Post-Brexit Punk. Um guia para alguns dos melhores lançamentos do ano

Post-Brexit Punk. Um guia para alguns dos melhores lançamentos do ano


O ano de 2021 está a ser fortíssimo em lançamentos musicais no Reino Unido, nomeadamente no que está a ser descrito como o movimento “Post-Brexit Punk”. Neste espaço, compilámos alguns dos mais interessantes lançamentos do presente ano, que inclui bandas desta cena como black midi, que lançaram o seu segundo disco, Cavalcade, na passada sexta-feira,…


black midi: Cavalcade

 Depois do impressionante e intenso disco de estreia, Schlagenheim, lançado em 2019, que valeu ao conjunto a nomeação para melhor disco do ano nos Mercury Prize, certame que distingue o melhor que o Reino Unido tem para oferecer a nível musical, muitos fãs aguardavam expectantes como seria o próximo álbum do jovem conjunto. A resposta da banda, que teve de lidar com a saída de Matt Kwasniewski-Kelvin, guitarrista-vocalista e um dos seus fundadores, foi pegar nos elementos que tornaram a sua estreia tão especial – complexas e pesadas linhas de guitarra, uma batida poderosa e com ritmos complexos e letras abstratas – e maximizar tudo. Cavalcade, editado na última sexta-feira, é uma tour de force dos músicos ingleses, que estudaram na BRIT School for Performing Arts and Technology, que expandem as suas músicas com intrincadas estruturas de free jazz, auxiliadas pela nova secção de sopros e teclados, onde se exploram progressões com acordes dissonantes e partindo em odisseias de pura cacofonia. O mais recente disco dos black midi é um espécime impressionante e tecnicamente sobredotado que, apesar de em partes confundir e alienar o ouvinte, prende-nos à audição para saber que inesperadas abordagens irão adotar dentro das suas músicas.

 

Dry Cleaning: New Long Leg

 Entre os discos mencionados, este talvez seja o mais distinto de todos. Os Dry Cleaning apresentam uma postura enigmática e uma abordagem mais contemplativa e pausada na sua música, altamente influenciada pelo art-rock, que os coloca num pedestal diferente dos seus contemporâneos, com instrumentais repletos de guitarras a rasgar e baterias espancadas até ao limite. Guiados pela voz da vocalista Florence Shaw, que se mantém ao longo do disco num registo de spoken word, esta narra poemas surreais, escritos na tradição do escritor americano William S. Burroughs de corte e colagem de textos (no seu EP de estreia, Sweet Princess, de 2019, o grupo criou uma música com comentários tóxicos deixados nos seus vídeos publicados no YouTube, onde criticavam a banda e acusavam-nos de imitarem os Sonic Youth), que abordam temas como o Brexit, em ‘Strong Feelings’, a inaptidão para encaixar na sociedade, ‘Scratchcard Lanyard’, e a apatia da sociedade, na música que rouba o título do filme de ação protagonizado pelo ator Keanu Reeves, ‘John Wick’.

 

Shame: Drunk Tank Pink

 Com o nome retirado de uma tonalidade da cor rosa utilizada para pintar salas de hospícios e celas que, segundo especialistas, possui efeitos terapêuticos calmantes, o segundo disco dos Shame é uma evolução para a banda em termos de produção instrumental e maturidade temática. O álbum nasceu da reclusão do vocalista, Charlie Steen (não confundir com o ator Charlie Sheen, protagonista da sitcom Dois Homens e Meio), depois de três anos intensos de tour que levou o grupo a viajar por todo o mundo. De volta a casa, Steen começou um processo de introspeção que o levou a questionar-se se este se sentia bem consigo próprio: “I live deep within myself/ Just like everybody else”, questiona-se em ‘Snow Day’, uma das músicas centrais do disco. Em termos instrumentais o disco representa uma mudança de direção, em oposição às guitarradas repletas de reverb e com influências de grupos indie rock contemporâneos, como os DIIV, o guitarrista do conjunto, Sean Coyle-Smith, decidiu explorar sons e ritmos de bandas mais experimentais como os Talking Heads ou os ESG, resultando num som mais funk, mas também mais ansioso e urgente.

