Jornais. Entre o futebol e a cerveja a diferença é curta… ou nenhuma (sem esquecer os escoceses)

Jornais. Entre o futebol e a cerveja a diferença é curta… ou nenhuma (sem esquecer os escoceses)


Bem podem os cientistas querer discutir os custos que tudo isto terá para o covid. O negócio da bebida vai de vento em poupa – 70 milhões de “pints” de cerveja consumidos durante o Inglaterra-Dinamarca. 66 mil pessoas juntas num espetáculo como há muito não se via.


LONDRES – Os velhos cumprimentos caíram em desuso. Já ninguém acena dizendo “Good morning” ou “Hi, mate!” Os ingleses cruzam-se uns com os outros de sorriso aberto de orelha a orelha e soltam simplesmente: “It’s comin’ home!” Ao que o outro responde: “Yes, it’s comin’”.

Falam do futebol, é claro. “Footbal is comin’ home”, a canção que serviu de hino ao Europeu de 1996 e é, agora, uma espécie de hino da selecção inglesa, vá ela para onde vá, sonhando com o dia de voltar, novamente, a ganhar uma grande competição que não deixe sozinha, na sede da The Football Association a Jules Rimet conquistada em 1966.

As primeiras páginas dos jornais explodiram num berro imenso de manchetes incensando a proeza da sua equipa dos Três Leões: “Probably the Best Feeling in the World”, urrou o Sun. E se, na véspera, se atrevera – o Sun atreve-se a tudo e mais um par de botas – a titular “Bring Home the Bacon, Lads!”, desta vez ficou-se por algo com menos carne de porco, não fugindo, como raramente faz, ao trocadilho de “This is the Beautiful South”, aproveitando o diminutivo de Southgate para o trocar por sul.

O bem mais conspícuo The Times, limita-se a um insípido “England Make History”, acrescentando lá dentro, pela pena tranquila de Andrew Ellson que este é um momento de “esperança para uma nação que passou um ano a duvidar da própria fé”. Mas não esquece os escoceses e gasta um artigo a embirrar com o facto de a maioria dos adeptos das terras do norte afirmar publicamente que apoiam “anyone but England”. Entrevistando demoradamente um tal de Molly Black, de 20 anos, registam-lhe as frases amargas: “Eu estava a favor da Dinamarca porque odeio ingleses. Essa coisa do ‘comin’ home’ é ridícula porque pensam sempre que vão ganhar todas as competições e, como se viu, não ganham nenhuma”. Dominic Hawthorne, de 52 anos, explica-se: “ A Inglaterra é sempre tratada pela imprensa como se representasse toda a Grã Bretanha. Por isso entendo a frustração dos escoceses. Se eles nunca estão a nosso favor, por que havemos nós de os apoiar”. A ferida continua aberta.

“Home!” É a palavra mais usada nos últimos tempos. É difícil passar cinco minutos sem que brote de alguma boca arreganhada: “Home!” Com a sua habitual prosápia, os ingleses não se vêem somente como os representantes de toda a Grã-Bretanha; veem-se como donos do futebol, cujas regras publicaram com pompa e circunstância no longínquo ano de 1876, na Massasoit Convention. O futebol está de volta a casa e ponto final. Para eles, claro. Por isso, o Daily Mail não tem dúvidas: “It Really is Coming Home!”, embora ainda haja uma final para jogar.

O The Guardian, também pouco dado às palhaçadas dos outros tabloides – na verdade hoje todos os jornais são tabloides, passando tabloide a ser um adjetivo pejorativo para um certo tipo de jornalismo que, infelizmente, por aí vamos conhecendo cada vez melhor – limita-se a um seco: “England’s Dreaming – Now Final Awaits for First Time Since ‘66”. Talvez não esquecendo que, até hoje, em 15 edições da competição, só a Espanha (em 1964), a Itália (em 1968) e a França (em 1984) conseguiram ganhar em casa, e que as finais de 2004 e de 2016 ainda estão bem frescas na memória coletiva.

O Metro, essa espécie de periódico universal, que nos é oferecido nas estações do “underground” e de comboios, prefere preocupar-se com os litros de cerveja que são consumidos durante cada jogo. Os números têm variado, até porque as televisões estão atentas ao fenómeno e não perdem tempo em fazer as suas próprias estatísticas. Dizem uns que durante o Inglaterra-Dinamarca se consumiram 70 milhões de “pints” (a “pint” é o nosso antigo quartilho, algo como 0,665L), com os bares e “pubs” a atingirem os 30 milhões. Observo atentamente a “pint” de Guinness que tenho na minha frente e ainda só vai a meio enquanto escrevo estas linhas e tenho dificuldade a imaginar 70 milhões de copos iguais a estes postos em fila na Oxfrod Street. “Beer We Go!”, avança o novo calembur. Bem podem os cientistas britânicos preocupar-se com o fim do confinamento já aventado pelo Primeiro-Ministro Boris Johnson. Era vê-lo, em Wembley, onde terão estado 66 mil pessoas na quarta-feira, ao lado da mulher, Carrie, com uma camisola com três leões ao peito e pensar que foi o espetáculo que mais gente suportou desde o início da pandemia no Reino Unido para perceber que tinha mais em que pensar.