É a primeira mulher à frente da Associação Nacional de Farmácias (ANF), mas o desafio não a assusta, até porque Ema Paulino conhece bem os cantos à casa. Assume a liderança, numa altura, em que a associação passa por dificuldades financeiras e assume que um dos grandes objetivos do seu mandato será reequilibrar as contas da associação e amortizar dívida. A proximidade com as farmácias e com as empresas está no topo da lista, principalmente quando a pandemia veio reforçar ainda mais a importância dos serviços que prestam à população.
Quais são os desafios deste mandato?
Um dos maiores desafios passa pela revisão estatutária. É importante para recentrar a atividade da direção da Associação Nacional de Farmácias, das necessidades das próprias farmácias e indiretamente as necessidades da própria população, através dos serviços que as farmácias podem proporcionar. A revisão vai ainda promover uma separação entre a área associativa e a área empresarial, recentrando a atividade da direção nas necessidades político-profissionais das farmácias, no sentido de promover o seu acompanhamento e de promover a liderança ao nível da defesa e da valorização das farmácias.
Os atuais estatutos estão ultrapassados?
Os atuais estatutos refletem uma realidade diferente. Agora pensamos que têm de refletir este novo universo empresarial e de promover uma separação dos dois universos. O que se passa agora é que a direção da ANF – que é eleita – fica com a representação do acionista farmácia junto das empresas participadas. A ideia é valorizar o conselho nacional que, no fundo, é uma estrutura que é representante das farmácias. Ou seja, temos as farmácias de todo o país divididas em círculos de aproximadamente 50 e estas elegem três representantes. Estes três representantes fazem parte do conselho nacional e, isso significa que, temos à volta de 150 ou, um pouco mais, de conselheiros nacionais. Queremos transformar este conselho nacional num parlamento das farmácias, onde possam ser discutidas as principais linhas estratégicas, sejam aprovadas as contas e os orçamentos das empresas. O que até agora não acontecia, ao longo dos últimos anos, membros da direção foram ocupando lugares de liderança nos conselhos de administração das empresas. Há aqui uma coincidência, digamos assim, dos cargos eleitos para a direção com cargos executivos em empresas. Acabamos por não saber se as decisões associativas são afetadas por componentes empresariais e vice-versa. E, por isso, queremos separar estes universos, queremos que a direção que é eleita se dedique exclusivamente aos assuntos políticos, profissionais de defesa das farmácias e queremos colocar nas empresas, executivos que sejam selecionados de acordo com o perfil que devem ocupar aquelas funções e que depois obviamente irão reportar à direção e ao conselho nacional. Não pode é haver uma coincidência de cargos associativos e executivos.
Com vista a um maior profissionalismo?
Sim e a uma maior separação de funções. A razão pela qual a ANF decidiu participar nestas empresas ou criá-las é porque considerou que são áreas muito importantes para o desenvolvimento do setor. É o caso, por exemplo, da área tecnológica, nomeadamente o software, que é muito importante para a nossa atividade no dia-a-dia. Temos também a área de distribuição farmacêutica, a área de gestão de dados e de conhecimento do mercado. No entanto, a nossa participação nessas áreas deve assentar na introdução de inovação e de competitividade. Além disso, essas empresas têm de ser lucrativas, têm de gerar valor para que depois estes possam passar para a ANF na forma de dividendos e que possam ser aplicados em projetos associativos para não usarmos apenas o dinheiro das quotas que as farmácias pagam mensalmente. No fundo, esta alteração estatutária visa clarificar todos estes papéis, clarificar qual é o propósito do universo empresarial, impedir a coincidência de cargos associativos e nos conselhos de administração das empresas e dar mais poderes a este conselho nacional como estrutura de representação das farmácias junto do universo empresarial.
A ideia é tornar a gestão mais responsável e transparente?
Exatamente, de modo a prestar contas de forma contínua às farmácias e ao conselho nacional, enquanto representante das farmácias. Já em relação à nossa relação com as farmácias queremos criar condições para que haja uma maior proximidade dos órgãos de decisão. A coesão do setor e a união sempre foram uma das nossas características enquanto rede de farmácias e queremos continuar a promover essa união e uma maior proximidade das farmácias, até utilizando novos meios de comunicação e novas formas de interação para promover esse envolvimento. Temos claramente outro grande objetivo que é a coesão territorial, ou seja, temos uma grande preocupação em relação à manutenção da rede, mesmo em zonas mais desfavorecidas. Temos claramente farmácias que servem menos população do que aquelas que estão situadas no litoral e nos grandes centros urbanos. E essas farmácias precisam de um apoio diferenciado e precisam do nosso apoio na interação com os órgãos de poder local para percebermos como é que podem proporcionar mais serviços de interesse à população dessas zonas, até porque, normalmente são desprovidas de outras soluções de saúde. E não existem centros de saúde porque entretanto já fecharam e a farmácia acaba por ser o único recurso. E depois também é importante a questão da transformação digital, fala-se muito na transformação digital na área da saúde, mas na grande maioria das vezes, aquilo que temos feito é apenas digitalizar processos, não repensando nos processos com base nas novas tecnologias. Achamos claramente que há aqui muito a fazer no sentido de repensar os processos que suportam as farmácias. É o caso do backoffice para aumentar a eficiência e garantir que as farmácias tenham os medicamentos necessários quando são precisos, mas também aproveitar as novas tecnologias na interação com a população e com os outros profissionais de saúde e com as outras instituições de saúde. Neste momento, não há muitos canais de comunicação abertos e queremos aproveitar para rever toda esta situação para acrescentar valor. E, por último, queremos junto do Ministério da Saúde e de outros parceiros promover um diálogo sobre que serviços podem fazer sentido num modelo de contratualização. Isto é algo que existe a nível mundial, em que os serviços nacionais de saúde ou as seguradoras privadas de saúde, consoante o modelo de sistema de saúde que os países têm, contratualizam determinados serviços com as farmácias que são benéficos para todos os intervenientes. Por um lado, ao cidadão que proporciona o acesso a serviços de acompanhamento na comunidade que melhora a sua qualidade de vida e a forma como utiliza os medicamentos e para o Serviço Nacional de Saúde representa uma poupança em termos de orçamento porque reduz hospitalizações porque as pessoas estão controladas na comunidade. Há uma série de estudos relativos aos serviços farmacêuticos que denunciam essa poupança gerada para o próprio sistema de saúde e para as farmácias e, como é óbvio, é um complemento ao modelo de remuneração existente, permitindo às farmácias de uma forma mais formal e sistematizada fazer o acompanhamento das pessoas, ao longo do tempo, para garantir que o investimento que o Serviço Nacional de Saúde faz todos os anos em medicamentos realmente se transformem em valor. Infelizmente sabemos que ainda há muito desperdício na área dos medicamentos e nem sempre são utilizados da melhor forma.
Falou em coesão territorial. Nesta fase de pandemia, as farmácias tiveram um papel mais importante para apoiar as populações, principalmente no interior?
Essencialmente tornou esse papel mais visível e se calhar mais visível para pessoas que, normalmente, não utilizam de forma tão frequente as farmácias. Geralmente quem vai às farmácias são pessoas mais velhas, que tomam mais medicamentos e que têm outro tipo de necessidades. Durante este contexto como houve outros níveis de cuidados de saúde que registaram uma grande diminuição em termos da sua acessibilidade, muitos recorreram às farmácias para responder às suas necessidades. Muitas vezes, dizemos que as farmácias são a porta de entrada no sistema de saúde, penso que durante o contexto de pandemia, esse papel de entrada no sistema de saúde ainda se tornou mais evidente. Claro que houve determinados processos que tivemos de cooperar, nomeadamente com os centros de saúde ao nível da renovação das terapêuticas, porque as pessoas não tinham acesso às receitas. Tivemos também projetos na área da dispensa de medicamentos hospitalares nas farmácias comunitárias para as pessoas não se terem de deslocar aos hospitais e terem acesso aos seus medicamentos e foi estabelecido um processo para que essa dispensa pudesse ser feita em proximidade. Houve claramente um aumento desta visibilidade, principalmente nos sítios onde não existem outros recursos de saúde. A farmácia acabou por ser o ponto de referência das pessoas até para obterem informações sobre a pandemia, sobre as medidas de proteção a adotar e sobre o acesso aos próprios equipamentos de proteção individual.
