François Pinault. O maior colecionador de arte da Europa cumpriu um sonho antigo

François Pinault. O maior colecionador de arte da Europa cumpriu um sonho antigo


É um dos homens mais ricos do mundo e a sua paixão pela arte não conhece limites. Há dois anos, François Pinault ofereceu 100 milhões de euros para a reerguer a catedral de Notre-Dame das cinzas. Agora acaba de pagar quase 200 milhões de euros pelo restauro do antigo edifício da Bolsa de Comércio em…


Além de ser notoriamente um dos homens mais ricos do mundo, François Pinault é tido, por muitos, como “o mais importante colecionador da história de arte da Europa”. E tinha uma ambição antiga. Agora, vinte e um anos depois de ter anunciado que construiria um museu em Paris para dar a conhecer a sua coleção, o bilionário francês de 84 anos vê finalmente o objetivo alcançado.

E, claro, a escolha do local não poderia ficar aquém da grandiosidade da coleção, composta por cerca de 10 mil obras, avaliadas em qualquer coisa como 1.500 milhões de euros. Assim nasceu “o maior museu privado de arte moderna da França”, com cerca de 200 obras-primas artistas como Picasso, Braque, Rauschenberg, Pollock e Rothko.

A bolsa de comércio de Paris O plano original, que remonta ao ano de 2000, seria construir uma estrutura maciça de vidro numa ilha abandonada a oeste de Paris, a cinco quilómetros da Torre Eiffel. Contudo, a burocracia francesa bloqueou o projeto e, irritado, o empresário levou as suas obras para Veneza. Para as expor, comprou o Palazzo Grassi e a Punta della Dogana, onde construiu um dos mais belos espaços de exposição da cidade italiana.

Para Pinault, que já possui um grandioso império no mundo do luxo com o grupo Kering (que reúne marcas como Gucci e Yves Saint-Laurent), a burocracia até poderia ser um obstáculo mas nunca um impedimento. Atrasou o projeto, mas não o enterrou. Assim, após vários anos de espera e longos meses de atraso por causa da pandemia da covid-19, o novo espaço foi inaugurado no dia 22 de maio e apresentado como um “símbolo do renascimento da vida cultural” que coloca lado a lado a tradição e a contemporaneidade.

Situado na mesma rua que o Museu do Louvre, o edifício da Bolsa de Comércio de Paris também possui uma longa história. Em 2015 a Câmara da capital parisiense celebrou um contrato de cedência por 50 anos ao empresário e colecionador. Segundo Jean-Jacques Aillagon, diretor-geral da Coleção Pinault, trata-se de um “espaço genial do ponto de vista da arquitetura, que encarna as utopias arquitetónicas do final do século XVIII”.

E, para o remodelar, nada mais, nada menos do que o arquiteto japonês Tadao Ando, vencedor do Pritzker em 1995, que contou com a contribuição e coordenação do arquiteto Pierre-Antoine Gatier, ligado aos monumentos históricos franceses, e da dupla Lucie Niney e Thibault Marca, especialista em design de interiores.

Construído em finais do século XVIII, o edifício da Bourse inspira-se diretamente no Panteão de Roma, com a sua perfeita planta circular. Cerca de cem anos após a reconstrução, tinha sido reformado em grande escala para a Feira Mundial de 1889 – a mesma que celebrou o centenário da Revolução Francesa e para a qual foi erguida a Torre Eiffel. Ao mesmo tempo em que Paris ganhava o estatuto de “centro do mundo ocidental”, dava-se o período de expansão colonial que garantiu as rotas comerciais da França e contribuiu para a prosperidade da sua capital. Foi exatamente na Bolsa que produtos mais ou menos exóticos como o cacau, o açúcar e o café foram cotados e transacionados para o consumo ocidental.

Essa atividade está plasmada na obra França Triunfal, uma grande pintura mural que circunda a cúpula do edifício. Elaborada por cinco artistas, a pintura retrata colonizadores, guerreiros africanos de peito nu e nativos americanos seminus, remetendo para as origens dos produtos ali cotados.

