Depois de um fim de semana de calor intenso, os ministros da Defesa Nacional, da Administração Interna, do Ambiente e da Ação Climática e da Agricultura determinaram esta segunda-feira o prolongamento da Declaração da Situação de Alerta em 14 distritos do Continente. Para Emanuel Oliveira, consultor para organismos do Estado, na área dos riscos naturais e dos incêndios florestais, “tentamos resolver com o combate aquilo que devia ser prevenido. São os cuidados paliativos”.
Numa conferência de imprensa na sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) para fazer um balanço da situação em termos de incêndios, o adjunto de operações Mário Silvestre explicou que nas então últimas 24 horas os incêndios em Valpaços e Castro Marim foram aqueles que haviam levantado “mais algumas preocupações”, adiantando que as 14 pessoas que tinham sido retiradas por precaução das suas casas, devido ao incêndio de Castro Marim – teve início à uma da manhã e entrou em fase de resolução, mas reacendeu ao início da tarde desta segunda-feira –, com o de Valpaços – chegou a ter três frentes ativas – em rescaldo, já haviam regressado a casa. À hora de fecho desta edição, o incêndio que lavrava na zona de Odeleite, em Castro Marim, já havia passado para o concelho vizinho de Tavira e obrigou a retirar mais pessoas de casa, por prevenção, de acordo com a Proteção Civil.
“Há muitas variáveis e o estado dos combustíveis está mais avançado em Castelo Branco, Faro, Portalegre e na Guarda. Não me parece exagerado o facto de colocarmos estes distritos em alerta máximo, digamos assim, mas não basta. Temos de começar a resolver o problema que deriva daquilo que não foi considerado no planeamento como as mudanças climáticas e sociodemográficas”, elucida Emanuel Oliveira ao i, profissional que exerceu funções de comandante operacional municipal da Proteção Civil em Vila Nova de Cerveira entre março de 2009 e março de 2014, acrescentando que os Censos 2021 apontam para um problema grave para o meio rural.
“Temos de prestar atenção ao despovoamento e à perda de uso do solo. Se continuarmos assim, perderemos a guerra contra os incêndios. Não sou catastrofista, mas tenho vindo a perceber que o problema arrasta-se e precisamos de medidas concretas no espaço rural”, adiciona o doutorando na Universidade de Santiago de Compostela, garantindo que “é necessário apoiar a população local, descentralizar determinados instrumentos financeiros, reduzir impostos e reabrir serviços que foram fechados para trazer pessoas para estes territórios”.
Assim, teremos “paisagem usada e valorizada, poderemos reduzir os incêndios e aumentar a resiliência às alterações climáticas”. Neste momento, Beja, Bragança, Castelo Branco, Coimbra, Évora, Faro, Guarda, Leiria, Lisboa, Portalegre, Santarém, Setúbal, Vila Real e Viseu são os distritos onde serão implementadas as seguintes medidas de caráter excecional: a proibição do acesso, circulação e permanência no interior dos espaços florestais previamente definidos nos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios, bem como nos caminhos florestais, caminhos rurais e outras vias que os atravessem; a proibição da realização de queimadas e queimas de sobrantes de exploração; a proibição de realização de trabalhos nos espaços florestais com recurso a qualquer tipo de maquinaria, excetuando aqueles que são associados a situações de combate a incêndios rurais; a proibição de realização de trabalhos nos demais espaços rurais com recurso a motorroçadoras de lâminas ou discos metálicos, corta-matos, destroçadores e máquinas com lâminas ou pá frontal e a proibição total da utilização de fogo-de-artifício ou outros artefactos pirotécnicos, independentemente, assim como a suspensão das autorizações que tenham sido emitidas nos distritos onde tenha sido declarado o Estado de Alerta Especial de Nível Laranja pela ANEPC, isto é, Bragança, Viseu, Santarém, Setúbal, Évora e Beja.
No entanto, para Emanuel Oliveira, “o fogo não é um problema, é uma consequência” e “temos de olhar para a paisagem como um doente, pois é preciso tratá-la”. Segundo dados disponibilizados pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), até esta segunda-feira, arderam 16 mil e 533 hectares em espaços rurais. Sabe-se que 26% da área ardida diz respeito a povoamentos florestais, 64% a matos e 11% a agricultura.
“Os técnicos e académicos têm de ser médicos. Mais de 16 mil hectares de área ardida não me surpreendem porque temos muitos mais ardidos por ano. O problema é aquilo que aí vem até ao final do verão”, prevê, asseverando que os meses de setembro e outubro serão secos, com uma temperatura normal para a época em que se inserem, mas com redução da precipitação. “Não estamos livres do perigo. Faltam pessoas no terreno. Temos de estar um passo à frente. É preciso uma mudança estratégica, senão, viveremos um cenário ainda pior”.