E também no litoral com o adiamento de consultas…
Claro, não foi só nas zonas rurais, até se sentiu mais em outras zonas. Em Portugal fala-se muito na utilização das urgências e isso vê-se até pelas pulseiras verdes. O mesmo acontece com os centros de saúde, mas como as pessoas tinham mais dificuldades de acesso – nomeadamente nos centros de saúde, mas também vimos a quebra de utilização dos serviços privados, porque as pessoas estavam a evitar ir a outros níveis de cuidados de saúde – então recorreram muito às farmácias para um primeiro aconselhamento, uma primeira triagem e também pela questão da renovação da terapêutica que foi um assunto que mereceu especial atenção. Vamos fazer uma proposta para alterar os procedimentos, mas para isso, teremos de trabalhar em conjunto com os médicos, com Ordem dos Médicos e dos Farmacêuticos e que está relacionado com a questão da renovação da terapêutica porque como as pessoas tinham as consultas desmarcadas ou adiadas não tinham acesso às receitas. E, mesmo quando iam aos centros de saúde para terem acesso às receitas, muitas vezes, acabavam por ficar à porta. Na altura, houve da parte do setor farmacêutico através da Ordem dos Farmacêuticos e da ANF uma disponibilidade para encontrarmos uma solução profissional, em conjunto com os médicos para sabermos como poderíamos fazer essa renovação. O Ministério da Saúde optou por uma solução automática que foi ativar ao nível dos serviços partilhados do Ministério a reativação de receitas. Quando passavam o prazo de validade enviavam um SMS com uma nova receita de uma forma automática. O que gerou? Uma grande confusão porque alguns dos medicamentos não estavam a ser utilizados de forma crónica, outros já tinham sido descontinuados. Houve mensagens que foram enviadas para pessoas que não precisavam de receitas e ficaram um bocadinho confusas com as mensagens que recebiam. Foi claramente um processo que não resultou da melhor forma e, por isso, gostaríamos de propor uma outra forma através das receitas eletrónicas de haver um canal de comunicação e de renovação da terapêutica, mas que fosse supervisionado pelo farmacêutico e não apenas por algo administrativo e automático.
Em relação aos testes covid. As farmácias ganharam um novo fôlego?
Claramente é um serviço adicional que as farmácias estão a prestar e nos permitiu reforçar a ligação com as próprias autarquias porque, em muitos casos, são elas que estão a apoiar a realização dos testes rápidos. É mais uma forma de como as farmácias estão a responder a esta pandemia e às necessidades que a pandemia suscita, nomeadamente, a do rastreamento de casos para que atempadamente as pessoas se possam isolar e implementar todas as medidas para quebrar as cadeias de transmissão. É mais um serviço em que claramente a distribuição de farmácias e esta capilaridade geográfica veio ser aproveitada. Mais uma vez, se em determinadas zonas do país, se calhar as pessoas até têm mais acessibilidade a este tipo de testes, através dos laboratórios de análises clínicas ou com a aquisição de testes rápidos em determinadas superfícies, nomeadamente locais de venda de medicamentos de não sujeitos a receita médica, há outras zonas do país, onde esse acesso não seria tão fácil e aqui as farmácias assumem um papel ainda mais importante.
E com parcerias com as autarquias, nomeadamente a de Lisboa…
E não só. Essa negociação foi alargada a várias autarquias e claramente é um serviço que as farmácias passaram a disponibilizar à população que ajudou a própria autarquia porque sabemos que, de acordo com as diferentes fases de desconfinamento do Governo, quando há níveis de transmissão mais elevados ou taxas de transmissão mais elevadas há o perigo de retrocesso ao nível da atividade económica e como é óbvio, a realização destes testes rápidos para isolar mais rapidamente as pessoas e quebrar as cadeias de transmissão é importante para garantir que não há um retrocesso em termos do processo de desconfinamento e que mais facilmente se retomam as atividades económicas e sociais.
O papel do farmacêutico saiu assim mais reforçado?
O farmacêutico tem acompanhado a evolução em termos das necessidades. O que não tem acompanhado essa evolução é o modelo de contratualização e de remuneração das próprias farmácias. Estas têm um modelo de remuneração que maioritariamente e em grande medida é baseado no acesso ao medicamento. Temos de evoluir para um modelo de remuneração baseado no acrescentar valor em termos da utilização do medicamento. Em termos do papel e da competência que os farmacêuticos e as farmácias têm para desempenhar, essas funções têm evoluído, o que não tem evoluído é a sua integração no Serviço Nacional de Saúde. Ou seja, estabelecendo canais de comunicação com os outros intervenientes e o próprio modelo de remuneração e de contratualização dos serviços das farmácias com o Estado que não tem acompanhado essa evolução.
