Carga fiscal. “Os mais atingidos pela crise foram os pobres”, diz César das Neves

Carga fiscal. “Os mais atingidos pela crise foram os pobres”, diz César das Neves


Carga fiscal em 2020 representou 34,8% do PIB. Trata-se de um recorde no país. No entanto, é a oitava mais baixa entre os 27 Estados-membros da União Europeia.


A carga fiscal caiu 4,7% em termos nominais, atingindo 70,4 mil milhões de euros, o que corresponde a 34,8% do PIB (34,5% no ano anterior). Os dados foram revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). “Portugal manteve em 2020 uma carga fiscal significativamente inferior à média da União Europeia (-3,8 pontos percentuais, p.p.)”, acrescentou o gabinete de estatísticas.

Contactado pelo i, João César das Neves garante que “os valores da carga fiscal andam exagerados há 10 anos, porque o Estado, em vez de fazer reforma das suas despesas, prefere sacrificar a economia”, acrescentando que “isto tornou medíocre o crescimento dos últimos anos e até se reforçou no ano de queda, em 2020”.

De acordo com o economista, a razão desta subida do peso dos impostos “está no forte impacto da crise sobre a desigualdade”, referindo que “os mais atingidos pela crise de 2020 foram os pobres, que não pagam impostos e, por isso a receita fiscal caiu menos que o PIB”.

Henrique Tomé, analista da XTB, lembra que a carga fiscal em Portugal aumentou no último ano, “apesar de ser a oitava menor em comparação com os restantes 27 países da União Europeia. Não obstante, estes sucessivos aumentos continuam a retirar poder de compra às famílias, acabando por prejudicar o crescimento económico no país”. Tomé acrescenta que já era expectável este peso no Produto Interno Bruto (PIB) e lembra que “o peso nas famílias é significativo e acaba por prejudicar o poder de compra das mesmas. O consumo é fundamental para estimular a economia, mas, quer seja impostos diretos ou indiretos, acabam por reduzir o poder de compra das famílias e empresas e acabam por se refletir também na evolução do PIB”, diz ao i.

Recorde-se que, a estimativa preliminar do INE, divulgada no final de março, já apontava para uma carga fiscal na ordem dos 34,8% do PIB. Na altura, o gabinete de estatística disse que a carga fiscal, que inclui receita de impostos e contribuições efetivas, foi de 70377 milhões de euros.

É de referir que o conceito de carga fiscal define-se pelos impostos e contribuições sociais efetivas (excluindo-se as contribuições sociais imputadas) cobrados pelas administrações públicas nacionais e pelas instituições da União Europeia.

No entanto, a medida em percentagem do PIB, a carga fiscal registada em 2020 é a mais elevada de sempre, sendo que os valores divulgados pelo INE no final de março reviram em baixa o anteriormente projetado para 2019, que recua de 34,8% para 34,5%.

Receitas caem De acordo com os dados do INE, a receita com impostos diretos diminuiu 3,7%, refletindo sobretudo a evolução da receita do imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (IRC) de -17,9%. No entanto, “pelo contrário, a receita do imposto sobre o rendimento de pessoas singulares (IRS) cresceu 3,1% refletindo nomeadamente as medidas de proteção do emprego e das remunerações no contexto pandémico. Por razões semelhantes, as contribuições sociais efetivas mantiveram uma variação positiva (1,2%)”, refere o gabinete de estatísticas. 

Também os impostos indiretos registaram um decréscimo de 9%, lembrando que “constituíram a componente que mais contribuiu para a redução da receita fiscal”. E essa tendência verifica-se nos decréscimos nas receitas com o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (-6,1%), com o imposto de selo (-4,1%), com o imposto municipal sobre imóveis (-1,7%) e com o imposto sobre o tabaco (-0,6%). “A redução mais significativa (-39,8%) ocorreu na receita com o imposto sobre veículos que regressou ao nível de 2014”, acrescenta a agência de estatísticas.

César das Neves lembra que “como a crise foi causada pelo confinamento, os impostos indiretos que só se cobram em pagamentos, caíram mais fortemente”, acrescentando que “a surpresa está nos impostos diretos e contribuições sociais, que foram adiados pelas moratórias, e mesmo assim subiram em percentagem do PIB. No entanto, como os salários estiveram sustentados pelo layoff, a retenção na fonte continuou a funcionar”.

Também o analista da XTB garante ao i que “as diferenças foram mais notórias nos impostos indiretos que registaram uma queda na ordem dos 9% em 2020, acabando por representar uma queda muito superior aos impostos diretos”, referindo que “esta redução pode ser justificada pela redução do consumo por parte dos consumidores durante a pandemia”.

Raio-x Vamos a números. O Fisco arrecadou menos com o IVA, devido à queda abrupta do consumo privado e com o IRC. Exemplo disso são as medidas introduzidas para não se taxar as empresas com base nos lucros de anos anteriores, os quais não deveriam repetir-se em 2020. “Uma das medidas de auxílio às empresas para resistirem aos efeitos adversos da pandemia COVID-19 foi a suspensão e/ou isenção dos pagamentos por conta”, recorda o INE. Já a receita com o IRS e as contribuições sociais (TSU) aumentou em ano de pandemia.

Por seu lado, a receita do IVA caiu 1994 milhões de euros e a do IRC contraiu 1129 milhões de euros, num total de 3123 milhões de euros — a restante queda deve-se a outros impostos indiretos. Feitas as contas, esta quebra do IVA e IRC acabou por ser compensada com o crescimento da receita de IRS em 419 milhões de euros e da TSU em 237 milhões de euros. “Esta evolução positiva apesar da contração da atividade económica esteve associada a medidas de política económica visando minorar o impacto no emprego e nos salários da pandemia, como o regime de layoff simplificado“, explica o INE.

Os números revelam assim que a subida na receita com IRS não foi suficiente para atenuar, do lado dos impostos diretos, a quebra com o IRC, o imposto exigido aos rendimentos das empresas, cujas receitas caíram 17,9% para quase 5,2 mil milhões de euros.

Média europeia vs perspetivas A média europeia da carga fiscal é de 38,6% do PIB. Portugal regista assim a oitava menor carga fiscal entre os 27 Estados-membros da UE, abaixo de Espanha (36,6%), Grécia (38,6%), Itália (42,8%) e Dinamarca (47,5%).

De acordo com o Programa de Estabilidade (PE) para 2021/2025, divulgado em abril, em que são apresentadas as novas projeções macroeconómicas do Governo para o corrente ano e seguintes, estima-se que a carga fiscal recue quase um ponto percentual entre 2020 e 2021, baixando de 34,6% do PIB para 33,7%.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, referiu, a propósito de a carga fiscal ter registado em 2020 o valor mais elevado de sempre, que tal se explica pelo facto de a atividade económica ter descido mais do que a receita fiscal e contributiva.