Cada vez mais a gestação de um carro de competição desenrola-se no mundo digital. Os engenheiros do século passado tinham que construir um carro laboratório para testar novas soluções – hoje em dia criam uma maqueta digital recorrendo à mecânica dos fluidos computacional (CFD) e ao desenho assistido por computador (CAD).
Depois, todo o trabalho é otimizado em simuladores que reproduzem de forma muito real as sensações físicas (velocidade e aceleração) e apresentam gráficos com um realismo impressionante. Os simuladores tornam-se uma ferramenta imprescindível ao desenvolvimento de carros ganhadores.
Do virtual ao real A Toyota usou e abusou do poderoso simulador TGR-E para criar o novo hypercar GR010 Hybrid que dominou as 24 Horas de Le Mans deste ano. Este protótipo combina o motor V6 3.5 biturbo (680 cv) com o motor elétrico (272 cv) colocado no eixo dianteiro – por imposição do regulamento a potência acumulada não pode ultrapassar 707 cv – dispõe de tração às quatro rodas a velocidades superiores a 320 km/h e caixa sequencial de sete velocidades.
Após um ano de intenso trabalho no ultramoderno simulador, a Toyota derreteu a concorrência na maior batalha do desporto automóvel mundial. Conseguiu o melhor tempo em todas as sessões de treinos e dominou a corrida de princípio a fim, colocando dois carros nos dois primeiros lugares, com vitória da equipa Mike Conway/Kamui Kobayashi/Jose Maria Lopez.
“Nunca é fácil ganhar Le Mans, temos que estar sempre no máximo para sobreviver, e foi isso que fizemos. É um pouco irreal…”, reconheceu Kobayashi. Pascal Vasselon, diretor desportivo da Toyota, confirmou que o trabalho de casa tinha sido bem feito “os dados obtidos no primeiro treino combinavam com os dados recolhidos no simulador. Portanto, sempre estivemos onde esperávamos estar. Ganhar Le Mans é um esforço e uma satisfação extraordinária, são muitas horas de emoção.”
O último grito em termos de simuladores de corrida foi criado pelo departamento de Research & Development, está ao serviço da Gazoo Racing – braço “armado” dos japoneses para a competição. Consiste numa plataforma que integra o cockpit de um carro real e funciona com seis amortecedores hidráulicos comandados por potentes computadores. Esse mecanismo produz movimentos verticais, longitudinais e laterais, efetua rotações de 38 graus, rolamento de 27 graus e atinge uma inclinação de 27 graus.
O piloto sente a direção pesada, a travagem muito dura e uma aceleração de 2G, enfim tudo aquilo que encontra quando está ao volante de um carro verdadeiro. Este equipamento é semelhante aos simuladores de voo usados pelas companhias de aviação, e está avaliado em algumas dezenas de milhares de euros.
O equipamento informático compreende cinco computadores, cada um ligado a um projetor. Existe um computador só para os gráficos, outro para o áudio e outros de controlo de vários parâmetros. Um potente computador central faz a ligação de todo o sistema. No total são 10 computadores com uma potência gráfica equivalente a 20 PlayStations.
A tecnologia de cartografia por laser permite reproduzir 20 circuitos diferentes com uma precisão nunca antes conseguida. No caso concreto de Le Mans, o desenho pormenorizado do traçado de 13,6 quilómetros (inclui algumas estradas nacionais), dá ao piloto a possibilidade de conhecer a pista e as curvas ao detalhe. O vídeo é projetado num ecrã panorâmico a 220 graus por cinco projetores (com uma resolução de 1400×1050 ppp cada).
Horas e horas a testar Se alguém pensa que estar num simulador é uma brincadeira, está completamente enganado. O piloto tem por missão avaliar o comportamento do carro à medida que o engenheiro modifica o set up e os níveis de aderência. São muitas e muitas horas passadas ao volante para construir o carro (quase) perfeito.
O trabalho passa por encontrar o melhor acerto aerodinâmico, a correta afinação das suspensões, a maior eficácia dos travões, melhores performances alterando a cartografia do motor, otimização da caixa de velocidades, melhor desempenho dos pneus jogando com a pressão e temperatura, sendo também bastante realista na gestão da energia.
Enfim, a lista é interminável. Possibilita igualmente testar diferentes estratégicas de corrida, múltiplos cenários motivados pelas condições meteorológicas, slow zones ou safety car, ou mesmo provocar avarias mecânicas ou furos, ou seja, reproduz todas as situações possíveis e imagináveis que podem acontecer numa corrida de 24 horas.
A capacidade do simulador fica demonstrada pelos tempos realizados. O mesmo piloto com as mesmas afinações e em condições de pista idênticas, é cerca de meio segundo mais rápido do que no mundo real. É que depois de fazerem a mão ao sistema, os pilotos perdem o medo e andam quase sempre a fundo.