Tesouros Nacionais. As heranças que nos contam histórias

Tesouros Nacionais. As heranças que nos contam histórias


O artigo 161.ª da Constituição consagra como tesouro nacional um bem cuja “respectiva protecção  e valorização,  no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação”. É longa a lista das obras que cabem nesta categoria. E poderia ser ainda mais longa caso episódios como  os terramotos de 1531 e 1755,…


Custódia de Belém 
Museu de Arte Antiga 

A mais célebre obra da ourivesaria portuguesa foi feita por Gil Vicente (possivelmente o autor do Auto da Barca do Inferno), a mando do Rei D. Manuel, com o primeiro ouro trazido de Quilôa por Vasco da Gama. Reproduz os doze apóstolos ajoelhados perante a hóstia consagrada. Sobre eles paira uma pomba oscilante em ouro esmaltado a branco, símbolo do Espírito Santo. No plano superior, está representado Deus Pai, que completa a Trindade e sustenta o globo do Universo. Julga-se que este tesouro nacional esteve para ser fundido, acabando resgatado da Casa da Moeda pelo rei consorte D. Fernando II.

As Tentações de Santo Antão
Museu Nacional de Arte Antiga

O tríptico de Hieronymus Bosch (1450-1516) mostra uma verdadeira visão dos pesadelos do homem medieval, na qual integra os quatro elementos do Universo, o céu, a terra, a água e o fogo. A pintura, datada de 1500, representa a tentação e a solidão do homem justo perante o mal e o diabólico que domina o mundo: Santo Antão, tentado e seduzido pelos demónios, tenta encontrar o caminho para a salvação através da experiência eremítica. O tríptico possui uma atmosfera estranha que sublinha a desolação da paisagem e acentua a inquietante certeza de um domínio generalizado do mal.

 

Baixela do Duque de Aveiro
Museu Arte Antiga

Obra encomendada pelo duque de Aveiro, D. José de Mascarenhas e Lencastre, ao mais célebre ourives da época, Thomas Germain, esta baxela mostra o requinte e opulência dos banquetes numa grande casa nobre portuguesa. Dá conta também do cerimonial do serviço à la française, instituído por Luís XIV em Versailles, nos finais do século XVII, segundo o qual os alimentos eram colocados sobre a mesa em séries sucessivas, designadas cobertas ou serviços. O centro de mesa representa um dos melhores exemplos da produção parisiense setecentista – o conjunto acabou confiscado pelo Rei na sequência do processo dos Távoras.

 

Custódia de D. José 
Sé de Lisboa 

Realizada no século XVIII, a Custódia Barroca da Sé de Lisboa é considerada a mais valiosa peça do Museu Tesouro da Sé Patriarcal de Lisboa. Nela está documentada a história da paixão e ressurreição de Cristo. Mas testemunha sobretudo a riqueza da coroa no tempo de D. José, que a ofereceu à Sé de Lisboa: esta sumptuosa peça de ourivesaria está cravejada de diamantes, rubis, esmeraldas e safiras. O perfecionista ourives Joaquim Caetano Carvalho representou diversas figuras humanas e animais, anjos e a Arca da Aliança, que faz a ligação entre o Antigo e o Novo Testamento. Esta custódia constitui uma das maiores concentrações de riqueza em solo nacional.

 

O Grupo do Leão
Museu do Chiado

Do Grupo do Leão, uma tertúlia de artistas e intelectuais portugueses que se reunia na Cervejaria Leão de Ouro em Lisboa, entre 1881 e 1889, faziam parte figuras como Silva Porto, José Malhoa, Bulhão Pato, Cesário Verde e Fialho de Almeida. E, claro, os irmãos Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro. Este último, em 1895, quis imortalizar o grupo num óleo sobre tela que se tornou uma das mais icónicas pinturas do século XIX português. O Grupo de Leão, onde ainda pontifica o empregado de mesa, Moura Girão, pode ser visto no Museu do Chiado – e quase conseguimos ouvir os comensais a rir e sentir o cheiro do tabaco.

 

O Desterrado 
Museu Soares dos Reis

Embora se tenha tornado um ícone do Museu Soares dos Reis, e do Porto, O Desterrado foi criado em Roma, no ano de 1872. Exibida na 14.ª exposição trienal da Academia Portuense de Belas-Artes, a escultura conquistou a medalha de ouro na Exposição Internacional de Madrid em 1881. A escultura de um homem nu realizada com linhas sinuosas do tronco e dos membros fletidos, o olhar distante da figura e a presença do mar fazem desta escultura, inspirada num poema de exílio de Alexandre Herculano, uma das obras-primas do romantismo português.

