Portugal – França. O galo assassino também já foi servido de cabidela

Portugal – França. O galo assassino também já foi servido de cabidela


O primeiro Portugal-França foi em 1926. Perdemos por 2-4 e os franceses eram comparados com Andorra, classificando-se a derrota como a pior da nossa história até então.


França, um dos nossos grande assassinos! Um galo venenoso contra cuja maldição o nosso galo de Barcelos não tem como contrariar. O de hoje, aqui em Budapeste, no Ferenc Puskás, será o 28º confronto entre as duas selecções, e a vantagem gaulesa é absolutamente indiscutível: 19 vitórias, dois empates e seis derrotas. Pode dizer-se que estamos perante um clássico, se usarmos a definição de clássico de Ezra Pound: “Aquilo que possui uma frescura eterna”. Uma frescura tão eterna que, há cinco anos, se transformou na final do Campeonato da Europa do nosso contentamento com a vitória por 1-0 em Saint-Denis, no Estádio de França. A alegria lusitana espalhou-se pelas ruas de Paris, avenidas e boulevards, tomou conta dos Campos Elísios, e o galo venenoso teve de se contentar em não ir além do panelão da cabidela.

Teima o futebol a fazer com que Portugal e França se defrontem em jogos de supina importância nas fases finais de Europeus e Mundiais. Além da final de 2016, tivemos a meia-final do Euro de 1984 (3-2 para a França, após prolongamento); a meia-final do Euro de 2000 (2-1 para a França com golo de ouro); e a meia final do Mundial de 2006 (1-0 para a França). Junte-se-lhes os recentes 0-0 em Paris e 0-1 em Lisboa, para a Liga das Nações, e aí temos a lista de todos os confrontos oficiais entre ambos. Na sua maioria, trataram-se de jogos particulares, o primeiro datado de 18 de Abril de 1926, o que já lhes atribui a bonita idade de 95 anos.

A derrota ofensiva! Diga-se, por curiosidade, que o primeiro de todos estes em bates, o de 1926, foi muito mal digerido pela imprensa nacional. Num texto publicado por Cândido de Oliveira, a sua exaltação brotava totalmente da incapacidade de aceitar a derrota portuguesa por 2-4. Repare-se: “O resultado do encontro não é de molde a podermos, como tantas vezes, como quase sempre que as nossas equipas são batidas, dissimular o seu significado com a afirmação de que vencemos… moralmente. Num jogo com a França, que para o ‘foot-ball’ é um pouco como a República de Andorra para a política mundial, o resultado de 2-4, com esta concludente de ter estado 1-4 no marcador, não pode, ao menos, para os portugueses, constituir uma vitória moral – porque é, de todos os nossos os nossos jogos internacionais, pela categoria do adversário, o mais desastroso”.

Veja-se bem como era o futebol francês considerado nesse tempo, agora à distância e enquanto a França se tornou uma das grandes potências mundiais. “Ça va pas changer le monde/Ça va pas le déranger/Il est comme avant, le monde/C’est toi seule qui as changé”, cantava o Joe Dassin. A despeito da contrariedade dos nossos cronistas, é evidente que a derrota pesada de Lisboa não iria mudar o mundo. Mas cavava, desde logo, a terrível diferença entre os resultados dos jogos entre ambos. “Deste fracasso do jogo com os franceses devemos tirar as nossas lições!”, alertava mestre Cândido.

Foi com uma alegria espampanante que a imprensa encheu as suas primeira páginas, no dia 16 de Março do ano seguinte, quando ao recebermos de novo a selecção gaulesa, arrancámos uma goleada sem apelo nem agravo, vencendo por 4-0. A vitória ganha foros de acontecimento nacional e serve, pelo menos durante algum tempo, para voltar a colocar tudo no seu devido lugar: somos muito melhores do que os franceses, o resultado autêntico é o de 4-0 e o 2-4 do ano anterior não pode ter passado de um estúpido acidente de percurso.

Apesar da chuva grossa que caiu sobre Lisboa, milhares caminharam até ao Campo Grande para assistir ao desafio. Pepe, o menino bonito do Belenenses e José Manuel Martins, do Sporting, apontam dois golos cada um, o primeiro durante a primeira parte, o segundo no segundo tempo.

Até 1930, portugueses e franceses continuarão a disputar a sua partida anual. A República de Andorra de que falava Cândido de Oliveira, glosando o Eça de Queiroz e a República que nunca existiu, passou a ser vista pelos portugueses com novos olhos. Em 1928, um empate (1-1), em 1929, uma derrota (0-2), em 1930, uma vitória (2-0). As disputas ficavam marcadas pelo equilíbrio até 1947 – seguiu-se um rol de seis vitórias consecutivas da França que só tiveram fim em 1959. Mas haveria pior: de 1978 até à final de Saint-Denis, Portugal sofreu nada menos de dez derrotas seguidas, o que nos dá uma visão ainda mais importante do que sucedeu na final desse Campeonato da Europa. O galo cantou sempre alto e orgulhoso frente aos portugueses. Ei-lo de novo de crista erguida, decidido a criar-nos problemas…