As restaurações  Para a transformação em museu, o prédio histórico onde antes trabalhavam os corretores da Bolsa sofreu uma extensa reforma que demorou três anos. O projeto de Tadao Ando procurou conservar a arquitetura emblemática do edifício, especialmente a grande cúpula e os frescos no teto, ao mesmo tempo que acrescentou toques de modernidade. Segundo o arquiteto japonês, “o propósito foi criar um edifício que liga o passado com o presente e o futuro”. 

Num momento em que muitos países ocidentais se debatem com o incómodo que representações semelhantes de povos indígenas e minorias provocam, Pinault decidiu restaurar a superfície rachada e já com pouca cor, no seguimento da recusa por parte do Presidente francês Emmanuel Macron de remover monumentos homenageando figuras dos capítulos mais sombrios da história da França.

Pierre-Antoine Gatier, que dirigiu as obras de restauro, escreveu no catálogo da Bourse que a obra em questão “reflete a ideologia imperialista do Ocidente e a sua crença irredutível no progresso, transmitindo representações folclóricas sustentadas por preconceitos coloniais.” Martin Bethenod, diretor administrativo da Coleção Pinault, por sua vez, afirmou que o museu teve a responsabilidade de restaurar a França triunfal, por esta fazer parte do património do país: “Temos missões e obrigações, a primeira será sempre contextualizar ”, frisou.

As exposições Para Bethenod, o verdadeiro contraponto ao legado histórico da Bolsa está precisamente nas obras da Coleção Pinault, apresentando como o melhor exemplo disso a “retrospetiva de David Hammons”, um artista negro que conquistou notoriedade na Nova Iorque das décadas de 1960 e 70, durante o Movimento das Artes Negras nos Estados Unidos. A sua peça central – intitulada Segurança Mínima – consiste numa “gaiola” que convida os visitantes a “experienciar” o corredor da morte da prisão estatal, em San Quentin. O diretor revelou ainda que o artista lhe solicitou a exibição da instalação ao longo de uma parede decorada com mapas antigos que ilustram as rotas comerciais da época e também o domínio naval da Europa.

Passando das galerias ao espaço central do edifício, observa-se um contraponto entre o século XIX, representado pela pintura, pelos mosaicos, as carpintarias clássicas, os apontamentos decorativos; e o século XXI, que se afirma através do cimento de Ando.

A estrutura de 9 metros de altura “canaliza a luz do sol do vidro da rotunda e da cúpula de ferro fundido” e converte a área “num espaço onde a Coleção Pinault agora exibe uma série de esculturas de cera do artista suíço Urs Fischer”, explicou Martin Bethenod. A peça central é uma reprodução do conjunto escultórico O Rapto das Sabinas, cujo original renascentista, da autoria de Giambologna, se encontra em Florença. A versão de Fischer é muito mais efémera, já que será acesa, tal como uma vela gigante e, gradualmente, acabará por derreter, como todas as outras esculturas da mesma série. 

Ao todo, o museu contém dez espaços de exposição, incluindo sete galerias de paredes brancas, que permitirão uma renovação permanente que não tinha sido possível nos dois locais que Pinault ocupa em Veneza. Bethenod, em declarações ao The Art Newspaper, admitiu que planeia montar cerca de 15 novos projetos a cada ano. 

Veneza versus Paris Várias obras importantes em exibição já foram exibidas em Veneza. Contudo, o diretor do espaço diz que “todas elas são encenadas de forma diferente”. O próprio François Pinault destaca o caráter político desta primeira exposição, elogiando “os valores que sempre defendeu, a sede de liberdade, a refutação da injustiça e a aceitação da diversidade”. Algumas das obras expostas são de artistas negros de todo o mundo que nunca foram exibidas em França e só raramente na Europa. Como é o caso de David Hammons, acima mencionado, os três retratos pintados num estilo hiper-realista por Rudolf Stingel, as pinturas figurativas de Kippenberger e ainda as obras do artista plástico Antônio Obá, que vasculham as raízes africanas do Brasil.

A galeria dedicada à fotografia, onde as protagonistas são as fotógrafas Martha Williams e Cindy Sherman, termina com a denúncia de Louise Lawler à infame Emenda Helms em 1987, que resultou na proibição ao Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) de fornecer meios de prevenção da sida por medo de “promover atividades homossexuais”.

