Mais ideias, mais participação, mais democracia: Cascais dez anos depois do OP


O OP Cascais é um caso de estudo internacional, da civilizada Estocolmo à cosmopolita Nova Iorque, da China à Nicarágua. O sucesso do OP Cascais deve-se aos cidadãos que abraçaram esta ideia desde o primeiro momento. 


A cidade é a forma de organização mais bem-sucedida na história. A polis como veículo do bem comum, como célula base da democracia, é uma das mais belas, senão mesmo a mais bela, forma de governo que a humanidade algum dia inventou.

Como a pandemia acaba de provar, e se duvidas houvesse, paradoxalmente a ideia de autarquia é absolutamente central no século XXI da globalização e da hiperconectividade

A covid-19 não é a única doença do mundo contemporâneo. Há outras igualmente graves e não menos preocupantes, como a pandemia climática ou a regressão democrática e dos direitos humanos.

A cidade, a autarquia, não tem poderes para resolver os grandes problemas do mundo como o aquecimento global ou o crescimento das forças iliberais. Mas lá que pode ajudar, pode.

Pegando na crise das democracias ocidentais, é hoje claro que os pilares da liberdade, da igualdade e da solidariedade estão a ser corroídos pela falta de confiança no sistema. Os cidadãos desconfiam do Governo, dos eleitos, das empresas e dos empresários e até dos seus vizinhos. Este tipo de sociedade em estado de dúvida permanente não tem condições para prosperar.

Quando o cidadão não sente confiança no sistema – isto é, não há reciprocidade de direitos e sobretudo deveres na prossecução do bem comum –, das duas, uma: ou cai numa busca incessante pela concretização dos seus melhores interesses individuais, numa espécie de salve-se quem puder sem regras nem humanidade; ou, então, abraça projetos políticos radicais, que têm como corolário a degradação ainda mais acelerada da moral democrática que prometem proteger. 

A autarquia não curará a democracia dos seus males. Todavia, em mais de 3000 comunidades em todo o mundo, estão a ser dados passos muito concretos para redemocratizar a democracia através de processos de co-criação da cidade. O Orçamento Participativo é talvez o mais popular de todos esses processos. E um do qual nos orgulhamos particularmente em Cascais.

A celebrar o seu décimo aniversário, o OP Cascais é um caso de estudo internacional, da civilizada Estocolmo à cosmopolita Nova Iorque, da China à Nicarágua. O sucesso do OP Cascais deve-se aos cidadãos que abraçaram esta ideia desde o primeiro momento. 

O OP é, na verdade, um destruidor de mitos. 

O primeiro mito é o de que os cidadãos estão afastados do processo político. Em dez anos, e só em Cascais, foram investidos 38 milhões de euros em 176 projetos propostos por 7711 pessoas e decididos pelos votos de 403.675 cidadãos votantes. 

Isto é democracia em movimento. 

Os cidadãos querem envolver-se, querem participar, querem encontrar formas de mudar a sua rua, o seu bairro, a sua cidade e o seu país. O dever dos eleitos não é lamentar a abstenção. A abstenção é, em muitos casos, um ato político. O dever dos políticos, dizia, é encontrar mecanismos alternativos de participação que sirvam os cidadãos.

O segundo mito é o de que as mulheres tem menos predisposição para a vida pública/política. É falso. As sessões de participação, os encontros preliminares onde os cidadãos apresentam pela primeira vez as suas propostas em público e arregimentam apoios para a sua causa, são lideradas sobretudo por senhoras: 52%. 

O terceiro mito é o de que as prioridades de despesa e os orçamentos não podem ser realinhados pelos cidadãos. Podem. Devem. Em dez anos, os cidadãos reafetaram 38 milhões de euros. Canalizaram estas verbas sobretudo para a requalificação de edifícios e espaços públicos, para o desporto, para a segurança e proteção civil e para a educação.

Apesar da grande diversidade de áreas, foi sobretudo nestas que se centraram as propostas dos cidadãos. Porque a palavra “participativo” não é apenas um apêndice da palavra “orçamento”, convém sublinhar que OP em Cascais não está refém de grupos de interesse: 90% dos proponentes só apresentam um só projeto. 

