A Quinta dos Ingleses 60 anos depois


Se querem mesmo proteger a Quinta dos Ingleses, recomendaria aos opositores do projeto algum realismo: deixem de falar da Quinta dos Ingleses como um “pulmão” ou uma “zona de grande valor – que infelizmente não é.


Neste dia, precisamente há uma semana, fui ouvido na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, no âmbito de um Projeto de Resolução do PAN que recomenda ao Governo que proteja a Quinta dos Ingleses em Carcavelos. Projeto legislativo ao qual, dias mais tarde, se juntaria o Partido Socialista. Iniciativas que eu apoio e saúdo porque levam a discussão do Plano de Pormenor de Carcavelos Sul (PPERUCS) para o lugar onde ele há muito deveria estar: a Assembleia da República. Como enfatizei aos deputados, a Quinta dos Ingleses deixou de ser uma questão de opção política desde os anos 80. É uma questão legal. Só o Parlamento e o Governo têm poder para desfazer um nó criado pelo Estado Central há mais de seis décadas. Graças a esse erro com 60 anos, os cascalenses podem ter de suportar uma pesada fatura de 300 milhões de euros de indemnizações a privados, a quem noutra vida foram entregues os direitos construtivos nos terrenos de Carcavelos.

Tornando curta a longa história, a Quinta dos Ingleses é um espaço com 54 hectares na frente mar de Carcavelos, que compreende 8 hectares do Colégio St. Julian’s e 16 hectares de zonas de mato e outros terrenos expectantes. Por despacho do então ministro Arantes e Oliveira, no longínquo ano de 1961, foi aberta a porta ao desenvolvimento urbanístico da Quinta dos Ingleses. O primeiro loteamento, em 1982, estipulava 2118 fogos e prédios com 14 pisos. Executivos do PSD (Helena Roseta) e PS (José Luís Judas) confirmariam ou agravariam estes números em diversas peças de planeamento urbanístico (de que o Plano de Pormenor proposto e aprovado pelo PS é o pior exemplo), refletindo um espírito desenvolvimentista que, aos nossos olhos, é inaceitável. Como o plano sempre foi mau, protelou-se a sua execução. O privado levou o assunto para a barra dos tribunais em 1999, iniciando uma longa litigância na justiça – que chega os dias de hoje como uma espada de Dâmocles de 264,31 milhões de euros (mais juros) a pender sobre a cabeça do município e os bolsos dos contribuintes.

Assumo a presidência da Câmara em 2011 com a consciência de que o PPERUCS é uma bomba relógio: se for executado pela Alves Ribeiro é péssimo; se não for executado, temos de alocar quase três orçamentos municipais a indemnizações e ainda corremos o risco de, cumulativamente, ver repostos os índices construtivos de 1982. Exemplo clássico de como a política não é um horizonte de escolhas livres e não condicionadas. A política não é uma tela em branco. Por erros cometidos no passado, as minhas equipas não tiveram escolha. Trabalhámos para criar soluções alternativas. Em 2013, apresentámos um novo Plano de Pormenor de Carcavelos Sul que foi aprovado e validado eleitoralmente depois de um dos processos mais participados e escrutinados de sempre.

O Plano de Pormenor em que trabalhei não é a melhor solução. É apenas o melhor plano possível atendendo às circunstâncias. É o Plano que melhor equilibra as questões ambientais e de sustentabilidade. É o Plano que melhor promove a coesão territorial e o desenvolvimento de Carcavelos-Parede, e de todo o concelho a partir da sua zona oriental. É o Plano que melhor defende as políticas urbanísticas, cortando a direito no número de fogos e no número de pisos para habitação, ao mesmo tempo que aumentou as áreas para comércio, serviços, restauração e, sobretudo, parques. Só o futuro Parque Urbano ocupará mais de 1/5 da zona de intervenção total. É o plano que melhor compagina o interesse dos privados (convém não esquecer que os terrenos são privados, não são públicos) e o interesse dos cidadãos.

Em resumo, é o melhor plano dentro das circunstâncias. A própria CCDR-LVT, na mesma comissão em que participei, menciona a “redução brutal” de carga construtiva, de cérceas e de volumetrias operadas no plano. Onde antes se erguiam 14 andares, passam a ser cinco ou sete (na zona mais afastada do mar, junto à estação). Habitações aos milhares foram reduzidas para 900. E os usos foram alterados para compaginar visões de desenvolvimento sustentáveis.

É muito fácil e popular dizer-se que se quer um grande parque verde para toda aquela área. Como presidente de Câmara que mais investiu em zonas verdes, que mais tem feito por colocar a sustentabilidade no topo da agenda política, não acredito que alguém o deseje mais do que eu. Mas se querem mesmo proteger a Quinta dos Ingleses, recomendaria aos opositores do projeto algum realismo: deixem de falar da Quinta dos Ingleses como um “pulmão” ou uma “zona de grande valor – que infelizmente não é. Não sou eu que o digo, é o ICNF em sede de comissão: a Quinta dos Ingleses não está inserido numa área classificada como protegida, nem na rede Natura 2000, nem é submetido ao regime florestal, porque não existem espécies de fauna e flora nem de habitat prioritário que tenham sido referenciadas como existentes.

Como dizia no princípio, esta não é uma questão de opção política. É de natureza legal. Queremos mais áreas verdes em Carcavelos? Mude-se a lei. Não queremos construção em Carcavelos? Mudem-se as leis. Um novo plano exige novas leis.

Apelo aos deputados para que sejam consequentes com os seus projetos de resolução e deem ao governo os mecanismos financeiros, orçamentais e legais que protejam a Quinta dos Ingleses.

A política não se compraz em revoluções que atropelam os direitos não é feita em telas brancas. A Quinta dos Ingleses pode vir a ser efetivamente um pulmão e não uma zona de abandono. Um parque verde de grande dimensão. Essa visão, porém, não é exequível com as leis em vigor nem com as demagogias populistas de alguns supostos opositores.

Antes de mudar o plano, teremos de mudar a lei. Essa não é uma competência da Câmara Municipal. A nós coube-nos aplicar a Lei. E fizemo-lo da melhor forma possível no plano atual: diminuindo a construção em 60%, dobrando as áreas verdes, quebrando para metade a altura dos prédios. Protegendo os cascalenses da guilhotina de mais de 300 milhões de euros e de um plano de massificação.

Termino como comecei: o PPERUCS está no lugar onde há muito deveria ter chegado. Até que o Parlamento se pronuncie, e na expectativa de que venha a ser aprovado o Projeto de Resolução nº1245/XIV, o processo não avançará nem mais um milímetro na Câmara de Cascais.

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira