1. Poucos se lembrarão, mas Cavaco Silva procedeu a ajustes em alguns dos seus governos em julho e agosto, causando um efeito surpresa. Aproveitou o período mais calmo para atuar, a tempo de que os recém-chegados, ou promovidos, pudessem intervir na elaboração do Orçamento do Estado e definir políticas. Se António Costa, efetivamente, desejar acertar políticas e corrigir trajetórias é nesta altura que deverá agir.
É o momento em que se prepara o orçamento e se negoceia com os parceiros potenciais, nesta altura o PCP, os Verdes, o PAN e o Bloco. É assim a política. Se optar por remodelar no pós-autárquicas ou deixar estar tudo como está, é sinal de que António Costa não pretende alterar o rumo e as políticas, limitando-se a navegar à vista, contando com os milhões da bazuca para um relançamento da economia e abandonando reformas que emagreçam o Estado.
Para isso, tanto faz que seja com estes como com quaisquer outros ministros e secretários de Estado. O Governo Costa é uma lástima. Tem uma inútil e incompetente ministra da agricultura; um clandestino ministro das pescas; um patético e demagogo ministro do ambiente; um arrogante e alucinado ministro do equipamento social que adora comboios em segunda mão; uma manipuladora ministra da justiça e, ainda, uma atabalhoada ministra da cultura.
Há depois os ministros cataclismo: Alexandra Leitão, modernização de não se sabe o quê; Tiago Brandão Rodrigues, Educação; Ana Mendes Godinho, Segurança Social; Ana Abrunhosa, coesão territorial e, claro está, o inevitável e indomável Cabrita, rei da asneira, como outros são dos frangos.
O resto da equipa, com este ou aquele problema, é esforçado. Siza Vieira (apesar de anunciar apoios que raramente chegam); Santos Silva (que passa a vida a ser surpreendido pelos ingleses); Vieira da Silva (uma filha que prova que a espécie pode mesmo evoluir para melhor); João Leão (em representação de Mário Centeno); João Cravinho Jr. (apesar do mal-estar nas FA); Manuel Heitor (apesar do maior número de desistências de que há memória no ensino universitário e politécnico) e (reconheça-se) Marta Temido fazem o que podem.
São como os dois cavalos da Citröen, servem para ir de um ponto ao outro e até são giros, mas andam devagar. A propósito de Cabrita e da circunstância de, alegadamente, não sair do Governo por ser amigo do peito de Costa, vale a pena voltar a Cavaco. Isto para lembrar que quando se deu a celebérrima manifestação de polícias conhecida por secos e molhados (em que os de serviço carregaram violentamente sobre os que protestavam, atirando também jatos de água), o titular do MAI era Silveira Godinho.
Todos sabiam ser um grande amigo de Cavaco. Não foi isso que evitou a sua remodelação. Há posturas de Estado e compadrios. Há momentos em que não se podem confundir as coisas, mesmo que isso tenha consequências pessoais. Remodelar é para um primeiro-ministro um enorme quebra-cabeças, desde logo porque também é preciso pensar onde pôr a rapaziada toda que sai. E neste Governo há uma legião de gente. São 80 governantes, fora chefes de gabinete, adjuntos, secretárias, consultores, motoristas e por aí fora.
2. Está criado um consenso nacional para que sejam levantadas muitas das restrições impostas pela pandemia, uma vez que esta tende a tornar-se endémica. É natural que amanhã o conselho de ministro calendarize aberturas, sendo desejável que defina a estratégia de monitorização da evolução da contaminação.
De facto, a experiência demonstra que pode ser necessário reverter a flexibilização que todos desejam, em nome da saúde pública. Não se pode ignorar que vivemos uma realidade que nos torna num dos países com mais mortes por habitante. É hoje incontroverso que a vacina foi o elemento essencial para conter a pandemia. Há que atuar em conformidade, mesmo que isso implique restrições aos chamados negacionistas.
Deve ser-se claro quanto a isso e também relativamente ao plano vacinal, sabendo-se se, por exemplo, quem foi infetado vai tomar duas doses da vacina, como as autoridades médicas europeias recomendam claramente. Entre nós, isso não está assente o que tem a ver com a manifesta falta de vacinas. Num contexto mais vasto, não há dúvida de que só uma ação à escala planetária pode travar o vírus, o que impõe aos países mais ricos a obrigação reforçada de solidariedade com os mais pobres.
3. Morreu Otelo. Foi o organizador do golpe militar que virou revolução depois do 25 de Abril de 1974. Nascido em Lourenço Marques (hoje Maputo), derrubou a ditadura e o regime colonial em que cresceu e que serviu até chegar a major. Na Guiné, terá percebido que a guerra nunca seria ganha ou, então, queria associar-se aquilo que inicialmente era uma reivindicação de classe dos oficiais do quadro permanente que se opunham a que os milicianos lhes pudessem ser equiparados.
Nunca se percebeu ao certo. O que se viu, depois do derrube da ditadura, foi um Otelo imaturo, impreparado, revolucionário, cada vez mais radical e ligado a um grupo terrorista de extrema-esquerda que matou 18 pessoas. Um dia era social-democrata e no outro castrista cubano.
As revoluções acabam muitas vezes por engolir os que as espoletam. Não é preciso recuar à francesa para recordar isso. Basta evocar Machado Santos, o herói da implantação da República e um também um irrequieto revolucionário, assassinado em 1921 por gente ainda mais extremista do que ele. Otelo tinha algumas semelhanças, sem ter tido a heroicidade do seu antecessor longínquo.
4. O Montepio tem nas mãos as ações da Groundforce pertencentes a António Casimiro. O banco quer vendê-las, o que ajudaria a um regresso à normalidade na companhia de handling, apoiando a economia e o turismo em vez de o sabotar. Até aqui tudo bem. O que se percebe menos é a notícia, dada exclusivamente pelo Nascer do Sol, de que o Montepio (uma instituição cheia de quadros caros e de problemas) tenha recorrido a um banco chinês que opera com a licença do Banif para liderar a venda, que nem sequer é um leilão. Alguém explica?
5. Findo o prazo para o debate público sobre a revisão do contrato de concessão da RTP, Nuno Artur Silva, que tutela o setor, assinou um artigo sobre o tema, no Público do passado dia 22. Ao longo do texto, percebe-se que toda a sua preocupação está virada para a televisão, não havendo uma singela referência direta à área da rádio. Não admira, porquanto é na da televisão que se fazem mexidas que envolvem interesses, influências e se enfia, com maior ou menor cautela, uma tropa amiga. Na RTP, a rádio é o parente pobre, apesar dos esforços de alguns dos seus profissionais.
Esperemos que Nicolau Santos, um jornalista experiente e altamente competente, agora à frente da empresa, não tenha um entendimento tão limitado do que deve ser revisto, como o de Nuno Artur Silva. O mesmo se espera do Conselho de Opinião da empresa.
Já do CGI não se espera nada. Inventado por Poiares Maduro no tempo de Passos, é uma mera barriga de aluguer que existe para, na prática, executar decisões governamentais. Escrever sobre a RTP e não falar da rádio é como tratar de coisas sérias em “drinks” de fim de tarde.