Aborrecer alemães até à morte


No Europeu de 1996, o primeiro no qual trabalhei, fui a Wembley ver todos os jogos da Inglaterra até àquela maldita meia-final frente à Alemanha. Verdadeiramente, a rivalidade anglo-germânica nasceu com a II Grande Guerra.


SEVILHA – Sempre gostei de ver jogos em que participe a seleção inglesa, a equipa dos três leões na camisola, os leões definitivamente imposto no escudo britânico por Ricardo III mas que já vinham do tempo dos Plantagenetas, franceses de sangue que governaram a Grande Ilha até 1485, quando a rivalidade entre dois dos ramos da família, os York e os Lencaster, deu lugar à Guerra das Rosas. Rara foi a grande competição em que, mal tivesse a oportunidade, corria com a alegria de um garoto a apanhar papoilas num campo de gipsofila para me sentar na bancada de imprensa. No Europeu de 1996, o primeiro no qual trabalhei, fui a Wembley ver todos os jogos da Inglaterra até àquela maldita meia-final frente à Alemanha. Verdadeiramente, a rivalidade anglo-germânica nasceu com a II Grande Guerra. Na I eram todos parentes: Jorge V era primo direito do kaiser Guilherme II, tal como também era do czar Nicolau II, o que fazia que não valesse muito a Rudyard Kipling andasse por aí a gritar ao sete ventos – “For all we have and are/For all our children’s fate/Stand up and take the war/

The Hun is at the gate!”

Já Noël Coward, dramaturgo, tinha mais jeito para a pilhéria do que o dramalhão em catorze atos. Com o advento da II Grande Guerra, Coward, cujo apelido era, no mínimo, inconveniente num campo de batalha, tornou-se um membro do MI6, o Secret Intelligence Service, e chegou à conclusão: “Se a política do Governo de Sua Majestade é a de aborrecer os alemães até à morte, acho que não vamos ter tempo para isso”. É provável que o seu corrosivo sentido de humor tenha irritado os alemães pois, para lá do final da guerra, foi encontrado um Livro Negro no qual estavam registados todas as figuras públicas que seriam condenadas à morte no dia em que os nazis invadissem a Grande Ilha e o nome de Noël Coward constava dele. Quando tal lista foi tornada pública, Rebecca West, a escritora e jornalista que cobriu o julgamento de Nuremberga para o The New Yorker, que também constava dela, enviou-lhe um telegrama de profundo e desgostoso snobismo:

– My Dear, the people we have been seen dead with! Sinal de que, para os ingleses, nem a morte nos deve obrigar a confraternizar com gente que não seja, decididamente, da nossa extração social.


Aborrecer alemães até à morte


No Europeu de 1996, o primeiro no qual trabalhei, fui a Wembley ver todos os jogos da Inglaterra até àquela maldita meia-final frente à Alemanha. Verdadeiramente, a rivalidade anglo-germânica nasceu com a II Grande Guerra.


SEVILHA – Sempre gostei de ver jogos em que participe a seleção inglesa, a equipa dos três leões na camisola, os leões definitivamente imposto no escudo britânico por Ricardo III mas que já vinham do tempo dos Plantagenetas, franceses de sangue que governaram a Grande Ilha até 1485, quando a rivalidade entre dois dos ramos da família, os York e os Lencaster, deu lugar à Guerra das Rosas. Rara foi a grande competição em que, mal tivesse a oportunidade, corria com a alegria de um garoto a apanhar papoilas num campo de gipsofila para me sentar na bancada de imprensa. No Europeu de 1996, o primeiro no qual trabalhei, fui a Wembley ver todos os jogos da Inglaterra até àquela maldita meia-final frente à Alemanha. Verdadeiramente, a rivalidade anglo-germânica nasceu com a II Grande Guerra. Na I eram todos parentes: Jorge V era primo direito do kaiser Guilherme II, tal como também era do czar Nicolau II, o que fazia que não valesse muito a Rudyard Kipling andasse por aí a gritar ao sete ventos – “For all we have and are/For all our children’s fate/Stand up and take the war/

The Hun is at the gate!”

Já Noël Coward, dramaturgo, tinha mais jeito para a pilhéria do que o dramalhão em catorze atos. Com o advento da II Grande Guerra, Coward, cujo apelido era, no mínimo, inconveniente num campo de batalha, tornou-se um membro do MI6, o Secret Intelligence Service, e chegou à conclusão: “Se a política do Governo de Sua Majestade é a de aborrecer os alemães até à morte, acho que não vamos ter tempo para isso”. É provável que o seu corrosivo sentido de humor tenha irritado os alemães pois, para lá do final da guerra, foi encontrado um Livro Negro no qual estavam registados todas as figuras públicas que seriam condenadas à morte no dia em que os nazis invadissem a Grande Ilha e o nome de Noël Coward constava dele. Quando tal lista foi tornada pública, Rebecca West, a escritora e jornalista que cobriu o julgamento de Nuremberga para o The New Yorker, que também constava dela, enviou-lhe um telegrama de profundo e desgostoso snobismo:

– My Dear, the people we have been seen dead with! Sinal de que, para os ingleses, nem a morte nos deve obrigar a confraternizar com gente que não seja, decididamente, da nossa extração social.