O fim das touradas em Gijón. Feminista e Nigeriano assim o ditaram

O fim das touradas em Gijón. Feminista e Nigeriano assim o ditaram


A Câmara Municipal acredita que “várias linhas” foram ultrapassadas quando os dois touros apelidados de ‘Feminista’ e ‘Nigeriano’, foram mortos na última corrida.


A notícia é tão surpreendente como insólita. De acordo com o jornal espanhol La Nueva España,a presidente da câmara de Gijón, Ana González, anunciou que não haverá mais touros na cidade asturiana durante o seu mandato devido ao nome dado aos dois últimos touros que brilharam na Praça antes de serem mortos.

A vereadora confirmou que não concederá a prorrogação do uso da arena à empresa que atualmente opera a praça de touros, nem obterá um novo contrato. Portanto, a arena de Gijón ficará sem atividade. “A feira de touros acabou!”, declarou González, em comunicado. 

O motivo da decisão O anúncio foi feito após a celebração no passado fim de semana, da feira Nuestra Señora de Begoña, marcada pela polémica a respeito dos nomes de vários bovinos que lutaram nas festividades. Na tourada de domingo, o famoso toureiro Morante de la Puebla teve de enfrentar os touros ‘Feminista’ e ‘Nigeriano’ , acabando por matá-los, o que causou um grande descontentamento entre as associações feministas e de proteção animal, quer pelo resultado do “festejo”, quer pelos nomes dados aos touros. 

González explicou que a ideia era acabar com a concessão da praça de touros El Bibio e depois acabar com ela, conforme contemplado nas resoluções dos congressos do Partido Socialista Espanhóis (PSOE). Contudo, estes eventos fizeram-na avançar com a decisão.

Por este motivo, “não vai conceder uma terceira prorrogação da concessão assinada em 2016, à empresa Circuitos Taurinos, comandada por Carlos Zúñiga, nem voltará a ocupar o lugar do concurso público para a celebração de espetáculos taurinos na cidade (apesar do pagamento do vencedor da licitação representar 50.000 euros por ano para a Câmara Municipal): “Uma cidade que acredita na igualdade entre mulheres e homens e que acredita na integração, nas portas abertas a todos, não pode permitir este tipo de coisas”, disse a autarca antes de afirmar que “vários limites foram ultrapassados”, argumentando ainda que “nos últimos anos há cada vez mais vozes a pedir que os touros não continuem na cidade”. “E é verdade que há pessoas que gostariam que continuassem, mas até agora nós ouvimo-las e está na altura de ouvirmos a outra parte”, elucidou. 

Além disso, González acredita que “os touros têm sido usados para implementar uma ideologia contrária aos direitos humanos e é aí que a Câmara Municipal tem de atuar”. “Se afinal o mundo das touradas é este, não parece que contribua muito para uma cidade como Gijón”, defendeu. 

As primeiras reações A deputada do Podemos na Assembleia Geral do Principado das Astúrias, Nuria Rodríguez, foi uma das primeiras a festejar a decisão. Rodríguez mostrou-se satisfeita com o facto da autarca socialista “ter ouvido a voz dos cidadãos”, afirmando que esta quarta-feira deveria ser um “feriado para Gijón e para todos os asturianos”.

“Estas provocações e insultos não podem ser permitidos”, afirmou, referindo-se ao facto dos dois dos touros mortos na última feira terem o nome de ‘Feminista’ e ‘Nigeriano’. “Acima de tudo, não se pode permitir que em Gijón continuem a haver shows em espaços públicos nos quais animais podem ser torturados e mortos”, insistiu a deputada. Mas há quem não concorde e o Partido Popular (PP) é um deles. 

Em declarações à agência privada de notícias espanhola, Euro Press, o presidente do PP de Gijón, Pablo González, qualificou o anúncio de Ana González de “imposição ideológica”, adiantando que o partido “estudará legalmente a decisão, promovendo uma iniciativa municipal e uma “coleção de assinaturas em apoio a associações e grupos taurinos”.

Além disso, o presidente do PP, anunciou que “em dois anos um governo do PP vai organizar a melhor feira tauromáquica da cidade”: “O socialismo mais radical restringe mais uma vez a liberdade do povo de Gijón, com as decisões de uma presidente que continua a querer dividir a cidade”, defendeu.

González descreve a decisão da presidente como uma tática para “impor os seus critérios pessoais com argumentos vazios e acabar com uma feira livre, não subsidiada, que não custa um centavo ao povo de Gijón e que, pelo contrário, gera e cria empregos”, ressaltou.

Além disso, o deputado fez questão de deixar uma mensagem à presidente relembrando que “a igualdade e a não discriminação são temas essenciais para o progresso da nossa sociedade e, portanto, temos de ser sérios o suficiente para não dar importância a coisas sem valor, nem fazer papel de tonta com as afirmações que acaba de fazer”.

O Partido Popular defende então que se deve “manter uma rica e variada oferta cultural para agregar atratividade à cidade” e o seu presidente exorta assim Ana González “a abandonar o sectarismo que marca o seu mandato, dando apenas prioridade aos interesses de Gijón”.

A polémica em torno dos nomes A decisão foi tomada também pelo facto dos nomes dos touros “carregarem em si mesmo, um peso que vai muito para além de um nome”. O que muitas pessoas desconhecem é a maneira como são decididos esses nomes, que se baseia simplesmente na herança do nome das suas mães. Ou seja, os touros “guardam” o nome das vacas que os dão à luz, sem outras intenções ou peculiaridades. Assim, o touro “feminista” é filho da vaca “feminista” e o touro “nigeriano” é filho da vaca “nigeriana”.

Além disso, a ordem de combate é traçada “sem qualquer intervenção dos toureiros”. Algumas vozes afirmaram que os touros com este nome foram “escolhidos” por Morante de la Puebla, que em várias ocasiões tornou pública a sua afinidade com o Vox (descrito como um partido de extrema-direita). Contudo, segundo o jornalista Zabala de la Serna, num artigo de opinião publicado no jornal espanhol El Mundo, “nada está mais longe da realidade”.

“O nome do primeiro touro com quem Morante ‘lutou’ no domingo passado em Gijón, chamado Feminista, filho da vaca Feminista (porque como se sabe os touros herdam os nomes das mães), gerou uma polémica que só poderia acontecer neste país de idiotas e que tomou proporções extremamente ridículas”, escreveu o jornalista, relembrando que tudo isto está a acontecer em paralelo “ao panorama de partir o coração que paira sobre as mulheres no Afeganistão”.

“A questão é: porque é que personificam os touros como se os toureiros tivessem a querer fazer mal a uma feminista, uma nigeriana, uma chinesa ou uma africana?”, interroga Serna, acreditando que tudo isto está a ser “construído pelos meios de comunicação para atacar as touradas”. 

O jornalista relembra ainda uma tourada de 2006, onde o toureiro Enrique Ponce lutou, em Bilbau, com um touro chamado Zapatero, acontecimento que “fez rir a Espanha”: “Mas ninguém apareceu com esta luta, ou ninguém pensou que Ponce tinha posto o nome do quinto presidente do governo espanhol para matá-lo com uma espada, sugerindo um assassinato”, frisou.