8 de junho de 1963. As mãos largas da rainha e o 40.º chumbo de miss Hunter

8 de junho de 1963. As mãos largas da rainha e o 40.º chumbo de miss Hunter


Com o Reino Unido envolto no escândalo do Caso Profumo, a Rainha Isabel exagerava na atribuição de medalhas do império e em títulos de Sir. Desde palhaços a faroleiros, com pugilistas e bailarinas…


A Inglaterra andava num sino. Ou num circo. Bem, tanto faz, escolham vocês. O Caso Profumo estava ainda na agenda do dia-a-dia: John Profumo, antigo ministro da Guerra, decidira tomar como amante a belíssima Christine Keeler, uma moça de Mayfair, que, por seu lado, também repartia as doçuras do leito com o adido naval adjunto da Embaixada Soviética, um tal Eugene Ivanov. As conversas que houve entre o triângulo amoroso ficaram no segredo da investigação, mas Profumo perdeu toda a credibilidade política que tinha e foi empurrado com firmeza para fora do Governo e, até, da política.

Os ingleses gostam de segredos de alcofa, mas também gostam bastante de matérias praticamente irrelevantes desde que tenham um faceta de grotesco. Enquanto o Caso Profumo ocupava a maioria das páginas dos jornais do dia, podemos descobrir que miss Margaret Hunter, de 65 anos, tinha cometido uma proeza digna de entrar no Livro Guinness dos Recordes. Monitora reformada, chumbara pela 40.ª vez no exame de condução.

Miss Hunter tornara-se uma daquelas personagens simpáticas que acolhia o carinho generalizado das gentes da sua terra, Lisburn, no condado de Antrim. Assim sendo, dezenas e dezenas de pessoas juntaram-se para assistir ao exame, torcendo para que a pobre senhora pudesse finalmente andar pelas redondezas a provocar sustos de mortes aos restantes condutores e a um sem número de peões. Imaginem que até às rádios e a televisão se fizeram representar, dispostos a guardar para a posteridade o momento em que miss Hunter iria ter direito ao papelinho que a autorizasse a pegar num volante. Debalde. O examinador saiu do automóvel ao fim de dez minutos, vociferando: “Não vale a pena! Isto é só desperdiçar tempo. Além do mais trata-se de um autêntico suicídio!”. Opinião que Margaret refutou de imediato: “Estive muito bem. Sinto-me convencida de que querem impedir-me de conduzir e acho que vou tentar tirar a carta em França”.

 

Imparável.

O dia ameno de Primavera inglesa não tinha fim no que respeitava a novidades meio esquisitas. A Rainha decidira receber gente das mais diversas proveniências para lhes demonstrar o apreço pelas actividades exercidas em favor do país. Alícia Markova foi designada Dama do Império na sequência dos serviços prestados ao dito império na sua profissão de bailarina. A seu lado, o palhaço Nikolai Palakovs, ao qual se agradecia as boas gargalhadas arrancadas tanto ao povo como à alta burguesia. Nada contra, se algo merece ser agraciado é um bom palhaço, dos que nos fazem rir.

Seguiu-se o dr. Charles Hill, comentador da BBC, que se transformara numa das vozes mais consideradas do Reino Unido, neste caso num registo mais sério e sem palhaçadas à mistura. Ganhou a distinção de pariato vitalício. Sem mãos a medir, a Rainha Isabel distinguiu a enormidade de 1968 homens e 132 mulheres, algo que faria, hoje em dia, os fanáticos da paridade trepar pelas paredes como se fossem lagartixas.

Dick Tiger, pugilista, campeão mundial de pesos-médios e a nadadora Anita Longsbrough, que ganhou três medalhas de ouro nos Jogos do Império de 1962, passaram pela longa fila de homenageados. A senhora Smedley, uma rendeira de Nottingham, também levou a medalhinha para casa, embora ninguém lhe reconhece nenhuma habilidade especial que não fosse manter-se viva aos 98 anos. Um pastor do norte de Inglaterra, _M.T. Parker, de 70 anos, foi distinguido pelo meio de todos os demais pastores da Grande Ilha, também sem nenhuma justificação especial que não fosse a de cuidar das suas ovelhas e dos seus carneiros com um desvelo apreciável.

R.G. Stephens foi elevado a Sir pelo facto de estar há 42 anos consecutivos encerrado no farol do Cabo Lizard, sujeito à solidão e às intempéries, teimosamente envolto na sua gabardina a acender a luz e a pôr a ronca a trabalhar como se nada mais houvesse no mundo que pudesse distraí-lo. Havia quem criticasse a Rainha por ter as mãos tão largas. A continuar neste ritmo os Cavaleiros do Império Britânico atingiriam a quase totalidade da população do país. A senhora Barbara Salt, por exemplo, fora agraciada por piedade. Depois de ter sido nomeada ministra plenipotenciária do Reino Unido em Israel, sofreu uma trombose que obrigou à amputação das duas pernas e nunca chegou a tomar posse do cargo. Assim sendo, foi igualmente medalhada, nem que por apenas tamanha infelicidade. Toma lá mais uma Dama da Ordem do Império.

A Rainha não tivera mãos a medir e estava desejosa do descanso a que tinha, naturalmente, direito. Não fosse o diacho das aventuras sexuais do seu ministro Profumo, as comendas teriam servido para encher as páginas dos jornais e abafar os segredos distribuídos entre amantes. Ivanov, alto, bem parecido, um grande apreciador de música clássica, regressava por sua vez a Moscovo. Cumprira a sua missão com prazer, pode dizer-se. Ou pelo menos, podia dizê-lo a menina Christine Keeler…