Francisco Matos
Engenheiro informático
“A maior parte dos homens que vemos na televisão estão maquilhados”
Tem 22 anos e mudou-se há cinco anos para Lisboa para estudar engenharia informática no Instituto Superior Técnico. O interesse pela maquilhagem surgiu relativamente tarde, aos 20 anos. Na altura, começou a assistir a alguns programas de entretenimento como RuPaul’s Drag Race e Glow Up onde são apresentados todos os processos de transformação com cosméticos, “coisas que eu nem tinha noção que eram possíveis de se fazer!”, revela. Começou a experimentar e a brincar com alguns produtos e o interesse começou a “ganhar asas”. Agora, cria “arte” a partir dos pincéis, publicando os seus trabalhos nas suas redes sociais: “Há cada vez mais rapazes a fazê-lo, mas ainda não o suficiente para que isso seja considerado ‘normativo’. O que a maior parte das pessoas não sabe sobre este mundo é que ele sempre incluiu homens”. E acrescenta: “Se as pessoas ligarem neste momento a televisão vão deparar-se com dezenas de homens maquilhados, sejam eles atores de novelas, apresentadores de programas de entretenimento ou pivôs dos noticiários”. Para o engenheiro informático, o problema não passa só pelas pessoas, passa também pelas próprias marcas de cosméticos. “Em Portugal temos várias marcas que contêm palavras como ‘mulher’ e ‘ela’ no próprio nome. Ou seja, o próprio mercado ainda está muito direcionado apenas para o sexo feminino”.
Apesar de nunca ter sentido esse estigma na rua, Francisco admite ter noção de que muitas pessoas não o aprovam e “entre elas são capazes de fazer algum comentário menos feliz”. O mesmo não acontece nas suas plataformas digitais: “Há umas semanas atrás recebi um comentário menos feliz, mas isso não me afetou porque felizmente tive uma grande quantidade de jovens que foram ao post em questão e perderam tempo para mostrar à outra pessoa o porquê de estar errada. Isto mostra que a situação está a mudar e deixa-me com esperança que nas próximas gerações isto já nem seja um tema”, considera. E deixa um conselho àqueles que não o veem com bons olhos: “Deveriam preocupar-se com os problemas reais do nosso mundo, e não com o que a outra pessoa usa ou deixa de usar”.
Josué Torres
Maquilhador profissional
“A maquilhagem tem vários poderes”
Tem 23 anos, vive no Porto e é maquilhador profissional na Giorgio Armani.
Apesar de desde muito novo se ter interessado por maquilhagem, tendo chegado a maquilhar a mãe várias vezes, Josué jamais ponderou que esse seria o seu futuro profissional. “Onde cresci, sempre fui obrigado a restringir muitos os meus gostos para não ser julgado e sentir-me incluído”, confessa. “A minha caminhada profissional no mundo da maquilhagem começou quando cheguei a Londres”. Na altura, o jovem foi desafiado por uma colega de casa a candidatar-se a maquilhador, mesmo não tendo qualquer experiência. No mesmo dia, inscreveu-se para um lugar como maquilhador no Shopping Selfridges de Londres para a marca MAC e, entre cem candidatos, foi um dos cinco selecionados. O tempo passou e, quando deu por si, estava a trabalhar diretamente para Giorgio Armani (onde se mantém há três anos, apesar de ter voltado para Portugal).
“Em Londres via muita diversidade, muita inclusão, qualquer pessoa utiliza maquilhagem sem opressões, sem receios do que possam pensar, porque na realidade ninguém é igual e isso é que torna a nossa jornada na terra única”, defende. Fazendo a ponte com Portugal, admite que as coisas aqui são bem diferentes: “Eu acho que o que está mal na sociedade portuguesa é falta de amor próprio que nos leva, muitas vezes, a sentir a necessidade de rebaixar os outros”.
Para Josué, a maquilhagem tem vários poderes podendo transformar uma pessoa, ou apenas enaltecer alguns dos seus traços: “Já passei pela fase de querer mudar um rosto por completo, transformar a pessoa ‘numa estrela’ e agora sou mais apologista de um look natural e luminoso, que apenas realce a beleza que a pessoa já possui. Acho que o importante, sejamos homens ou mulheres, é que nos sintamos bem com aquilo que somos, vestidos, ou utilizamos”.
Para o jovem maquilhador as pessoas deveriam ser mais “motivadas”,”encorajadas” e “curiosas” a experimentar coisas novas, antes de as negarem ou rejeitarem liminarmente.
