Não é raro nem sequer já ocasional que as coisas sigam de mal a pior no que respeita à discussão pública sobre temas de justiça (quer dizer, maioritariamente discussão telenovelesca a respeito de certos processos, como se isso fosse discussão sobre temas de justiça). Repito, para não ser acusado de meias-palavras ou eufemismos: de mal a pior.
Superficialidade, clichés, especialistas de fim de semana, agitadores profissionais ou em bicos de pés, foguetório, populismo, opinião disfarçada de notícia, maniqueísmo, ignorância, espetáculo (oh, sim, muito). E, sobretudo, algum ressentimento (para não dizer raiva), e muito entrincheiramento (os bons e os maus, a hagiografia de uns e a danação de outros, “se não és por mim és contra mim”, “se achas isto, é porque aquilo”, “pois, claro, está-se mesmo a ver”, e outros dislates ditados pela impreparação ou por agendas – seja a agenda do próprio ou a de terceiros que se exprimem por intermédio de alguns que vêm a público dizer de sua justiça, opinando declaradamente ou fingindo que informam).
E este arraial de espetáculo e pancadaria está, entre o mais, recheado de burlas de etiquetas e de conversa para enganar tolos e mesmo alguma mal intencionada (sobretudo a que vem embrulhada em altíssimas intenções de varrimento sociopolítico, intenções essas eleitas e ungidas, claro está, por uma razão e por uma bondade inatas, uma espécie de salvífica e branca natureza das coisas, daquela alva e boa que acaba sempre nalguma forma de totalitarismo).
E, neste arraial, um dos ditos que está na ordem do dia, e que dá muitos pontos, revelando também o grau de sarjeta a que a coisa já chegou nalguns fora, é o tiro ao advogado defensor. Tiro esse que se serve essencialmente de dois tipos de cartucho. O cartucho da culpa e o cartucho da fusão.
O da culpa dita que tudo está mal fundamentalmente por causa dos advogados, que empatam, dilatam, enganam, enredam, e até – como se lê agora nos novos evangelhos destas coisas – são obstáculo corporativo à bondosa e pura república dos magistrados, que tudo fariam e tudo poriam direito se advogados não houvesse para atrapalhar, maldosos e interessados que são.
E eu, perante isto, não sei se chore ou se ria; riria perante o espantoso ridículo (e julgo que também riria uma maioria de magistrados que tem a cabeça no lugar e não embarca nesta santa aliança circense e perigosa), mas choro perante as intenções e as consequências.
E, também, ponho um meio-sorriso ao recordar como algumas opiniões logo mudam quando (i) se está no cara a cara, quando (ii) os causídicos malandros, afinal e amiúde, servem para fonte ou para ajuda ou, entre o mais, (iii) quando se está “à rasca”, no meio da verdejante e cheirosa estrada judiciária, e então se precisa de um barman do Direito (vd. Cardoso Pires sobre o barman, citado na sua recente biografia de Bruno Vieira Amaral, página 245).
Quanto ao cartucho da fusão, dita-se que cliente e advogado é tudo a mesma coisa, e que se o cliente merece crítica (e, em regra, merece logo muita à primeira vista, vinda de várias almas muito pias que nem esperam dois minutos para botar sentença), então o advogado defensor também, que é tudo farinha do mesmo saco. Mate-se o cliente, esfole-se o advogado.
E assim vamos, não se percebendo (ou bem percebendo alguns) a enormidade da coisa, e o que assim se pode preparar e obter, se não se disser “alto lá!” e “haja juízo!”. Digo-o aqui; apenas um pequeno contributo. E outras coisas direi, que tenho muito para dizer, fica para outras núpcias. E se puder e quiser, claro, pois, voltando a Cardoso Pires, e passe o sorriso muito irónico que coloco ao citar, “um barman é um sacerdote de virtudes e de tentações controladas.”