Comecemos pelo que é mais simples (e até às vezes simplório), mas também acessório: é verdade que por vezes a defesa lança mão de expedientes dilatórios nos processos. A defesa e, já agora, também outros sujeitos processuais, embora menos vezes. Verdade. Porém, isso nada tem que ver com excesso de garantias, por um lado, e, por outro lado, essa é, de todas, a causa menos importante de demora nos processos. Além disso, a ideia de justiça lenta não corresponde, em geral, à verdade, pois há setores onde ela tem um andamento que não é patológico, e esses setores até são a maioria. E onde há demora generalizada, isso nada tem que ver com expedientes dilatórios, garantias ou defesa (como é o caso da área administrativa e fiscal), sendo também certo que a área penal costuma ser medida – mas mal – por uma dúzia de processos “grandes e mediáticos”, que não são representativos da área penal no seu conjunto.
Por partes. Expedientes dilatórios não são excesso de garantias, são mau uso de garantias, que é coisa bem diferente. Não há excesso de garantias no processo penal português, aliás até há défice, seja no processo penal em sentido estrito, seja no processo contraordenacional dos chamados “grandes reguladores”, e numa área e noutra os últimos vinte anos no nosso país foram de redução sistemática de garantias. Aliás, eu gostaria muito que quem fala de excesso de garantias me apontasse exemplos concretos. Generalidades e clichés também eu, isso “é fácil, é barato e dá milhões”. Olhem para o que aconteceu na instrução, na lei e na prática, desde a versão original do Código, e depois falamos. Olhem para o que aconteceu em matéria de recursos, e depois falamos. Olhem para o que se passa na fase administrativa e na fase judicial do processo contraordenacional, e depois falamos. São os recursos para o Tribunal Constitucional, esse lugar onde só se consegue fazer entrar um recurso em fiscalização concreta quase por milagre? São os incidentes de recusa, que aliás não são frequentes (e que são inúteis, já agora), e que só procedem se o magistrado recusado tiver – passe o sarcasmo de quem já viu e ouviu e leu muito em quase três décadas de profissão – dado duas bofetadas no arguido, e mesmo assim tem que ser com força? São as reclamações para a conferência de decisões singulares? Tenham paciência, e digam-me coisas concretas. E aí falaremos. (Quando tiver mais carateres, volto ao tema, e esmiúço mais ainda.)
Causas de demora nos processos criminais? Há, embora sobretudo (ainda que não exclusivamente) na tal dúzia de processos a partir da qual – mas mal – se mede toda a área. Várias. Expedientes ditos dilatórios? Sim, mas causa menor. Causas maiores? Várias. Em primeiro lugar, uma que não é patológica, é a natureza das coisas, “a normalidade do acontecer” como se diria noutras sedes: há coisas que têm que demorar, que são complexas, que não se compadecem com os três dias que duram notícias, feiras e romarias. Depois, algumas que são menos boas, mas que existem, e que suplantam em muito a alegada conversa fácil e popularucha do excesso de garantias: uma visão legal e prática antiquada do princípio da legalidade; um apetite desmesurado por dossiers enormes, que levam a anos e anos e anos de processo, a começar pelo inquérito criminal e pela fase administrativa contraordenacional, que chegam a levar 5, 7, 10 anos. E, também, nalguns casos, não a maioria, mas também há, e é preciso dizê-lo: preguiça e/ou incompetência. Tudo isto existe, e tudo isto é complexo, e é preciso ser analisado, mas para isso é preciso: (i) tempo, (ii) vontade e (iii) conhecimento. Três coisas que escasseiam nos dias que correm. Portanto, mais vale dizer que é o excesso de garantias. E pronto, já está, aplauso, like.
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