O quarto mito é o de que as pessoas decidem única e exclusivamente com base no seu interesse egoísta. Quando olhamos para a geografia de investimentos do OP, percebemos que cerca de 10% da verba total foi usada em projetos de dimensão concelhia. Uma análise mais fina, por freguesia, também mostra números interessantes. Cascais e Estoril lidera com 52 projetos e mais de 11 milhões de euros de investimento; Carcavelos e Parede com 42 projetos e 8,6 milhões de euros; Alcabideche registou 38 projetos e 8,5 milhões; e, por fim, São Domingos de Rana ficou-se pelos 30 projetos que valem 5,7 milhões. 

O quinto e último mito que o OP Cascais ajuda a desfazer é o de que a função pública lenta e a administração é fechada. Quanto à lentidão: com uma taxa de execução de 97%, Cascais tem dos OP’s com mais ritmo de concretização na Europa. Compara bem com os melhores. Se olharmos para Madrid (58%), Paris (51%) ou Milão (11%), não só realizamos mais obras como a percentagem do orçamento de investimento que dedicamos ao OP, 15%, triplica o daquelas cidades (todos na casa dos 5%).

Quanto ao fechamento: um dos mais extraordinários subprodutos do OP é o restabelecimento dos laços de cooperação e confiança entre os corpos técnicos e administrativos e os cidadãos. O OP é uma ponte entre a vontade e o sonho dos cidadãos e a capacidade e competência das equipas municipais. A infusão de novas ideias e a diversidade de métodos trazidos pelas pessoas para o OP, muda para melhor os processos internos, cria uma cultura de exigência e um dever de transparência permanente.

Por outro lado, a proximidade das equipas municipais aos proponentes mostra o que de melhor há no serviço público. A dedicação, a competência, a vontade de fazer mais e melhor.

O OP está a fazer mais pela reinvenção da democracia e pela participação cidadã do que dezenas de inflamados discursos pela liberdade. Cada vez mais os orçamentos participativos escoam nas nossas ruas a música eterna: “o povo é quem mais ordena / dentro de ti, ó cidade!”

Dado que até à próxima quarta-feira formalizarei a candidatura à renovação de mandato como Presidente da Câmara Municipal de Cascais, embora só inicie a campanha eleitoral em finais de agosto/início de setembro, e para que os planos nunca se confundam, a coluna de opinião que assino semanalmente há dez anos regressa depois das eleições autárquicas. 

Mais ideias, mais participação, mais democracia: Cascais dez anos depois do OP


O OP Cascais é um caso de estudo internacional, da civilizada Estocolmo à cosmopolita Nova Iorque, da China à Nicarágua. O sucesso do OP Cascais deve-se aos cidadãos que abraçaram esta ideia desde o primeiro momento. 


A cidade é a forma de organização mais bem-sucedida na história. A polis como veículo do bem comum, como célula base da democracia, é uma das mais belas, senão mesmo a mais bela, forma de governo que a humanidade algum dia inventou.

Como a pandemia acaba de provar, e se duvidas houvesse, paradoxalmente a ideia de autarquia é absolutamente central no século XXI da globalização e da hiperconectividade

A covid-19 não é a única doença do mundo contemporâneo. Há outras igualmente graves e não menos preocupantes, como a pandemia climática ou a regressão democrática e dos direitos humanos.

A cidade, a autarquia, não tem poderes para resolver os grandes problemas do mundo como o aquecimento global ou o crescimento das forças iliberais. Mas lá que pode ajudar, pode.

Pegando na crise das democracias ocidentais, é hoje claro que os pilares da liberdade, da igualdade e da solidariedade estão a ser corroídos pela falta de confiança no sistema. Os cidadãos desconfiam do Governo, dos eleitos, das empresas e dos empresários e até dos seus vizinhos. Este tipo de sociedade em estado de dúvida permanente não tem condições para prosperar.

Quando o cidadão não sente confiança no sistema – isto é, não há reciprocidade de direitos e sobretudo deveres na prossecução do bem comum –, das duas, uma: ou cai numa busca incessante pela concretização dos seus melhores interesses individuais, numa espécie de salve-se quem puder sem regras nem humanidade; ou, então, abraça projetos políticos radicais, que têm como corolário a degradação ainda mais acelerada da moral democrática que prometem proteger. 

A autarquia não curará a democracia dos seus males. Todavia, em mais de 3000 comunidades em todo o mundo, estão a ser dados passos muito concretos para redemocratizar a democracia através de processos de co-criação da cidade. O Orçamento Participativo é talvez o mais popular de todos esses processos. E um do qual nos orgulhamos particularmente em Cascais.

