Las huellas de elBulli. Um mergulho no génio de Ferran Adrià

Las huellas de elBulli. Um mergulho no génio de Ferran Adrià


Dez anos depois do encerramento do famoso restaurante elBulli, um documentário criado pela Movistar +, que estreará em outubro, desvendará os segredos de Ferran Adrià, o chef que toda a gente considera “difícil de classificar”.


Começou por lavar pratos no restaurante do Hotel Playafels, na cidade de Castelldefels, em 1980, onde aprendeu a cozinha espanhola. Aos 19 anos, foi convocado para o serviço militar e levou a paixão com ele, exercendo, durante esse tempo, a função de cozinheiro. Três anos depois juntou-se à equipa do elBulli como ajudante e em apenas dezoito meses passou a “dominar” a cozinha, tornou-se o chef principal. Na sua vida, as coisas parece que foram acontecendo à “velocidade da luz” e hoje, mais do que um chef de prestígio reconhecido em todo o mundo, Ferran Adrià é considerado um “criador”, um “mecenas” gastronómico e um homem sem arrependimentos.

 

OS SEGREDOS REVELADOS

Las huellas de elBulli (As pegadas de elBulli) promete retratar de uma maneira “fascinante” a vida de um chef “inclassificável” e “único” – um “criador que transcende qualquer limite”. Trata-se de uma viagem por uma trajetória que influenciou e continua a influenciar muito para lá do mundo da culinária, dez anos depois do encerramento do famoso restaurante onde tudo começou. Nesta produção, serão seguidas as “pegadas” de Adrià e será revelado o impacto deste chef noutros criadores e no imaginário coletivo. Para já, o presente e o futuro andam de mãos dadas na elBulli1846, o centro/museu que guarda o legado do elBulli e onde se reflecte a inovação e a gastronomia através de uma plataforma online que abre novas portas a uma “nova geração de talentos”.

Las huellas de elBulli acompanha Ferran Adrià ao longo do seu dia-a-dia, com testemunhos e encontros com a equipa elBulli e participantes do elBulli1846, incluindo momentos íntimos e quotidianos com a sua esposa Isabel Pérez Barceló. Dele também farão parte depoimentos de colegas de profissão, como José Andrés e Juan Mari Arzak, mas também de nomes influentes que transcendem as fronteiras da cozinha, das mais variadas áreas do universo criativo e artístico que o chef acabou por influenciar. No filme vai ser possível testemunhar, além de como as técnicas pioneiras nasceram no restaurante elBulli, em Cala Montjoi, se tornaram tão famosas no mundo inteiro, mas também perceber a forma como Adrià se converteu no “arquiteto da transformação da culinária em cultura pop”. Olhando para a frente, espreita-se o futuro à frente da Fundação Telefónica, o seu “museu”, elBuli1846, e a sua “bullipedia” (uma “wikipedia” de alta gastronomia ocidental ao serviço da informação e da criatividade).

“Quem não conhece o elBulli, poderá ‘entrar’ nele e descobrir as razões da influência que o restaurante teve e ainda tem”, defendeu o chef, no anúncio da estreia do documentário, produzido pela rede de televisão por cabo norte-americana TBS e realizado por José Larraza.

 

SAUDADES DO ELBULLI?

Já passaram 10 anos desde que o famoso restaurante fechou a 30 de julho de 2011. Contudo, mesmo de portas encerradas, há quem considere que ele continua “aberto” – não apenas pelas memórias que permanecem, ou pelo gigante legado que se tem espalhado por todo o mundo, como também pelo facto do seu criador, Ferran Adrià, dizer ainda “não saber bem o que é que exatamente se passou ali”. A última década tem servido para isso mesmo, para decifrá-lo através da criação de diversos projetos de inovação, divulgação e conhecimento, como é o caso das suas mais de 20 “enciclopédias” que mantêm o restaurante metaforicamente vivo e ativo.

“Nostalgia? Nenhuma! E se fosse abrir novamente faria tudo igual”, admitiu numa entrevista ao jornal espanhol El País o chef que “roubou” a França o primeiro lugar como referência gastronómica universal. “O mais natural e lógico seria que este fosse um dia triste para nós, mas é o contrário!”, declarou a 30 de julho de 2011, na primeira conferência de empresa da elBulli, onde anunciou o encerramento do restaurante, e ao mesmo tempo o nascimento da sua fundação, que definiu como “um projeto aberto à pesquisa e à criatividade culinária”.