 

Apocalipse do Lorvão
Torre do Tombo

Datado de 1189, início do reinado de D. Sancho I, o Apocalipse do Lorvão é uma das raras obras do género sobreviventes da Idade Média portuguesa e um dos primeiros manuscritos iluminados do reino de Portugal. O comentário ao Livro do Apocalipse, último livro do Novo Testamento, que contém revelações recebidas pelo Apóstolo S. João Evangelista, possui 221 fólios em pergaminho. Distingue-se pelo uso de uma paleta de cores limitada, que vai desde o negro, ao amarelo, laranja e vermelho, possuindo ainda ilustrações românicas com influências bizantinas. O texto está escrito em latim, e emprega a escrita gótica da era. O escriba, identificado como Egeas, foi possivelmente o iluminador da obra.

 

Bíblia dos Jerónimos 
Torre do Tombo

Em Abril de 1494 o mercador florentino Clemente Sernigi encomendou à oficina do iluminador Attavante degli Attavanti uma Bíblia para oferecer ao príncipe D. Manuel, então ainda duque de Beja. Por sua vez, já Rei, D. Manuel ofereceu-a ao Mosteiro de Santa Maria de Belém, da Ordem de São Jerónimo. Decorada com riqueza e requinte, a sua qualidade ímpar tem levado especialistas a considerá-la um dos mais extraordinários exemplares da arte do livro no Renascimento.

 

As bolas de sabão 
Museu Calouste Gulbenkian

Neste quadro de 1867, Édouard Manet representou o seu enteado Léon Koelin-Leenhoff, de 15 anos, que faz bolas de sabão a partir de uma calda numa tigela. Mais do que uma brincadeira infantil, as bolas de sabão simbolizavam a efemeridade da vida. Aspetos como o fundo escuro, a simplicidade das formas e a sobriedade da composição foram inspirados numa obra do pintor setecentista Chardin – mas a versão de Manet é indubitavelmente uma das obras-primas da coleção Gulbenkian.

Retrato do Marquês de Pombal 
Câmara Municipal de Oeiras

Sebastião José de Carvalho e Melo, ministro de D. José I, é representado nesta obra no seu gabinete de trabalho, ostentando a insígnia com a Cruz de Cristo. Aos pés do Marquês estendem-se os planos de reconstrução da cidade, depois do terramoto de 1755. Da autoria de Van Loo, este é considerado o retrato mais fiel do estadista, além de altamente simbólico da sua obra. Encontra-se atualmente no gabinete do presidente da Câmara Municipal de Oeiras, no antigo palácio do Marquês, que era também conde de Oeiras.

 

Coleção de moedas gregas 
Museu Calouste Gulbenkian

A coleção de Gulbenkian nasceu no dia em que o pai lhe deu uma recompensa pelos bons resultados que alcançou nos estudos e, com o dinheiro, o jovem de 14 anos comprou no bazar duas moedas de ouro, dois estateres. Essa foi uma paixão que sempre manteve, e a coleção de numismática grega que legou a Lisboa é a melhor que existe no mundo, incluindo verdadeiras raridades. 

 

Painéis de S. Vicente 
Museu Nacional de Arte Antiga

Atualmente em processo de restauro, os Painéis de S. Vicente são considerados o ‘Santo Graal’ da pintura portuguesa. O políptico de Nuno Gonçalves é um caso singular de “retrato coletivo” na história da pintura europeia, apresentando um conjunto de 58 personagens em torno da dupla figuração de São Vicente ou, como defendem outros, o Infante Santo D. Fernando, capturado durante uma expedição militar e morto em Fez em 1443. A data da obra também é disputada: uns dizem1470, outros dados apontam para 1445.

Coche dos Oceanos 
Museu dos Coches

Epítome do luxo ostentatório da época de D. João V, este foi um dos cinco coches que participaram embaixada enviada pelo Rei português ao Papa Clemente XI, em 1716. “Apolo, ladeado pelas figuras da Primavera e do Verão, tem a seus pés dois velhos, o Oceano Atlântico e o Oceano Indico que dão as mãos, simbolizando a passagem do Cabo da Boa Esperança”, explica o museu. Restaurado em 1988, trata-se de uma das peças emblemáticas do Museu dos Coches.

 

Túmulos de Pedro  e Inês 
Mosteiro de Alcobaça

Poucas histórias há tão célebres e dramáticas na História de Portugal como a de Pedro e Inês, digna de uma peça de Shakespeare. Não menos extraordinários, porém, são os túmulos dos dois amantes, talhados em calcário entre 1358 e 1367. Trata-se de duas obras-primas da escultura gótica mundial e podem ser apreciados no cenário apropriado do Mosteiro de Alcobaça. Dos jacentes às rosáceas nos topos, sem esquecer os cães e leões sobre os quais repousam os grandes caixões de pedra, cada detalhe merece ser apreciado.