A celebrar o seu décimo aniversário, o OP Cascais é um caso de estudo internacional, da civilizada Estocolmo à cosmopolita Nova Iorque, da China à Nicarágua. O sucesso do OP Cascais deve-se aos cidadãos que abraçaram esta ideia desde o primeiro momento. 

O OP é, na verdade, um destruidor de mitos. 

O primeiro mito é o de que os cidadãos estão afastados do processo político. Em dez anos, e só em Cascais, foram investidos 38 milhões de euros em 176 projetos propostos por 7711 pessoas e decididos pelos votos de 403.675 cidadãos votantes. 

Isto é democracia em movimento. 

Os cidadãos querem envolver-se, querem participar, querem encontrar formas de mudar a sua rua, o seu bairro, a sua cidade e o seu país. O dever dos eleitos não é lamentar a abstenção. A abstenção é, em muitos casos, um ato político. O dever dos políticos, dizia, é encontrar mecanismos alternativos de participação que sirvam os cidadãos.

O segundo mito é o de que as mulheres tem menos predisposição para a vida pública/política. É falso. As sessões de participação, os encontros preliminares onde os cidadãos apresentam pela primeira vez as suas propostas em público e arregimentam apoios para a sua causa, são lideradas sobretudo por senhoras: 52%. 

O terceiro mito é o de que as prioridades de despesa e os orçamentos não podem ser realinhados pelos cidadãos. Podem. Devem. Em dez anos, os cidadãos reafetaram 38 milhões de euros. Canalizaram estas verbas sobretudo para a requalificação de edifícios e espaços públicos, para o desporto, para a segurança e proteção civil e para a educação.

Apesar da grande diversidade de áreas, foi sobretudo nestas que se centraram as propostas dos cidadãos. Porque a palavra “participativo” não é apenas um apêndice da palavra “orçamento”, convém sublinhar que OP em Cascais não está refém de grupos de interesse: 90% dos proponentes só apresentam um só projeto. 

O quarto mito é o de que as pessoas decidem única e exclusivamente com base no seu interesse egoísta. Quando olhamos para a geografia de investimentos do OP, percebemos que cerca de 10% da verba total foi usada em projetos de dimensão concelhia. Uma análise mais fina, por freguesia, também mostra números interessantes. Cascais e Estoril lidera com 52 projetos e mais de 11 milhões de euros de investimento; Carcavelos e Parede com 42 projetos e 8,6 milhões de euros; Alcabideche registou 38 projetos e 8,5 milhões; e, por fim, São Domingos de Rana ficou-se pelos 30 projetos que valem 5,7 milhões. 

O quinto e último mito que o OP Cascais ajuda a desfazer é o de que a função pública lenta e a administração é fechada. Quanto à lentidão: com uma taxa de execução de 97%, Cascais tem dos OP’s com mais ritmo de concretização na Europa. Compara bem com os melhores. Se olharmos para Madrid (58%), Paris (51%) ou Milão (11%), não só realizamos mais obras como a percentagem do orçamento de investimento que dedicamos ao OP, 15%, triplica o daquelas cidades (todos na casa dos 5%).

Quanto ao fechamento: um dos mais extraordinários subprodutos do OP é o restabelecimento dos laços de cooperação e confiança entre os corpos técnicos e administrativos e os cidadãos. O OP é uma ponte entre a vontade e o sonho dos cidadãos e a capacidade e competência das equipas municipais. A infusão de novas ideias e a diversidade de métodos trazidos pelas pessoas para o OP, muda para melhor os processos internos, cria uma cultura de exigência e um dever de transparência permanente.

Por outro lado, a proximidade das equipas municipais aos proponentes mostra o que de melhor há no serviço público. A dedicação, a competência, a vontade de fazer mais e melhor.

O OP está a fazer mais pela reinvenção da democracia e pela participação cidadã do que dezenas de inflamados discursos pela liberdade. Cada vez mais os orçamentos participativos escoam nas nossas ruas a música eterna: “o povo é quem mais ordena / dentro de ti, ó cidade!”

Dado que até à próxima quarta-feira formalizarei a candidatura à renovação de mandato como Presidente da Câmara Municipal de Cascais, embora só inicie a campanha eleitoral em finais de agosto/início de setembro, e para que os planos nunca se confundam, a coluna de opinião que assino semanalmente há dez anos regressa depois das eleições autárquicas.