Francisco Soares
Criador de contéudos
“A maquilhagem ainda é considerada uma afronta à masculinidade”
Mais conhecido nas plataformas digitais como “Kiko is Hot”, Francisco Soares, de 26 anos, foi um dos primeiros homens em Portugal a divulgar a sua paixão pela maquilhagem no Youtube. O seu canal já possui mais de 100 mil subscritores e no Instagram tem mais de 40 mil seguidores.
“Comecei a utilizar maquilhagem aos 15 anos. Tudo começou quando voltava da escola e ia para o quarto da minha mãe explorar o estojo de maquilhagem. Era uma coisa super limitada, tinha duas sombras, uma base, um blush, um batom…”, revela. Depois, começou a ver vídeos no Youtube e a tentar reproduzir algumas coisas, criando os meus próprios looks. Acredita que esse seu gosto surgiu em paralelo com a altura da sua vida que ouvia bandas de rock e punk. Começou então a pintar os olhos, sempre com bastante discrição, pois apesar de se sentir “diferente”, queria integrar-se e passar despercebido. “Acho que mesmo as raparigas que usavam maquilhagem na escola, nessa altura, eram mal vistas e se já havia um preconceito para as raparigas, imagina para os rapazes. Isso era uma realidade que nem sequer existia”, recorda. Muitas vezes era comparado a José Castelo Branco, ou a Bill Kaulitz, vocalista da banda Tokio Hotel, as referências que havia na altura. Depois da explosão do seu canal de Youtube, Francisco sentiu-se livre para vestir e usar exatamente aquilo que queria. “Acho que o problema é que ainda vivemos numa sociedade machista, em que a maquilhagem, aos olhos de muitos, é uma afronta à masculinidade, àquilo que conhecemos, ao dito “normal”. Porque para a sociedade portuguesa é muito difícil perceber o porquê de um homem se querer maquilhar, ou ‘ser mulher’, como muitos pensam”, considera.
Com o seu canal de Youtube, sente que tem desbloqueado vários outros jovens. Por uma razão muito simples: “A honestidade tem muito poder e eu no meu canal faço isso mesmo. Mostro a busca por mim próprio, desafio-me. Esse facto acaba por ter um efeito dominó nas pessoas e isso tem muito poder e é muito bonito”, sublinha. “É ser e deixar ser, não me parece algo difícil”.
Vivaldo dos Santos
Cantor e marketeer
“Deixem as pessoas viver como quiserem”
Mais conhecido por Waku na indústria musical, tem 23 anos de idade e, além de cantor, é marketeer digital numa organização de saúde, em Londres.
Sempre admirou o universo da maquilhagem, mas só no ano passado é que sentiu a necessidade de começar a utilizá-la: “Comecei a usar maquilhagem no final de 2020, porque tive uma reação alérgica a um antibiótico que deixou algumas sequelas no rosto, quase como se tivesse um grave problema de acne”, explica. Na altura, também gravava vídeos para o seu canal de Youtube e, pelo facto de estar tão exposto diante de uma câmara e de sentir a sua autoestima afetada, começou por usar uma base para disfarçar as manchas que persistiam. Ao gostar do resultado, Vivaldo adotou esse hábito no dia-a-dia: “No princípio ficava com receio de que as pessoas notassem. O que é natural pelo facto de ainda vivermos num mundo em que tudo tem de ser direcionado para um género em especifico”, relembra. Contudo, com o tempo, foi-se sentindo mais à vontade, até porque, diz, este fenómeno, em Londres, está cada vez mais normalizado: “Aqui em Londres as pessoas não se importam tanto com a vida alheia, não querem saber o que vestes, comes e pões no teu rosto, desde que não as incomodes”, sublinha. “O mercado da beleza é um mercado em constante crescimento, a cada dia vemos nascer novas marcas, produtos e técnicas e tudo isso resulta na procura das pessoas. Se os homens não usassem maquilhagem, as marcas não criavam linhas direcionadas para eles”, defende. Para o marketeer, a maquilhagem é uma “arte” e serve para que as pessoas se sintam felizes, independentemente da maneira como a utilizam. No princípio, teve dificuldade em encontrar uma base que se adequasse ao seu tom mais escuro de pele. Contudo, nos últimos anos, com a ascensão das redes sociais e a rápida circulação de informação, as marcas começaram a diversificar os produtos e a incluir mais tons para que consigam alcançar um público maior. “Abram as mentes, desconstruam as coisas, vivam as vossas vidas e deixem as outras pessoas viver a vida delas como quiserem”, remata.