórdias depois do 25 de Abril. Na década de 90 foi então possível a integração no Ensino Superior e os fisioterapeutas começaram a ter uma formação primeiro de bacharelato e depois de licenciatura. É nessa altura que a Associação Portuguesa de Fisioterapeutas (APFISIO), que já tinha sido constituída nos anos 60, propõe transformar-se em associação de direito público e criar a Ordem dos Fisioterapeutas. Começámos há praticamente 20 e poucos anos esse trajeto, junto do Parlamento, de tentarmos a aprovação da Ordem. O que veio a acontecer só agora em 2019, concretizando um desejo antigo da profissão.

Foi um processo que demorou algum tempo…

Sim, nós apresentámos as propostas no final da década de 90. E toda a década de 2000 e depois de 2010 até 2019 fomos apresentando projetos que foram passando de legislatura em legislatura, até serem retomados e que só foram aprovados agora. Portanto, é um longo processo, mas felizmente culminado em êxito.

E qual foi o seu papel no avanço da criação de uma Ordem?

Eu já vinha da Associação Portuguesa dos Fisioterapeutas e fui um dos impulsionadores deste processo dentro da associação e depois pertenci à Comissão Pró-Ordem da APFISIO. Constituímos esta comissão para fazer pressão junto do Parlamento. E agora fui nomeado como um dos vogais da Comissão Instaladora da Ordem dos Fisioterapeutas. Portanto, tenho acompanhado todo este processo de raiz, desde que iniciei a minha formação na escola de Alcoitão em 1972. Tenho este percurso todo e esse conhecimento de mais de 50 anos da evolução da profissão. É com esse conhecimento profundo do desenvolvimento da profissão que me proponho a dar continuidade a este trabalho.

Qual é efetivamente a importância da Ordem para a profissão?

A Ordem traz sobretudo um papel fundamental, que é consolidar a confiança dos cidadãos nos fisioterapeutas e valorizar a relevância da intervenção dos fisioterapeutas, nomeadamente, tornando o acesso à fisioterapia mais fácil e mais seguro. Há aqui um fator extremamente importante que muda um pouco a estratégia anterior da APFISIO, que era uma associação dos profissionais que reivindicava uma determinada evolução para a profissão. A Ordem agora terá que assumir um papel diferente, na linha da frente terá que estar a defesa do cidadão e dos cuidados de fisioterapia. O papel da Ordem será assegurar que quem exerce fisioterapia tenha o perfil adequado, tenha qualidade e execute a profissão dentro das normas éticas, técnicas e científicas. É através disso que nós estamos a defender a população em geral e o sistema de saúde. Por essa razão vamos ter, por exemplo, um Conselho Jurisdicional para poder dirimir eventuais situações de reclamação ou contestação sobre a qualidade dos cuidados. 

E quais são os grandes problemas que identifica no exercício da profissão?

Os problemas têm a ver com uma dificuldade em identificar o papel específico do fisioterapeuta nos serviços de saúde. O título profissional está defendido pela formação desde os anos 60, mas a integração no Ensino Superior é relativamente recente. O nosso problema é exatamente o enquadramento social e ao nível do relacionamento com as outras profissões que estão estabelecidas, tanto da medicina como das terapias designadas não convencionais. Queremos ter uma abordagem pela positiva e não pelo confronto com as outras profissões.

Relativamente às terapias para a covid, em que medida é que a fisioterapia pode contribuir?

Como diz o ditado popular, há males que vêm por bem. Uma das grandes conclusões que se tira ao nível da covid-19, é certamente a relevância do contributo dos fisioterapeutas, pela intervenção na área respiratória, porque grande parte das situações de doença por covid-19 trouxeram problemas respiratórios graves, mesmo ao nível da intervenção em cuidados intensivos. O papel do fisioterapeuta foi, não só em Portugal, altamente referenciado. Depois com o chamado longo covid, as pessoas ficaram com sequelas de natureza funcional. Devemos ter uma compreensão da saúde não só como o simples bem estar, mas também pela capacidade de poder participar socialmente com o movimento funcional e sem dor, o que é fundamental ao conceito de ser saudável. Todas as questões que têm a ver com a funcionalidade, com a capacidade de esforço e de participação podem ser abordadas pela fisioterapia. Nesse aspeto o longo covid trouxe essa necessidade da fisioterapia. Habitualmente vemos a fisioterapia no desporto ou nos grandes acidentados, e agora qualquer um de nós pode precisar de cuidados a nível respiratório ou ao nível da sua funcionalidade.

Como surge a sua candidatura a bastonário da Ordem dos Fisioterapeutas?

A minha candidatura surge precisamente do meu percurso. Tenho uma longa carreira como professor na escola de Alcoitão. Sou professor coordenador e fui líder de muitos fisioterapeutas que passaram pela escola. Por outro lado, tenho as funções que desempenhei ao nível da APFISIO, depois na Comissão Pró-Ordem e agora na Comissão Instaladora. Tenho também um histórico a nível internacional, porque acompanhei sempre a evolução da profissão no plano internacional e, entre 1998 e 2010, fui presidente da Região Europeia da Confederação Mundial de Fisioterapia. Portanto, tenho também essa componente do conhecimento do perfil exigido para o exercício da profissão, tanto em Portugal como no estrangeiro. Aliás, em 1978 fui trabalhar para Edimburgo, na Escócia, enquanto fisioterapeuta num hospital. Isso abriu-me horizontes para ter esta dimensão internacional na minha carreira. Perante isto, espero ter a confiança dos meus colegas para me elegerem nesta tarefa.

Quais serão os primeiros passos a dar se for eleito bastonário?

A questão central tem a ver efetivamente com o reforço da imagem da profissão, enquanto profissão de saúde com uma identidade própria e com um contributo muito específico, mas sempre no contexto das várias profissões de saúde. Temos que nos apresentar com um estatuto de paridade com os médicos, enfermeiros, farmacêuticos e todas as profissões que têm já ordens constituídas há vários anos. O nosso primeiro passo será reforçar a imagem da profissão em relação aos outros profissionais e em relação ao público em geral. Cada vez mais as pessoas recorrem à fisioterapia. Começou a entrar na linguagem comum a expressão “o meu fisioterapeuta” e no desporto os atletas têm os seus fisioterapeutas. Mas por outro lado é uma estrutura nova, ainda estamos a construí-la. Os alicerces que estão a ser feitos agora com a Comissão Instaladora vão ter que dar lugar a uma estrutura organizacional da Ordem. Portanto, há aqui dois grandes passos. Um é construir a organização e a estrutura para responder a todas as necessidades que se espera de uma Ordem, como as tomadas de posição pública. Mas ao mesmo tempo tem que haver um diálogo com os outros profissionais de saúde e um reforço dessa imagem de um contributo próprio e da possibilidade do público em geral ter acesso a cuidados de qualidade.

Texto editado por Vítor Rainho