Também falou do desperdício de medicamentos. O problema não é de agora. Mas o que é preciso fazer? Mudar mentalidades?
Tenho participado numa intervenção farmacêutica, que está a decorrer de forma contínua e que contacta as pessoas ao final de uma a duas semanas depois de ter sido prescrito um novo medicamento para uma nova terapêutica crónica. O que vemos é que 10% das pessoas, ao final de uma ou duas semanas, já não está a tomar o medicamento ou nem sequer o começou a tomar: porque começou com dúvidas ou tem questões relacionadas com o medicamento ou com a patologia ou é mais um medicamento sobre 10 medicamentos que já toma… há claramente uma grande oportunidade de melhoria em termos da perceção que as pessoas têm em relação à importância da adesão à terapêutica para o controlo das suas patologias e há uma grande oportunidade de melhoria deste trabalho multidisciplinar do farmacêutico com o médico para garantir que a pessoa utiliza da melhor forma o medicamento. Há uns anos foi feito um estudo sobre o desperdício que assinalava um montante bastante significativo de dinheiro desperdiçado em medicamentos. Penso que seria relevante voltar a fazer essa valorização e encontrar intervenções que garantam que o investimento se transforme em valor. Muitas vezes estamos preocupados com o acesso ao medicamento mas isso só não garante os resultados terapêuticos. O que garante os resultados terapêuticos é a sua boa utilização. Se não garantimos essa boa utilização, na realidade é como se fosse dinheiro deitado ao lixo, ou dinheiro deitado ao Valormed, processo onde são recolhidos os medicamentos fora de uso. Esta área tem que ser uma prioridade não só para alertar para o problema, mas também para propor soluções.
Voltando às eleições. Novo Rumo era o nome da sua lista. É mesmo um novo rumo que pretende seguir nos próximos anos?
Precisamente. Novo rumo de maior proximidade e também de clarificação dos papéis do universo associativo e empresarial da própria associação.
João Cordeiro estava na sua lista e é um nome de peso no setor. Contribuiu para dar maior credibilidade?
Também. Mas temos uma lista com pessoas com grande peso. Não só João Cordeiro, mas também Paulo Barradas que preside ao conselho fiscal, é um dos empreendedores mais galardoados em Portugal no setor farmacêutico e é administrador da Bluepharma. Este conjunto de pessoas acrescentou credibilidade à lista e deu confiança aos associados. Já tinha trabalhado com João Cordeiro em direções passadas na ANF, depois construí a minha carreira mais na área associativa na Ordem dos Farmacêuticos e na Federação Internacional Farmacêutica, mas sou uma cara e nome já conhecido junto do setor.
Vai assumir a liderança, numa altura, em que a situação financeira é preocupante e são apontadas dívidas à banca na ordem dos 400 milhões de euros…
A ANF, em termos do seu universo empresarial, sempre teve um montante de dívida importante, numa perspetiva de investimento, em novas áreas de atividade. Depois há uma parte importante dessa dívida que se refere ao adiantamento que a ANF faz às farmácias do montante de comparticipação dos medicamentos. Só esse montante – que já anda à volta dos 160 milhões de euros – é um peso importante do valor global da dívida. Não nos preocupa tanto o valor global da dívida, o que nos preocupa e o que nos fez avançar como uma alternativa do ponto de vista económico-financeiro, foram as dificuldades que se perspetivam no futuro se não houver uma reestruturação da própria dívida para cumprir com os seus compromissos. Temos de gerar tesouraria para cumprir com os compromissos.
Esses investimentos estão
identificados?
Foram investimentos feitos em empresas de geração de tratamento de dados, de inteligência de mercado, em que se perspetivou uma internacionalização que não ocorreu nos moldes esperados. Houve uma série de investimentos que foram feitos e alguns deles não tiveram os resultados esperados e não estão a dar retorno ao dia de hoje. E agora há necessidade de fazer essa reestruturação da dívida e tomar algumas decisões em relação aos projetos que não ocorram da forma como se esperaria. É preciso fazer uma análise com base numa auditoria sobre a situação atual de cada uma das empresas participadas, da Associação Nacional das Farmácias como um todo e fazer uma reestruturação dessa dívida que seja comportável e que nos permita continuar a crescer e a fazer investimentos de uma forma sustentável para a ANF e para o seu universo empresarial.