O último jantar foi dado ao lado do seu professor e mestre, Juanmari Arzak, do seu irmão Albert Adrià (também ele cozinheiro) e de alguns dos que já haviam passado pela sua cozinha e já tinham estrelas “nos punhados”, como foi o caso de Massimo Bottura, René Redzepi, ou Andoni Luis Aduriz. Ao todo, foram 50 convidados que desfrutaram da sua culinária “desconstrutivista”: como aperitivo foi servido Martini seco, constituído por uma bolha de azeitona que, colocada na língua, “explode” numa mistura de sabores que vão do gin ao vermute. Em seguida, à volta das mesas, meia centena de pratos variados: ravioli de pistáchio, croquetes de frango líquido, pétalas de rosa com presunto marinado em sumo de melão. “Agora tenho outro papel, em vez de criar pratos, ajudo a criar criadores”, afirmou, contando que se fechou o restaurante foi porque se convenceu de que “na área da cozinha já havia atingido todos os limites possíveis”.

 

AO ESTILO DO CHEF

Por mais que recuse estar diretamente ligado à gastronomia molecular, o chef espanhol, tal como chef britânico Heston Blumenthal, é frequentemente associado a essa técnica. Mas Ferran Adrià prefere referir-se à sua culinária como “desconstrutivista”: “Pegar num prato conhecido, transformar todos os seus ingredientes, ou parte deles; modificar a sua textura, forma e/ou temperatura. Desconstruído, esse prato preserva a sua essência, mas a sua aparência será radicalmente diferente da original”, esclareceu ao jornal espanhol. O seu objetivo foi sempre “proporcionar contrastes inesperados de sabor, temperatura e textura. Nada é o que parece. A ideia é provocar, surpreender e deliciar o cliente”.

Fundado em 1964, inicialmente o El Bulli era um churrasco de praia, devendo o seu nome à predileção dos primeiros proprietários – um casal de alemães – por buldogues franceses. Durante anos a ementa exibiu o desenho de um cão daquela raça.

Hoje o elBulli figura na história por razões bem diferentes. Adrià deixou um rasto de espumas, de nitrogénio, de desconstruções, de longos menus e uma tradição de quebrar regras que seriam inabaláveis nos restaurantes de alta cozinha, como comer com as mãos. “Para mim, a liberdade tem de ser vista como regra inquebrantável, como ideologia. Para além de desafiar jovens de diferentes origens a explorar as suas próprias fronteiras e reverter o que sabiam, também abre novas pontes e novos diálogos da gastronomia com outras disciplinas”, explicou Adrià, fazendo a ponte entre a culinária e a sua fundação. “Fomos os pioneiros no diálogo Ocidente-Oriente, com o Japão, com a ciência, o design e a arte”. Destes, destaca-se a sua participação na Documenta em Kassel (Alemanha), em 2007. Foi a primeira vez que um cozinheiro teve direito a um espaço seu num evento do mundo da arte. “Dessa experiência tirei uma conclusão importante: é claro para mim que nós, cozinheiros, somos criativos e não artistas. Mas isso não significa que, como pessoa criativa, eu não possa estabelecer uma troca emocionante com um artista e ver onde somos capazes de ir juntos”.

 

O LEGADO QUE VAI DEIXANDO

Desde que recebeu o Grand Prix de l’Art de la Cuisine em 1994 , concedido pela Academia Internacional de Gastronomia, foram muitos os reconhecimentos e honrarias que choveram sobre Adrià. O_ElBulli obteve a terceira estrela Michelin em 1997, e foi considerado cinco vezes o melhor restaurante do mundo. Recebeu o primeiro lugar no Top 50 de restaurantes pela Restaurant Magazine, em 2002; em 2005, ficou em segundo lugar e passado um ano voltou ao topo, mantendo o título nos três anos que se seguiram. Em 2003, foi capa do The New York Times, com uma reportagem de 16 páginas intitulada “New Nouvelle cuisine”. Em 2004, a revista Time considerou Adrià uma das 100 pessoas mais influentes do mundo.

No outono de 2010, o chef e o também cozinheiro espanhol José Andrés criaram um curso de física culinária, “Ciência e Culinária”, na Universidade de Harvard, que se mantém até hoje. Nesse mesmo mês, o cozinheiro anunciou a parceria com a empresa espanhola Telefónica.

Adrià é autor de vários livros de receitas, incluindo A Day at El Bulli , El Bulli 2003–2004 e Cocinar en Casa (Cozinhando em casa). Um dos seus pratos mais falados resultou de uma experiência realizada com o seu assistente, Daniel Picard, onde o chef transformou amêndoas em queijo e espargos em pão com a ajuda de ingredientes naturais.

A culinária, ligada à física, à liberdade e à tecnologia: “Inovação é tudo, no fundo é querer fazer evoluir”, sublinha.