Crónica de umas férias em alojamento local


Cá em casa não há convidados, há amigos que durante a estadia passam a ser irmãos, com os direitos e deveres da tríade fundadora.


Convém começar por dizer que estou de férias e que assim me sinto. Quer dizer, mais ou menos… pensando bem, talvez não esteja assim tão de férias como comecei por escrever.

Vim de férias, isso é certo. Mas não estou de férias. A avaliar pelos níveis de cansaço físico e horas mal dormidas, não vou sair daqui como se estivesse a descansar e a recarregar baterias para o regresso aos dias longos da semana, em que o trabalho disputa as horas com as obrigações familiares, numa luta constante até ao segundo. Dizem que as férias também servem para descansar a cabeça, mas, neste caso, também não é o que tem acontecido.

Verdadeiramente, sinto-me a Gata Borralheira do conto infantil da Cinderela. (Não pensem os senhores leitores que me vou queixar destes dias, porém é necessário fazer um enquadramento, porque tenho a certeza que muitas outras mães passam pelo mesmo.)

Este ano, o início foi duro. As estrelas não se alinharam, pelo contrário, conspiraram contra mim, como se me quisessem pôr à prova para o que aí vinha. Os primeiros dias foram para preparar a casa, instalar os miúdos, ir às compras para cinco rapazes de porte atlético e estabelecer rotinas e regras (já me esqueci de metade delas e eles nunca as seguiram, por iniciativa própria. Se quero ver algo feito, há que submeter um requerimento e aguardar, pacientemente, que o telemóvel fique sem bateria, que o jogo acabe, que a conversa termine, ou que deixem de estar cansados).

Foi um ano duro para os adolescentes. Estão naquela fase de desenvolvimento em que apreciam socializar e em que os amigos são a companhia preferida para as primeiras aventuras e descobertas. Por esta razão, sugeri que cada um dos meus três rapazes convidasse um amigo para passar uns dias. O único requisito foi que, entre eles, combinassem as semanas em que cada um recebia o seu amigo. Devia ter percebido logo que não iria ser assim tão linear, a partir do momento em que, no primeiro dia, já contava com mais dois filhos emprestados. De três volumes, passei a ter cinco, ainda assim estava dentro da margem de erro prevista.

Os dias por aqui têm sido assim: um corrupio de amigos que entram e ficam, e de outros que, já tendo data de check-out, pedem uma noite extra, mesmo que a habitação esteja lotada. Ninguém quer sair, nem mesmo os meus quando são convidados por “tios” que fazem questão de retribuir a estadia dos seus filhos. Pergunto sempre duas vezes se não querem ir conhecer outras zonas do Algarve e passar um ou dois dias com os amigos; mas a resposta não muda e a casa continua cheia.

Depois de seis “hóspedes” e ainda a meio das férias, dou comigo a pensar nesta dinâmica de alojamento e dos convidados de última hora para os jantares. E sinto-me abençoada.

Ainda que as minhas olheiras estejam prestes a alcançar os maxilares, que as costas acusem o número de horas gastas em trabalhos domésticos, que as noites sejam parcas em horas de sono, que as manhãs comecem com a mesa cheia ao pequeno-almoço, eu gosto de os ter por perto e de poder fazer parte da sua convivência com os amigos. As conversas que têm com os amigos na minha presença dizem-me mais do que eu pergunto e revelam-me uma parte deles que foram construindo, sem que eu tivesse dado conta.

É como se tivesse sido admitida num clube altamente restrito, com o direito de admissão reservado, a convite de um sócio fundador que atesta que estou à altura de frequentar aquele círculo, mas sem nunca chegar a ser sócia efetiva. Um privilégio que reconheço e valorizo pela distinção que me fazem. Mas o que eu mais aprecio neste clube, é que os posso tratar a todos de igual forma e que é desta maneira que eles melhor se sentem. Cá em casa não há convidados, há amigos que durante a estadia passam a ser irmãos, com os direitos e deveres da tríade fundadora.

Quanto a mim, talvez esteja mesmo de férias, pelo bem que me sabe esta reunião. Para esta casa estar cheia, há outras que se esvaziam e eu prefiro mil vezes que seja a minha a encher do que os ver a sair. A todos os leitores, os votos de umas boas e merecidas férias.

