Em Março de 2019 o mandato de Jens Stoltenberg como Secretário-Geral (SG)da NATO foi prorrogado por dois anos para poupar a Donald Trump a tentação de nomear um qualquer bizarro personagem controlado pelos serviços de informação russos. A escolha do SG é feita por consenso, método tradicional nas organizações internacionais respeitáveis, o que poupa os escolhidos ao odioso das votações. Na NATO o SG tem sido sempre um nacional de um Estado europeu cuja escolha não mereça reparo aos EUA. No caso de Stoltenberg a aceitação por Obama foi promovida por Merkel, seguindo-se a aceitação por parte dos restantes Aliados. Já o cargo de Comandante Supremo Aliado na Europa (SACEUR), título decalcado do usado por Eisenhower a partir de 1943, tem sido sempre atribuído a um militar dos EUA. Como a correlação de forças na NATO perdura também esta divisão do trabalho será mantida.
O cargo de SG, vago a partir de 30 de setembro de 2022, estaria prometido por Boris Johnson a David Cameron a título de fee pela convocação do referendo do Brexit. Cameron teve a descortesia de ser apanhado em várias actividades de lobbying agressivo de membros do Governo Johnson, o que inviabiliza a candidatura a SG. Pelo Reino Unido rapidamente surgiu uma auto-candidatura de Mark Sedwill o ex Cabinet Secretary que se demitiu em setembro de 2020 depois de várias zaragatas com o team Boris. Na semana passada o Secretário da Defesa, Ben Wallace, decidiu, numa entrevista a um jornal italiano, louvar Theresa May como candidata a SG NATO. No mundo do comentariado britânico algumas almas desapiedadas apressaram-se a constatar que Wallace é um candidato natural ao cargo. Outras almas, igualmente desapiedadas e ao que parece próximas de Cameron, colocaram também nesta categoria William Hague, ex-líder dos Tories e Ministro dos Negócios Estrangeiros no Primeiro Governo Cameron. O crescente acotovelar de candidatos não assumidos (com a excepção de Sedwill) parece querer dizer que muita gente em Londres considera que o próximo SG deverá ser um nacional do Reino Unido, procurando retomar, por via da NATO, algum protagonismo no plano internacional, perdido depois do Brexit.
Boris Johnson não desdenhará ter um nacional como SG e nenhum dos já candidatos é uma ameaça à sua continuidade como PM. L’air du temps daria vantagem a Theresa May, não só por ter sido PM (um requisito preenchido pelos SG’s desde 2009, quer com Rasmussen quer com Stoltenberg) mas sobretudo porque seria a primeira SG.
Resta saber se a Administração Biden estará inclinada a ter um SG mais belicoso e com uma agenda definida pelos dois ódios de estimação de Londres: Rússia e China. O comunicado da Cimeira da NATO do passado dia 14 de Junho pode servir de indicação quanto aos augúrios resultantes da leitura das entranhas de Washington. Nos 79 parágrafos há 19 dedicados à Rússia sob o mote “Russia’s aggressive actions constitute a threat to Euro-Atlantic security”. Esta prolixidade contrasta com o conteúdo de comunicados de anteriores Cimeiras.
Também a abordagem à China é em si uma novidade, ainda que limitada a 3 parágrafos e num registo condicional: “China’s growing influence and international policies can present challenges that we need to address together as an Alliance.”
Um leitura saudável do comunicado permite constatar que os EUA consideram que o ganha pão da NATO, agora que concluiu a triste aventura afegã, será assegurado pela Rússia. E Washington pretende tratar bilateralmente da questão chinesa, não considerando que a mesma possa ser objecto de outsourcing e certamente não com recurso à NATO.
Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990