 

Black Country, New Road: For the first time

 O disco de estreia do septeto inglês foi uma das surpresas mais positivas do presente ano. Com um som que abraça desde o post-punk de bandas de culto como os americanos Slint (que inclusive são referidos na letra da música ‘Science Fair’: “Just to think I could’ve left the fair with my dignity intact / And fled from the stage with the world’s second-best Slint tribute act”), os crescendos de grupos de post-rock e até o inesperado klezmer, um estilo de música tradicional judaica, a fórmula atípica dos Black Country, New Road revela um conjunto que nasceu embebido pelas referências infinitas que a internet lhes oferece, conseguindo juntar o máximo de sons e interesses possíveis na sua música e, de certa forma, fazem com que esta mistura funcione. A forma de cantar em jeito de spoken word do vocalista, Isaac Wood, e o som, que por vezes pode parecer esmagador, dada a já referida mistura de estilos, mas também com a utilização de instrumentos de sopro, violino e teclados, pode ser de difícil absorção, mas é uma fascinante experiência de quanto a música rock e punk evoluiu e deixa-nos a questionar até onde é que estes músicos podem elevar estes estilos musicais nas suas próximas experiências. 

 

Squid: Bright Green Field

 Depois do lançamento de vários singles, o primeiro, ‘Perfect Teeth’, este ano, finalmente, os britânicos Squid estrearam-se nos lançamentos com o impressionante Bright Green Field. Com selo da editora Warp Records, mais conhecida pelos lendários trabalhos no âmbito da música eletrónica experimental, tendo apadrinhado discos seminais de Aphex Twin, B12, Autechre, Squarepusher, Boards of Canada ou Onehotrix Point Never, esta colaboração ajudou a banda a elevar o seu rock experimental ao adicionar elementos de jazz, funk, krautrock, dub e punk. Com vozes neuróticas, onde se incluem ainda a convidada Martha Skye Murphy, cantautora de Londres, e um instrumental que se move entre a calma antes de uma tempestade e o seu subsequente caos, as músicas de Bright Green Fields criam este efeito desconfortável e desconcertante, enquanto nos prendem com ganchos pop e refrões contagiantes. Apesar das letras estarem repletas de humor e de alusões surreais (“And the eggs are always cheaper, the day after Easter”, canta Ollie Judge em ‘Documentary Filmmaker’), mas também abordam problemas reais. A música ‘Narrator, com a colaboração de Murphy, reflete sobre como o papel da mulher é tantas vezes diminuído na sociedade e na arte pelos homens.

 

Goat Girl: On All Fours

 Este grupo constituído por quatro mulheres, Clottie Cream, L.E.D. Naima Jelly e Rosy Bones, distingue-se do restante movimento de post-punk pela sua atitude mais colorida e descontraída e pelas músicas divertidas e descomprometidas. Claro, é importante recordar que estas caraterísticas não devem ser confundidas com desleixo, as Goat Girl, que surgem numa linhagem de bandas como The Raincoats, contagiam os seus ouvintes com vozes hipnóticas e contagiantes ritmos, mas não se esquecem da sua linhagem punk na atitude e temas das letras: “And words remain in the suits of today / And I have no shame when I say / Step the fuck away”, vocifera a vocalista Clottie Cream na faixa que abre o disco, ‘Pest’. O segundo disco da banda foi criado após Cream ter sofrido uma série de ataques de ansiedade e se ter debatido com a sua depressão, temas que muitas vezes são refletidos no disco. Mas isto não resultou em músicas depressivas, mas sim num som de superação, animado, de quem está a lutar para superar estes problemas.