Abrira-se uma Comissão de Inquérito, como é comum em casos como este. A Direcção Nacional de Aeronáutica Civil queria saber todos os pormenores do acidente bruto que acontecera a pouco mais de uma milha de distância da Fonte da Telha e envolvera um Douglas DC-8 Fridtjof Nansen (PH-DCL) da empresa Viasa, quatro minutos após ter levantado voo do aeroporto da Portela, A rota, denominada Voo VIASA 897, já tivera início em Roma e escalara Madrid antes de Lisboa. Seguir-se-ia Santa Maria, nos Açores, e daí até Caracas, Venezuela. No dia 30 de Maio a desgraça acontecera. A aeronave descolara da pista 23 da Portela à 1h15. Transportava 47 passageiros e 14 tripulantes. Três minutos decorridos, o piloto informou a torre de controlo de um tecto de nuvens a 3700 pés e uma chuva intensa. Depois, o silêncio.
O avião entrou num mergulho em espiral de 90o, perdeu a sustentação, o piloto ainda tentou corrigir a trajectória mas o destino estava traçado. No dia 15 de Junho, o fundo do mar já revelava abertamente os seus segredos. Destroços e restos humanos tinham ficado imediatamente espalhados pela praia da Fonte da Telha num raio de vários quilómetros. Coisas que as ondas se recusavam a engolir. O comandante Guerreiro Figueira, acolitado pelos engenheiros Videira e Delgado, tinham-se deitado, desde logo, ao estudo dos prováveis acontecimentos. Receberam, como seria de esperar, o concurso de técnicos holandeses, mas não só: dois peritos americanos também se deslocaram a Portugal para colaborar nas investigações – Allan Halman e Coe Anderson. Os serviços do Instituto de Medicina Legal, da Polícia Científica da Armada e da Administração Geral do Porto de Lisboa também entraram nas perícias. Foi precisamente esta última que ficou encarregue da recolha de destroços no local do acidente. O tempo e a ondulação já tinham prejudicado muito o trabalho intenso e colectivo, visto que se buscava detectar a posição concreta em que ficara o aparelho. Logo nos primeiros dias que se seguiram à tragédia, a traineira Senhora da Atalaia recolhera vários pedaços de metal pertencentes à fuselagem do avião. Homens-rã desceram ao fundo e fotografaram pacientemente os destroços que ficaram à vista. Nesse 15 de Junho transmitiram a informação que haviam recuperado dois cadáveres em decomposição, mas inteiros. Cabos foram lançados para puxar para barcaças, por meio de uma cábrea, os blocos maiores do aeroplano. Havia a absoluta convicção que mais cadáveres seriam trazidos à superfície durantes as horas seguintes. O trabalho era macabro. Mas praticado por gente que não sabia conjugar o verbo desistir.
Os restos mortais de um homem com farda da companhia de aviação agarrados ao corpo e estilhaços de metal encravados na massa de carne a desfazer-se surgiu entrelaçado por fios eléctricos como uma estranha alga sem sentido. Outro corpo, esse de mulher, surgiu igualmente cravado de pedaços de metal mas sem a cabeça. Procuravam-se cadáveres com mãos e dedos que permitissem encontrar impressões digitais. O dr. Arsénio Nunes, director do Instituto de Medicina Legal, e a sua equipa não tinham minutos que pudessem ser desperdiçados. Os jornalistas iam, aqui e ali, trazendo novidades para as páginas dos seus jornais, o mar da Fonte da Telha, esse mar de diversão e entretenimento, transformara-se num cemitério. No final das operações de resgate só foram identificados quinze corpos. Tudo apontava para a existência de uma explosão antes da queda, mas não havia maneira de o declarar oficialmente. A tragédia da Fonte da Telha só seria encerrada no dia 1 de Março de 1963, quase dois anos mais tarde, de tal forma foi complicada a investigação. Uma declaração insípida fechou o caso: “Não obstante a investigação minuciosa e prolongada em que colaboraram muitas autoridades e grande número de especialistas, foi impossível determinar a causa provável do acidente”.