Parte hoje, sem deixar grandes saudades, a 87.ª edição daquilo que o povo, de Avelãs de Caminho a Alcantarilha, se habituou a chamar Campeonato Nacional da I Divisão. Pouco ficou para decidir nesta jornada derradeira. Um dos lugares de descida (Nacional da Madeira condenado no recente fim de semana) está arrumado, falta o outro e o do play-off a disputar com o terceiro classificado da II Divisão – com Boavista, Portimonense e Rio Ave, sabendo-se que estes têm jogos de certa forma tranquilos – Boavista em Barcelos, contra um Gil Vicente já em gozo de férias; Rio Ave no Funchal para tentar colocar mais uns palmos de terra sobre o túmulo nacionalista; e Portimonense recebendo um Braga ao qual já ninguém tira o quarto lugar.
Ao fim de dezanove anos, o Sporting foi campeão, justíssimo, sacudindo do fato a naftalina que começava a ameaçar eternizar-se. Com uma equipa jovem na qual Porro, Nuno Mendes, Nuno Santos puderam libertar-se, sobretudo por via do silêncio de um treinador inteligente (Rúben Amorim), sagaz até à protérvia na forma como interpretou os defeitos do seu grupo e como conseguiu escondê-los dos adversários o mais tempo possível, ao qual acrescento o silêncio de um presidente que teve a visão política de perceber quais os momentos em que deveria falar e em que termos deveria apontar os habituais erros de justiça que são o pão nosso de cada dia no futebolzinho cá do burgo que, infelizmente, não tem um árbitro de jeito.
Amorim fez o que há muito tempo ninguém fazia lá para os lados de Alvalade, provavelmente desde o tempo do inconfundível Malcolm Allison: obrigou a que o leão não gastasse tempo a ter pena de si próprio. Sacudiu os cotovelos e os joelhos a cada escorregadela e continuou a jogar como se nada se tivesse passado. Nesse ponto, diria até que a saída do sempre intempestivo Bruno Fernandes, que reclamava até com a própria sombra (e se calhar muitas vezes com razão) solidificou a filosofia do anti-patinho feio. E o Sporting limitou-se, a partir daí, a ser tão grande como os outros. E até melhor.
Fracassos! Muito, mas muito raramente há campeões que não tirem proveito das falhas alheias e o Sporting não fugiu à regra. Foi aproveitando com um cinismo absoluto os pontos desperdiçados por FC Porto e Benfica ao mesmo tempo que amealhava os seus a ponto de já ser impossível recuperar-lhos.
A farronca habitual de Jorge Jesus dividiu por completo o Benfica, sobretudo quando falhou por completo o acesso à Liga dos Campeões ao ser despachado no play-off por um inofensivo PAOK. A ameaça de que o Benfica iria arrasar bateu de frente contra a realidade de uma equipa amorfa, sem organização, deixando a sensação de que havia jogadores que faziam o que queria e lhe apetecia e com um meio-campo tão frágil defensivamente como um pucarinho de Estremoz. Não sei se Jesus será capaz de se reinventar e voltar a construir uma equipa competente em todos os movimentos do jogo. Não sei, mas duvido. Cada vez mais se lhe cola a imagem de perdedor. No Benfica desta época não houve um dedo de treinador. Onde esteve ele? Valerá continuar a apostar no cavalo cansado? A direção de um Benfica que parecia vir a tornar-se no campeão crónico de Portugal tem um assunto sério para resolver. Sobretudo quando caíram no poço fundo do derrotismo.
No FC Porto a imagem de marca foi inventada por José Maria Pedroto e percorreu até hoje o caminho da alimentação do ódio, do arruaceirismo, do grito e da peitaça, como rapazotes de rua numa fase adiantada da adolescência. O futebol já não se ganha no grito nem na ameaça. Mesmo quando esteve a quatro pontos do Sporting, nunca o FC Porto deu a sensação de que iria chegar ao título. E o outro género de farronca, que é o de se assumirem como uma espécie de representante nacional na Europa tem custos psicológicos irreversíveis de cada vez que, ultrapassada a fase de grupos da Liga dos Campeões, os portistas são quase festivamente recebidos nos sorteios como os foliões da festa dos gigantes e se vêm em 99% atropelados pelas verdadeiras equipas com estatuto europeu. Enfim, tantos sonho de rei, de pirata e jardineira /pra tudo se acabar na quarta-feira”. Hoje mesmo.