A exposição de abertura inclui ainda obras Marlene Dumas, que mostra uma série de 36 crânios e os ready-mades (objetos industrializados que, retirados de seu contexto quotidiano e utilitário, transformam-se em obras de arte) de Bertrand Lavier, expostos em vitrinas de madeira do século XIX em torno da galeria.

Uma contribuição para o futuro da cultura parisiense Pinault exprimiu a a expectativa de que o museu ajude a recompor a atmosfera cultural da capital após as dificuldades enfrentadas pela França e pelo mundo em 2020, em consequência da pandemia. 

“Esta abertura enriquecerá o panorama europeu de instituições dedicadas à arte do nosso tempo e contribuirá, após o duro ano de 2020, para o renascimento da vida cultural em Paris”, sublinhou o colecionador. “A incerteza é um fator que perturba gravemente a vida cultural”, acrescentou o ex-ministro da Cultura Jean-Jacques Aillagon, assessor de François Pinault. “Esta é uma razão suficiente e forte para querer dar à cena cultural francesa um sinal adicional de confiança no futuro e contribuir, como muitos outros, para evitar que a chama intensa da vida cultural não se apague neste momento de preocupação”, frisou.

“O Mecenas” Imperador do negócio de luxo Kering, que detém as marcas Gucci, Yves Saint-Laurent, Alexander McQueen, Balenciaga, Bottega Veneta; e dono da empresa de investimentos Artémis, que detém a equipa de futebol Stade Rennais, o Théâtre Marigny, situado nos Champs Elysées, em Paris, o semanário Le Point, a casa de leilões Christie’s, dois museus – o Palazzo Grassi e o Punta della Dogana, em Veneza – e mais recentemente, o Museu de Arte Contemporânea de Paris, François Pinault é, segundo a lista da Forbes 2021, o 32.º homem mais rico do mundo, com um património pessoal avaliado em 34,58 mil milhões de euros. De onde vem tanto dinheiro? Pinault revelou desde cedo a sua habilidade para os negócios. 

A vida antes da fama Nascido entre uma família de camponeses, numa pequena cidade na Bretanha, em 1936, abandonou a escola aos 16 anos de idade e sempre se sentiu deslocado entre os seus colegas, que o consideravam diferente pelo seu sotaque rural e a sua vida de camponês. Em 1956, alistou-se nas forças armadas e combateu durante a guerra da Argélia. Ao voltar à sua terra natal, decidiu enveredar pelo negócio de madeiras da família, comprando e vendendo lenha das florestas da região. Após a morte do seu pai, vendeu a empresa por 50 vezes o valor inicial e, em 1963, fundou a Pinault Company, que também atuava no setor de materiais de construção, mas depressa se dedicou à importação de madeiras do Canadá e da Escandinávia.

Nessa altura, Pinault era casado com Louise Gautier, com quem teve três filhos, François-Henri, Dominique e Laurence Pinault. Contudo, o casamento não durou mais de cinco anos e, três anos mais tarde casava-se pela segunda vez, com Maryvonne Campbell, uma comerciante de antiguidades em Rennes que lhe deu a conhecer o mundo da arte.

O começo do "Império" Em 1988, a Pinault Company foi rebatizada para Pinault SA e, quatro anos mais tarde, o grupo adquiriu o primeiro grande armazém e uma empresa de vendas por correspondência, Artémis, para administrar os investimentos da família. Deu-se então uma grande mudança na direção dos seus investimentos: a família comprou uma participação maioritária na CFAO (distribuição especializada na África), Conforama, Printemps, La Redoute e Fnac, tendo de seguida alterado o nome para Pinault-Printemps-Redoute (PPR), 

Em 1998, François Pinault deu o grandes sinal de interesse na arte contemporânea, com a aquisição de cerca de 30% das ações da casa de leilões britânica Christie’s. A mudança para o mercado de arte abriu o caminho ao fascínio por marcas de luxo e, no final do século, a Pinault-Printemps-Redoute comprou 60% das ações da Gucci. Além desta, a empresa Kering (como se passou a chamar em 2003), também é dona de outras marcas de alta-costura, como Yves Saint Laurent, Bottega Veneta, Boucheron e Alexander McQueen. 

Em maio de 2003, Pinault entregou a gestão de suas empresas a seu filho François-Henri, que está no seu comando até hoje.