BUDAPESTE – De repente a notícia bruta, irreversível, atinge-nos com a violência de uma avalanche. E recordamos a velha frase de Charles Dickens, em Nicholas Nickleby: “O sofrimento é a promessa que a vida cumpre sempre!”. Onde guardar a dor quando ela nos transborda? Não, não acreditem que a tristeza se divide só porque temos em redor amigos que querem reparti-la connosco. Dá-se precisamente o contrário: multiplica-se. Espalha-se em redor como um cancro.
Sobretudo quando percebemos que a dor dos outros pode ser a nossa dor. Conheço o Joaquim Rita há mais de trinta anos. Eu era ainda um jornalista ansioso quando ele me chamou lá ao n.º 23 da Travessa da Queimada onde subi as escadas de madeira desenvernizada, em curva, para, no segundo andar, o seu muito querido amigo e chefe, Vítor Santos, me abrir as páginas que tinham, no topo, as cinco letras mágicas: A Bola. Ou aquilo que ele gostava de chamar Loja de Sapateiro.
Criámos uma amizade embrulhada em respeito e assente no vício pelo trabalho que nunca precisou de muitas palavras. E é isso que não tenho agora: palavras. A seguir ao Vítor Santos, ele foi chefe. O melhor Chefe de Redacção que conheci na melhor Redacção que podia existir em Portugal. O tempo passou e ele, mesmo noutro lugar, noutro tempo, continua a ser carinhosamente O Chefe.
Agora, não sei como ajudá-lo a carregar ao colo, pelo resto da vida fora, um filho morto. Uma profunda desilusão esbarra contra a impotência. A impotência de um amigo sem nada para dizer, fechado que estou num silêncio insuportável. Queria, que lá do lugar onde mora, viesse o Deus em que ele acredita, e eu não, dar-lhe um abraço que tomasse o lugar das frases que ficam por dizer. Queria que esse mesmo Deus, que era o Deus de Nemésio se calasse por um momento, para que o Rita, o meu Chefe, lhe pudesse dizer com a coragem do costume: “A Tua vontade se faça, a minha não”.