MUNIQUE – A cidade acordou sob um ambiente abafado como se estivesse embrulhada num cobertor de papa, daqueles que se tiravam, no Inverno, dos baús de casa dos avós. Falta ainda muito tempo para o jogo, decido caminhar a pé uns pares de quilómetros, um calor bruto embaraça-me a passada, grossas teias de aranha enrodilham-se-me nos calcanhares e nos joelhos. Com a restrição imposta pelos alemães, enquanto lá em Budapeste, Hungria e França se batem num estádio cheio, a Arena de Munique não poderá suportar mais de 20% da sua lotação. É triste por completo ver um estádio tão grande quase vazio. Mas, aqui na Alemanha, a maldição do século XXI é quem mais ordena e nem os transportes públicos aceitam as pobres máscaras que andamos há meses e meses a comprar nas farmácias e supermercados e somos obrigados a utilizar as NQX validadas pela comissão de segurança da Comunidade Europeia.
As ruas não exibem a imagem de que os minutos escorrem pela ampulheta do tempo até ao início do grande jogo das seis horas da tarde. Aceitemos a nova ordem do mundo. Cada um como pode, como sabe ou como quer.
Aceitemos que para muitos ainda não é tempo para demandar os espetáculos desportivos, a ponto de estar aberta uma fissura entre a UEFA e o Governo britânico que, neste momento, quer obrigar todos os que se deslocarem até à Grande Ilha para lá da Mancha a uma quarentena preventiva. Como é lógico, isso poria em causa a viabilidade de as meias-finais e a finais deste Europeu se realizarem, tal como estão marcadas, no Estádio de Wembley. E, embora não o conforme, a UEFA tem, para já, em aberto a possibilidade de transferir para o Ferenc Puskás os três jogos em questão. Os dias que se seguem prometem discussões infinitas e debates acesos.
Tão amarelo Os habitantes de Munique distrair-se-ão, agora que a tarde vai caindo e o calor se torna mais suportável com ajuda de uma brisa suave, no Englisher Park, nos relvados extenso que bordejam a margem direita do Rio Isar, local preferido para aqueles que fazem de conta que se estendem numa praia, muitos praticando nudismo sem qualquer tipo de acanhamento.
Portugueses há poucos por muito ruidosos que pretendem ser e, a Arena, com os seus tetos arredondados, tapando praticamente as bancadas por inteiro, garantem uma acústica que engana os ouvidos. Dir-se-iam milhares quando ainda não passam de centenas. Mas vão entrando a pouco e pouco, que a tarde pede uma cervejinha antes de se entregarem por completamente à ansiedade de mais um confronto com um daqueles monstros que nos custa mais a ultrapassar do que o Adamastor por Bartolomeu Dias.
As cadeiras que enchem a parte norte do estádio foram forradas de preto, vermelho e amarelo, copiando um gigantesca bandeira germânica, mas é o amarelo da linha inferior que desperta mais o olhar de quem o faz rodar em volta deste retângulo imenso, arredondado nas pontas. O público alemão urra como se comandasse um batalhão de hunos em busca de vítimas indefesas. E têm vítimas indefesas mesmo à sua frente, quando Portugal resolve voltar à sua submissão, a esse estranho medo que nos encolhe e que o golo de Ronaldo parecia demonstrar cabalmente que não havia razão para existir.
Depois de a Alemanha ter dado a volta ao resultado, os gritos guerreiros ganharam um tom alegre de quem sente a vitória presa na mão como um pássaro aflito e indefeso. Todos fazem do seu estádio um lugar de festa. Ou uma arena, como ele próprio se chama, onde será degolada a vítima inocente que, ainda por cima, teve o atrevimento de ferir ao primeiro golpe. A tarde fervente de Munique limpou a cara da Mannshaft que se sujara na derrota com a França. Nos jardins da capital da Baviera, os que não foram ao estádio, alegraram-se em redor de garrafas de cerveja. A noite de sábado prometia ser animada. Mais uma vez souberam ser muito melhores do que os portugueses, cujas estrelas se apagaram em silêncio.