A dívida está a ser renegociada junto da banca?
Parte dela, sim. São 82 milhões de euros que estão a ser renegociados.
E há abertura da parte do setor
financeiro?
Sim. Está a haver um processo de renegociação que se estende há vários meses e que, agora, nos propomos retomar para podermos analisar alternativas ao Plano Económico Financeiro que dá suporte a essa reestruturação da dívida. Não temos quaisquer dúvidas que seremos bem-sucedidos nessa reestruturação.
Falou em sangramento financeiro na ANF. Será fácil recuperar esta confiança junto da banca?
Aqui a questão que julgo que é muito importante é a nova lista, uma alteração na equipa de gestão que pode despoletar um reset, pode ajudar a recuperar a possibilidade de podermos discutir alternativas. Aquilo com que não concordamos é o Plano Económico Financeiro que foi construído e que foi apresentado à banca como normalmente se apresentam planos de negócio…
O tal plano 2021/2026…
Exatamente. Já tínhamos manifestado que alguns dos seus pressupostos eram consideramos irrealistas e sem dúvida que a banca também o terá considerado. Em primeiro lugar temos de rever esse plano porque dá suporte a essa reestruturação da dívida. Vamos ver onde temos de tomar decisões do ponto de vista de redução de custos, onde é que podemos aumentar a eficiência em termos do universo empresarial da Associação Nacional das Farmácias, dizer quais são os nossos compromissos para depois ganhar uma outra credibilidade junto da banca para renegociar essa reestruturação financeira.
Se uma das prioridades é a reestruturação financeira, significa que este mandato vai ter que pôr em segundo plano os investimentos ?
Claramente temos aqui um grande objetivo que é amortizar dívida. Mas temos investimentos que foram feitos e que estão a ser cumpridos e a ser pagos, nomeadamente ao nível do investimento que foi feito na empresa de distribuição. Está tudo a correr de acordo com o plano de negócios. Se for para fazer investimentos têm de ter um plano de negócios que suporte esse investimento e que perspetivem resultados a curto prazo, Nesse caso, pretendemos continuar a investir. Mas diria que o nosso grande objetivo é o de amortização de dívida.
Prometeu que se chegasse a vencer estas eleições – como acabou por acontecer – iriam levar a cabo uma auditoria nos primeiros 100 dias de mandato. Quando avança?
Já estamos a pedir orçamentos para a auditoria e pretendemos que avance o mais rapidamente possível. A auditoria vai ser importante porque temos a associação e temos o universo empresarial que tem vários fluxos financeiros entre as empresas e entre a ANF. Estas empresas prestam serviços umas às outras. O grande objetivo será percebermos se esses serviços, ao dia de hoje, estão a ser prestados a preços de mercado, como é que esses fluxos financeiros estão a ser feitos, se os serviços que são prestados de uma empresa para outra são contabilizados e se são corretamente contabilizados para que depois possamos tomar decisões mais informadas e esclarecidas sobre onde é que se justifica o tal desinvestimento, onde é que se justifica fazer uma pausa em termos dos investimentos que estão a ser feitos ou mesmo cessar atividade de algumas empresas que não tenham tido o acolhimento que era esperado… mas, para termos toda essa informação e para percebermos os diferentes fluxos e termos uma imagem mais clara sobre cada uma das empresas e sobre a associação e os fluxos entre elas, pensamos que esta auditoria é absolutamente fundamental.
Consoante os resultados dessa auditoria, pensam avançar com uma ação de responsabilização?
Não temos quaisquer dúvidas de que as contas e os relatórios que foram apresentados refletem rigorosamente os fluxos financeiros que existiram e os investimentos que foram feitos. Não nos perspetiva que sejamos surpreendidos com casos que possam levar a esse desfecho. Mas claro que não posso desde logo descartar essa hipótese se surgir alguma circunstância. Mas, sinceramente, não perspetivamos que isso venha a ocorrer.
Acha que houve falta de seriedade por parte da anterior liderança?
