Heranças. Tributação pode ajudar a equilibrar desigualdades

Heranças. Tributação pode ajudar a equilibrar desigualdades


A OCDE propõe que países aumentem receitas (e diminuam desigualdades) através da tributação das heranças e das doações. Há quem se oponha. Em Portugal, herdeiros diretos estão isentos de pagar qualquer taxa.


A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) considera que tributar heranças e doações pode permitir aos países aumentar receitas e diminuir desigualdades sócio-económicas, conclui um estudo sobre “Tributação de heranças nos países da OCDE”, ontem divulgado. A discussão volta a estar em cima da mesa na sequência do cenário de crise provocado pela pandemia de covid-19 que, segundo as previsões, vai “colocar os países sob forte pressão”. As contas são fáceis de fazer: a OCDE alerta que 10% das famílias mais ricas detêm metade de toda a riqueza dos 27 países para os quais a organização tem dados disponíveis. Ou seja, o facto de muitos países isentarem de impostos heranças de familiares diretos e as baixas taxas de natalidade têm vindo a contribuir para aumentar a concentração de riqueza – uma tendência que se pode agravar, resultando em maiores desequilíbrios.

A OCDE defende, por isso, que a aplicação de taxas nas heranças e nas doações – quando estão em causa montantes e patrimónios de valor mais elevado – podem desempenhar “um papel relevante neste contexto” de equidade (além de poder ser uma forma de os países aumentarem a receita através custos de eficiência e administrativos mais baixos em relação a outras soluções, e ter ainda o efeito de encorajar os herdeiros a trabalhar e a poupar mais).

A dificultar a aplicação da regra está a recorrente oposição de quem designa o expediente de “imposto sobre a morte”. “É a classe média que se opõe a um imposto que a classe média não paga”, afirmou o diretor de política e administração tributária da OCDE, Pascal Saint-Amans, na sessão de apresentação do relatório.

Apesar das propostas, a OCDE alerta que a diversidade de regimes em vigor nos diferentes países e a necessidade de ter em conta as diferentes situações (como heranças, doações em vida, quantidade de bens, a riqueza dos destinatários ou a carga fiscal de outros rendimentos) obriga a que a tributação destas situações seja “cuidadosamente” definida de forma a que se possam atingir os objetivos de aumentar a receita, sem que se percam de vista outras vertentes.

De acordo com o documento, a receita dos impostos sobre sucessões e doações representa, neste momento, em média, 0,36% da receita total dos países da OCDE; e se considerarmos este valor apenas nos países em que se cobra impostos desta natureza então a média aumenta para 0,51% da receita total.

Das várias soluções apresentadas pela OCDE, surge um conjunto de linhas gerais de caráter fiscal que, em primeiro lugar, têm em conta a realidade específica de cada país, nomeadamente o nível de desigualdade, a capacidade da administração fiscal para agilizar novas soluções fiscais nesta área e a tributação de outros rendimentos como os de capitais.

Como ponto de partida, o documento aconselha que os países com taxas de tributação do rendimento pessoal mais baixas poderiam ter taxas de tributação sobre heranças mais elevadas.

A OCDE sugere ainda a criação de uma base tributária vinculada à riqueza que vai ser recebida pelos destinatários, e não a quem deixa a doação – evitando, desta forma, situações de planeamento fiscal em que a pessoa possa transferir para um herdeiro o seu património ainda em vida. 

Outra proposta diz respeito à natureza da relação entre quem dá e quem recebe. AOCDE considera que “devem ser evitados” sistemas que isentam de imposto as doações que têm por beneficiários familiares diretos, mas que depois tributam de maneira mais “pesada” as que se destinam a familiares mais distantes (evitando também assim a concentração de riqueza por aqueles que são mais próximos dos doadores).

E em Portugal? A ideia da OCDE poderá ser uma boa opção para ajudar a pagar a crise. Mas em Portugal não seria uma ajuda assim tão grande. A não ser que as taxas sejam mudadas. Isto porque, no nosso país, as heranças são tributadas em Imposto de Selo (IS) apenas para os herdeiros que não os legitimatários. Ou seja, filhos, cônjuges (ou união de facto), avós, filhos e netos. Os restantes são obrigados a pagar uma taxa de 10% de Imposto de Selo.

Assim, entre os 27 países analisados pela OCDE, Portugal aparece na lista daqueles cuja receita fiscal resultante da herança é nula. “Vinte países arrecadam menos de 0,25% na tributação total dos impostos sobre herança, propriedades e doações, e a receita é zero em oito países (Austrália, Estónia, Israel, México, Nova Zelândia, Portugal, República Eslovaca e Suécia)”, lê-se no relatório. 

Mas há mais: Portugal está também entre os países da OCDE em que o cônjuge está totalmente isento de imposto. No caso dos filhos, apenas seis países – onde também se inclui Portugal – a isenção de imposto também é total.

No grupo onde Portugal se insere, o valor das heranças aumenta com a riqueza das famílias, diz a OCDE.

O relatório da OCDE não deixa margem para dúvidas: “A riqueza líquida parece estar fracamente ligada às taxas brutas de poupança das famílias. Dois países tiveram taxas de poupança negativas (Grécia e Portugal) e ambos registaram reduções na riqueza líquida, nos preços das habitações e da ações”. 

Ora, diz a OCDE que as famílias de riquezas menores recebem heranças proporcionais, o que significa que são também mais pequenas. As heranças foram maiores em termos relativos para as famílias no segundo quintil de riqueza em Espanha (95,6% da riqueza líquida), Itália (52,4%) e Áustria (48,4%) mas, do lado contrário, foram menores no Luxemburgo (7,4%), Portugal (15,4%) e Letónia (17,2%).

No que diz respeito à parte da população que reportou ter recebido uma herança ou uma doação substancial – em 2015 ou no último ano disponível –, em Portugal pouco mais de 30% tinha reportado.