Inglaterra-Itália. Talvez os Três Leões tenham de piar fininho…

Inglaterra-Itália. Talvez os Três Leões tenham de piar fininho…


A Inglaterra voltou a ser a Merry Old England. É com sorrisos na cara que os londrinos esperam pela final de domingo.


LONDRES – Felizardo, eu. O verão este ano, em Londres, calhou na quarta-feira e pude dar largas durante uns bons vinte minutos ao meu heliotropismo. Felizardos, todos, no geral, porque a final de domingo, em Wembley, promete, pondo frente a frente a Inglaterra dos Três Leões e uma Itália desempoeirada como poucas, sempre de olhos postos na baliza do adversário e com capacidade para fazer golos a qualquer momento. Não é de esperar, claro, que os ingleses se atirem sobre os italianos como gato a bofe, aliás como o fizeram durante bastante tempo da segunda parte e no prolongamento do jogo frente à Dinamarca. Nesse aspeto, aposto aqui, singelo contra dobrado, como nos filmes do Tom Mix, que vão ter de piar baixinho, até porque a sua defesa, muito ao estilo abana-pinheiros, com Harry Maguire, o preferido dos “supporters”, n.º 6, a ser um bom exemplo disso. Já agora, um parêntesis – tradicionais como no tempo de Ricardo I, O Coração de Leão , a selecção de Inglaterra continua a atribuir o n.º 6 ao seu central mais carismático. E quem pode ser mais carismático do que alguém que tem uma cançoneta em sua honra que vai assim: “Harry Maguire!/Harry Maguire!/He drinks the vodka/He drinks the Jäger/His head’s fucking massive!” É de ter medo. E de dizer: “Alto lá antes que se escame o gajo!” Bastou vê-lo a gritar com os companheiros na meia-final de anteontem, a maneira como se impunha, empurrando a equipa para a frente, para se perceber que é um líder e que os outros aceitam a sua tresloucada liderança.

Por outro lado, a meia-final que vimos, igualmente, num estádio que, a acreditar nos números, chegou aos 60 mil espetadores presentes, entre Itália e Espanha, revelou algumas fraquezas italianas que ainda não tínhamos observado até ao momento. Algo de perfeitamente natural se tivermos em conta que a velha Fúria, hoje em dia amansada pelo passa e repassa que foram buscar ao futebol holandês e refinaram até à protérvia, foi certamente o adversário mais forte com que se bateram. Em muitas fases do jogo, a Espanha foi melhor. E só não o demonstrou cabalmente porque Luis Enrique exagerou no tempo em que manteve a sua equipa em campo sem um autêntico ponta-de-lança, daqueles de provocarem aneurismas aos centrais adversários. Com Morata, o infeliz e amaldiçoado Morata, insultado por toda a Espanha e que, com os golos, fizera as pazes com o público, acabou por falhar o penalti decisivo, a Itália abanou e adornou como uma gôndola veneziana. É também verdade que o avançado-centro inglês, Harry Kane, não é de se oferecer às marcações, e prefere deambular um pouco por toda a parte, parecendo um garoto feliz a apanhar papoilas num campo de gipsofila. Mas há sempre Sterling que, surgindo na direita, sobretudo, mas também às vezes na esquerda, toma o lugar deixado pelo seu companheiro na fase de concretização, tal como aconteceu por duas vezes quase consecutivas frente à Dinamarca, quase marcando a passe de Saka não tivesse Kjäer esticado a perna e metido a bola na baliza em vez dele.

Domingo solene. Será um domingo solene na Catedral de Wembley, como os ingleses gostam de a chamar.

“Thirty years of hurt/Never stopped me dreaming/So many jokes, so many sneers/But all those oh-so-nears”, diz a canção que se ouve por toda a parte. Mas aos trinta anos de sofrimento, somaram-se mais vinte cinco. Depois de 1966, a Inglaterra atingiu quatro meias finais de grandes competições e, pela primeira vez, ultrapassou essa maldição e chegou, alegremente, à sua final. Wembley vomitou magotes de gente (com licença do Jorge Palma) para as ruas de Londres, camisolas da Inglaterra dos anos-60, 70, 80 e 90, homens e mulheres de todas as idades, rapazes embriagados por todas as bebidas, grupos que se juntaram em Marylebone e Hyde Park em frente de ecrãs gigantes ou simplesmente em pubs que tiveram autorização para fechar mais tarde, mesmo que tivessem de esperar por prolongamento e grandes penalidades.

É num pub que escrevo. Talvez almoce uma Guinness e beba uma lager para acompanhar a refeição. Carruagens de metropolitano e de comboios e autocarros apinhados retardaram-me a chegada a casa na noite em que a Inglaterra voltou a ser a Merry Old England, essa visão utópica de uma terra bucólica habitada por criaturas alegres e que ainda vivia a onda dos pecados católicos que são esvaziados pela confissão, antes de cair na opressão diária e controlada do protestantismo vitoriano. Pelo menos, durante a madrugada de quarta-feira, pecaram à sua vontade. E foi muita.