Houve, talvez, alguma falta de capacidade ou de vontade de tomar determinadas decisões que deveriam ter sido tomadas mais cedo ou que deveria ter havido mais prudência em determinados investimentos que depois não tiveram o melhor desfecho. É mais nessa perspetiva, ou seja, achamos que não houve uma intervenção atempada em termos de cessar algumas atividades que não estavam a ter os resultados esperados e, por outro lado, houve alguma precipitação em relação a avançar com determinados negócios, com a constituição de determinadas empresas e com a internacionalização de algumas das empresas, que foram feitas de forma precipitada. Isso, como é óbvio, teve consequências em termos do resultado do universo empresarial.
Esta fase menos simpática levou à perda de associados?
Não. Não houve perda de associados na Associação Nacional de Farmácias. Temos um setor muito unido e coeso que sempre esteve disponível para fazer parte da solução nos momentos bons e nos momentos menos bons. Não tenho dúvidas nenhumas que, apesar das divergências de opinião em relação ao modelo de gestão e liderança da ANF pelas duas listas que se apresentaram a eleições, agora vamos ter uma união na solução que foi a escolhida pelas farmácias e que todos vamos ultrapassar estes desafios. As farmácias continuam a acreditar na ANF e devem continuar a fazê-lo e não tenho dúvidas nenhumas que saímos deste processo democrático mais reforçados em termos de união.
Esta mudança na liderança na ANF pode trazer ainda mais confiança aos associados?
Pensamos que o resultado obtido revelou uma convergência nesta solução, nestas propostas e nesta forma como vemos o setor a evoluir. Pensamos que para as farmácias que se revêm neste modelo há um reforço dessa confiança. As pessoas desta lista – apesar de não nos termos apresentado como uma lista de continuidade – são conhecidas, que as farmácias reconhecem e temos provas dadas. Há todas as razões para os associados saírem com a sua confiança reforçada deste processo.
A lista adversária seria uma lista de continuidade….
Exatamente. Mas também temos muitas pessoas que são históricos da associação na nossa lista e pessoas com muita credibilidade no setor. Acabou por, no fundo, ser uma escolha entre visões alternativas de modelo de gestão e liderança da associação.
O vídeo publicado antes das eleições por João Cordeiro também serviu para alertar os associados?
Sim, sem dúvida. João Cordeiro – primeiro internamente e depois pela impossibilidade de chegar a todos os associados de outra forma, através do vídeo que entretanto foi enviado para os associados – alertava para a necessidade desta renegociação com a banca com condições que não consideravam que defendiam o futuro da ANF e do setor. O facto de um líder histórico da Associação Nacional das Farmácias surgir com estas dúvidas e com esta preocupação sobre o setor permitiu às farmácias ficarem mais atentas e quererem de uma forma cabal esclarecerem quais eram as duas opções que existiam para depois tomarem as suas decisões. Sem dúvida que foi útil nessa perspetiva de alertar para que as farmácias depois pudessem posicionar-se numa ou noutra opção para o futuro da associação.
Talvez existissem muitos associados que não estivessem a par desta situação….
Precisamente.
É a primeira mulher a assumir este cargo. Como se sente?
Sinto-me honrada, mas o que costumo dizer é que sinto que já é consequência do trabalho que outras gerações de mulheres e outras mulheres fizeram antes de mim para afirmar também o importante papel que as mulheres têm não só no setor farmacêutico, onde representamos 80% da profissão. Em termos de cargos de liderança tem sido mais na última década que as mulheres têm vindo a sentir-se mais confortáveis para se apresentar a estes cargos. Senti que era o momento certo e senti-me apoiada, acima de tudo, por homens e por mulheres. Sinto-me honrada. Também tinha sido a primeira mulher a ocupar um cargo no Comité Executivo da Federação Internacional Farmacêutica que não soube até ter sido eleita. Essa organização tinha 100 anos e não me passou sequer pela cabeça que nenhuma mulher tivesse feito parte do comité executivo. Senti isso com a maior das naturalidades e também foi isso que senti em relação à ANF. Foi completamente natural e senti o apoio de todas as partes, mas claro que me sinto muito honrada e, acima de tudo, sinto uma grande responsabilidade do ponto de vista da mentoria e da inspiração e que isso possa servir também para mais mulheres aspirarem a se apresentarem a estes lugares de topo. As mulheres, normalmente, equacionam mais os prós e contras, são mais ponderadas.
E também está à frente de uma farmácia.
Exatamente. Mas trabalhar em vários tabuleiros nunca foi problema.