O dia em que Kafka foi nadar


Tinha saudades de Londres, provavelmente a cidade que melhor conheço neste velho continente cada vez mais velho. Mas não desta Londres do medo, cidade que desafiou, sem medo, os ataques dos Messerschmidt alemães. Quero a minha tranquilidade de volta, eu que odeio ser policiado.


LONDRES – Ando de quarentena em quarentena sem estar, na verdade, fechado em lado algum. Isto é, em princípio só me deixaram entrar na Alemanha e no Reino Unido graças a uma carta de isenção passada pela UEFA, mas que só me dá autorização para deslocar até aos estádios, ficando depois obrigado a regressar ao meu lugar de poiso.

Em Munique num hotel, em Londres em casa do meu irmão indiano, Michael Fernandes, natural de Colva, Goa, que resolveu vir trabalhar uns anos para Inglaterra de forma a abrir portas aos seus dois filhos, o Aidan e a Abeni (minha tão linda afilhada) para um dia cá ficarem para sempre, se for essa a sua vontade.

Os tempos, na Índia, estão complicados como nunca. Pessoas morrem com a berma do passeio a servir de almofada. Índia: meu pai, minha mãe, minha primeira grande verdade, como escreveu Salman Rushdie em O Chão que Ela Pisa. Há dois anos que não vou a esse meu lugar mágico, espécie de Terra do Nunca de um Peter Pan, o rapazinho que se recusa a crescer.

Lá, junto ao mar quente e debaixo do céu estrelado das madrugadas, também fico para sempre um rapaz que come e bebe a toda a hora sem saber o que faz, como nos ensinou Torga no poema virtiginoso do comboio. A Europa tornou-se um mundo de papéis e documentos. Que não te falte um carimbo! A falta do carimbo deixa-te em terra num aeroporto qualquer e manda-te regressar a casa onde te espera o encerramento das quarentenas.

Tinha saudades de Londres, provavelmente a cidade que melhor conheço neste velho continente cada vez mais velho. Mas não desta Londres do medo, cidade que desafiou, sem medo, os ataques dos Messerschmidt alemães. Quero a minha tranquilidade de volta, eu que odeio ser policiado. Queria, como o Kafka, poder ter o sossego de escrever no meu diário aquilo que ele escreveu no dele no dia 2 de Agosto de 1914: “A Alemanha declarou guerra à Rússia. Vou nadar à tarde”.


O dia em que Kafka foi nadar


Tinha saudades de Londres, provavelmente a cidade que melhor conheço neste velho continente cada vez mais velho. Mas não desta Londres do medo, cidade que desafiou, sem medo, os ataques dos Messerschmidt alemães. Quero a minha tranquilidade de volta, eu que odeio ser policiado.


LONDRES – Ando de quarentena em quarentena sem estar, na verdade, fechado em lado algum. Isto é, em princípio só me deixaram entrar na Alemanha e no Reino Unido graças a uma carta de isenção passada pela UEFA, mas que só me dá autorização para deslocar até aos estádios, ficando depois obrigado a regressar ao meu lugar de poiso.

Em Munique num hotel, em Londres em casa do meu irmão indiano, Michael Fernandes, natural de Colva, Goa, que resolveu vir trabalhar uns anos para Inglaterra de forma a abrir portas aos seus dois filhos, o Aidan e a Abeni (minha tão linda afilhada) para um dia cá ficarem para sempre, se for essa a sua vontade.

Os tempos, na Índia, estão complicados como nunca. Pessoas morrem com a berma do passeio a servir de almofada. Índia: meu pai, minha mãe, minha primeira grande verdade, como escreveu Salman Rushdie em O Chão que Ela Pisa. Há dois anos que não vou a esse meu lugar mágico, espécie de Terra do Nunca de um Peter Pan, o rapazinho que se recusa a crescer.

Lá, junto ao mar quente e debaixo do céu estrelado das madrugadas, também fico para sempre um rapaz que come e bebe a toda a hora sem saber o que faz, como nos ensinou Torga no poema virtiginoso do comboio. A Europa tornou-se um mundo de papéis e documentos. Que não te falte um carimbo! A falta do carimbo deixa-te em terra num aeroporto qualquer e manda-te regressar a casa onde te espera o encerramento das quarentenas.

Tinha saudades de Londres, provavelmente a cidade que melhor conheço neste velho continente cada vez mais velho. Mas não desta Londres do medo, cidade que desafiou, sem medo, os ataques dos Messerschmidt alemães. Quero a minha tranquilidade de volta, eu que odeio ser policiado. Queria, como o Kafka, poder ter o sossego de escrever no meu diário aquilo que ele escreveu no dele no dia 2 de Agosto de 1914: “A Alemanha declarou guerra à Rússia. Vou nadar à tarde”.