A razão de não votar na Iniciativa Liberal


Não tardará que a cidade se torne numa manta de retalhos, com cada uma das forças políticas a querer o seu protagonismo e quinhão.


A tarefa não vai ser fácil para os candidatos à Câmara Municipal de Lisboa que terão que ser muito claros na mensagem que irão passar até ao dia das eleições. Isto, se quiserem mobilizar os eleitores para se deslocarem às urnas e comprometê-los com o futuro da cidade para os próximos 4 anos. A taxa de abstenção nas últimas eleições foi de 48,8%, o que correspondeu a cerca de 240 mil pessoas que escolheram não votar. São muitos votos à solta, resultado de um desinteresse crescente em participar e optar por um projeto que dê um rumo à cidade. Para uns, a responsabilidade é dos candidatos que não têm as características necessárias para mobilizar e agregar votos; para outros, onde me incluo, este malquisto dos eleitores em relação a quem se dedica à causa pública é um envenenamento mediatizado que se instalou na nossa sociedade, desvalorizando todo e qualquer princípio democrático e constitucional, hipotecando a capacidade analítica e crítica dos que se alimentam da conversa podre.

Os protagonistas destas eleições são todos muito diferentes e há para todos os gostos e feitios. Dois deles são, sobejamente, conhecidos, até porque levam um bom avanço em campanhas eleitorais e em experiência autárquica relativamente aos seus adversários, que concorrem pela primeira vez como cabeças de lista a uma eleição autárquica.

O candidato do Partido Socialista (PS) dispensa qualquer apresentação. Fernando Medina é presidente da Câmara Municipal de Lisboa desde 2015, quando sucedeu a António Costa e este trocou o poder local pelo Governo de Portugal, deixando-o em substituição nos dois últimos anos de mandato. Em 2017, apresentou-se pela primeira vez a eleições e ganhou com oito mandatos para a vereação, menos três do que António Costa havia alcançado.

Pela Coligação Democrática Unitária, e pela terceira vez, João Ferreira é o rosto dos comunistas e dos verdes, que tem cumprido os mandatos de vereador de oposição e, por essa razão, é um conhecedor da realidade lisboeta e da gestão executiva, sem se ter “casado” com o PS durante o mandato municipal, a não ser pontualmente.

A estrear nestas andanças, o PSD em coligação com o CDS apresenta Carlos Moedas, ex-comissário europeu para a Investigação, Inovação e Ciência e ex-administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, como uma alternativa forte à atual gestão socialista, cuja avaliação feita pelos munícipes, em estudos de mercado publicados, não era boa, nem má, até aos últimos episódios que têm estado debaixo dos holofotes da comunicação social. Depois do envio, indesculpável, de dados sobre manifestantes para a Rússia e outros países; das suspeitas de irregularidades no Urbanismo, no que se refere à Segunda Circular, à Torre de Picoas, ao Hospital da Luz, à reabilitação do Miradouro de São Pedro de Alcântara e à Operação Integrada de Entrecampos (antiga Feira Popular); e dos 6 milhões de euros congelados em orçamentos participativos, cujas obras já deviam estar concluídas há 8 anos, a avaliação dos lisboetas pode ter sofrido uma alteração profunda que os motive a procurar uma alternativa a este modelo de gestão, exposto pelos media, e encontrem em Carlos Moedas as respostas aos problemas da cidade.

O Bloco de Esquerda, com um vereador eleito, apostou numa ativista, Beatriz Gomes Dias, atualmente deputada parlamentar. O desafio em cima da mesa para o BE é manter um vereador e superar os 7,14% de Ricardo Robles, o vereador bloquista que renunciou ao mandato na sequência do polémico caso da venda de um prédio em Alfama.

O Chega apresenta, pela primeira vez, um candidato autárquico, Nuno Graciano – a escolha de André Ventura para segurar os cerca de 11% dos votos que obteve em Lisboa, nas eleições presidenciais. A aposta num comunicador experiente do mundo do espetáculo pode bem vir a despertar o interesse dos eleitores mais descontentes e afastados que se revejam numa candidatura mais mediática e polémica. Um homem que se assume como sendo de convicções fortes e que não se revê no politicamente correto para alcançar os eleitores e ter os seus votos.

E, por último, o debutante Bruno Horta Soares, a segunda escolha do Iniciativa Liberal, depois da desistência do seu primeiro candidato, que ambiciona implementar na cidade a agenda liberal da IL, segundo as palavras do próprio. Além desta ambição, quer tornar Lisboa numa cidade “mais inteligente”, através da maximização do potencial liberal que a cidade tem. O mote que escolheu para apresentar a sua candidatura “Está na hora de libertar Lisboa” reforça esta visão que tem, de uma cidade agrilhoada a princípios e valores que em nada a beneficiam; mas, acima de tudo, revela que o seu ideário programático assenta basilarmente em busca de novas alternativas aos costumes dos lisboetas, com a introdução de uma cultura libertária e individual. Esta terá sido a principal razão para a IL não ter chegado a acordo com Carlos Moedas para entrar na coligação de centro-direita.

Desde as eleições autárquicas de 2017 que o executivo de Lisboa é composto por oito vereadores eleitos pelo PS (incluindo o movimento dos Cidadãos por Lisboa e o dos Lisboa é muita gente), um pelo BE, quatro pelo CDS-PP, dois pelo PSD e dois pela CDU. Ao todo, são 17 vereadores distribuídos por 5 forças políticas.

A prestação do atual presidente antecipa a possibilidade de diminuir o número de mandatos, de 8 para 7. Imaginemos que o PSD e o CDS elejam, caso não ganhem as eleições (a disputa pelo governo da cidade é entre Fernando Medina e Carlos Moedas), 7 vereadores; a CDU diminua para 1 vereador; o BE não consiga eleger nem um; o Chega alcance o seu vereador, ainda que não mantenha uma votação com dois dígitos; e que a IL, com a criatividade da sua agência de comunicação, obtenha um mandato. Feitas as contas, PS e CDU totalizam 8 mandatos e PSD-CDS e Chega outros 8, ficando de fora o mandato da IL. A minha questão é: num cenário destes, onde se irá posicionar o vereador da IL? Mais, para que servirá um vereador da IL na gestão municipal?

A pulverização dos votos em eleições locais não tem o mesmo efeito que nas eleições legislativas, claramente porque o governo de uma cidade pretende-se que seja muito mais célere e eficaz, traduzindo-se em aprovações semanais de propostas que, com este quadro, prejudicam o seu normal funcionamento, obrigando ao desvirtuamento da visão para a cidade, que sairá vencedora das eleições. Não tardará que a cidade se torne numa manta de retalhos, com cada uma das forças políticas a querer o seu protagonismo e quinhão e o PS a negociar tudo e mais alguma coisa, à semelhança do que tem feito no governo.

Será que votar na IL é o mesmo que votar em Fernando Medina? Eis uma questão a ter em conta até ao dia 26 de setembro.

 

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