 

Escreve quinzenalmente


Crónica de umas férias em alojamento local


Cá em casa não há convidados, há amigos que durante a estadia passam a ser irmãos, com os direitos e deveres da tríade fundadora.


Convém começar por dizer que estou de férias e que assim me sinto. Quer dizer, mais ou menos… pensando bem, talvez não esteja assim tão de férias como comecei por escrever.

Vim de férias, isso é certo. Mas não estou de férias. A avaliar pelos níveis de cansaço físico e horas mal dormidas, não vou sair daqui como se estivesse a descansar e a recarregar baterias para o regresso aos dias longos da semana, em que o trabalho disputa as horas com as obrigações familiares, numa luta constante até ao segundo. Dizem que as férias também servem para descansar a cabeça, mas, neste caso, também não é o que tem acontecido.

Verdadeiramente, sinto-me a Gata Borralheira do conto infantil da Cinderela. (Não pensem os senhores leitores que me vou queixar destes dias, porém é necessário fazer um enquadramento, porque tenho a certeza que muitas outras mães passam pelo mesmo.)

Este ano, o início foi duro. As estrelas não se alinharam, pelo contrário, conspiraram contra mim, como se me quisessem pôr à prova para o que aí vinha. Os primeiros dias foram para preparar a casa, instalar os miúdos, ir às compras para cinco rapazes de porte atlético e estabelecer rotinas e regras (já me esqueci de metade delas e eles nunca as seguiram, por iniciativa própria. Se quero ver algo feito, há que submeter um requerimento e aguardar, pacientemente, que o telemóvel fique sem bateria, que o jogo acabe, que a conversa termine, ou que deixem de estar cansados).

Foi um ano duro para os adolescentes. Estão naquela fase de desenvolvimento em que apreciam socializar e em que os amigos são a companhia preferida para as primeiras aventuras e descobertas. Por esta razão, sugeri que cada um dos meus três rapazes convidasse um amigo para passar uns dias. O único requisito foi que, entre eles, combinassem as semanas em que cada um recebia o seu amigo. Devia ter percebido logo que não iria ser assim tão linear, a partir do momento em que, no primeiro dia, já contava com mais dois filhos emprestados. De três volumes, passei a ter cinco, ainda assim estava dentro da margem de erro prevista.

Os dias por aqui têm sido assim: um corrupio de amigos que entram e ficam, e de outros que, já tendo data de check-out, pedem uma noite extra, mesmo que a habitação esteja lotada. Ninguém quer sair, nem mesmo os meus quando são convidados por “tios” que fazem questão de retribuir a estadia dos seus filhos. Pergunto sempre duas vezes se não querem ir conhecer outras zonas do Algarve e passar um ou dois dias com os amigos; mas a resposta não muda e a casa continua cheia.

Depois de seis “hóspedes” e ainda a meio das férias, dou comigo a pensar nesta dinâmica de alojamento e dos convidados de última hora para os jantares. E sinto-me abençoada.

Ainda que as minhas olheiras estejam prestes a alcançar os maxilares, que as costas acusem o número de horas gastas em trabalhos domésticos, que as noites sejam parcas em horas de sono, que as manhãs comecem com a mesa cheia ao pequeno-almoço, eu gosto de os ter por perto e de poder fazer parte da sua convivência com os amigos. As conversas que têm com os amigos na minha presença dizem-me mais do que eu pergunto e revelam-me uma parte deles que foram construindo, sem que eu tivesse dado conta.

É como se tivesse sido admitida num clube altamente restrito, com o direito de admissão reservado, a convite de um sócio fundador que atesta que estou à altura de frequentar aquele círculo, mas sem nunca chegar a ser sócia efetiva. Um privilégio que reconheço e valorizo pela distinção que me fazem. Mas o que eu mais aprecio neste clube, é que os posso tratar a todos de igual forma e que é desta maneira que eles melhor se sentem. Cá em casa não há convidados, há amigos que durante a estadia passam a ser irmãos, com os direitos e deveres da tríade fundadora.

Quanto a mim, talvez esteja mesmo de férias, pelo bem que me sabe esta reunião. Para esta casa estar cheia, há outras que se esvaziam e eu prefiro mil vezes que seja a minha a encher do que os ver a sair. A todos os leitores, os votos de umas boas e merecidas férias.

 

Escreve quinzenalmente