Nos anos sessenta/setenta, Raul Solnado, na sua imensa graça, costumava contar a piadinha de sair de Lisboa para o Porto pela autoestrada até Vila Franca de Xira, onde depois se costumava perder por vias nacionais inusitadas e só voltar a encontrar a dita autoestrada nos Carvalhos, já perto do Porto.
Era o que havia naquela época.
No advento do lançamento do programa de autoestradas em Portugal, nos anos oitenta, o troço que liga Castelo Branco à Lardosa estava bastante degradado e o Governo de Cavaco Silva naquela época não hesitou: que se faça já em perfil de autoestrada, pois o país necessita de estradas para o futuro e não para o passado.
E assim se procedeu, no oposto do que está a acontecer com a via férrea, que mais parece um objetivo de modernização sem pressa e para os próximos cem anos, conservando o que ainda subsiste do tempo do Rei D. Carlos que inaugurou no final do século 19 a linha da Beira Baixa, designadamente o troço Lisboa/Covilhã.
Foi então desta mesma linha que, em 2009, o Governo Social/Socrático encerrou, o troço entre a Covilhã e a Guarda.
Decorreram anos e anos até serem lançadas as obras de recuperação deste troço.
Tal como no caso da autoestrada, já em via dupla, eletrificada? Não, exatamente com o mesmo perfil transversal, mantendo-se uma só via, eletrificada.
Conclusão …
O comboio à época do lançamento dos trabalhos, para fazer os 45 kms de via férrea, demorava 75 minutos: isto é, circulava a 36 kms/hora.
Esta semana reabriu a linha, 77 milhões de euros depois de obras de recuperação.
E então como ficámos ?
Para fazer os mesmos 45 kms de distância no troço Covilhã/Guarda, o tempo será hoje de 40 minutos, isto é, passou-se a circular a 67,5 kms/hora.
Aqui chegados, importa-nos perguntar em que outro país europeu, um Governo que prezasse os recursos financeiros que utiliza, não projetaria este troço em via dupla eletrificada, para velocidades médias de 100/120 kms, independentemente do estado da restante via da Covilhã até ao Entroncamento?
Não foi o caso português que assim dá uma triste ideia da falta de grandeza para projetar um país do futuro.
A ambição para uma linha estruturante das ligações com a Europa (por Vilar Formoso) fica a metade da velocidade média em Espanha: do nosso lado em via única a 67,5 kms/hora.
Sendo certo o caráter estratégico/alternativo desta linha, para penetração do tráfego rodoviário no sul e vale do Tejo, em caso de bloqueio da linha da Beira Alta.
A consciência desta realidade, infelizmente, não enforma o ministro das Infraestruturas, designadamente da TAP e dos comboios, que esteve presente na celebração dos 67,5 kms/hora no Guarda/Covilhã e terá dito que esta era a justiça a prestar às populações.
Neste governo há então duas justiças ferroviárias:
a) no Lisboa/Guarda, temos hoje a “modernização” das 4h54 para 260 kms de distância, ou seja 53 kms/hora.
b) no Lisboa/Porto, ergue-se a promessa de 75 minutos para 320 kms, isto é, qualquer coisa como 290/300 kms/hora;
De acordo com o governante, o investimento nesta nova linha ferroviária, avaliado em cerca de 4500 milhões de euros, traz múltiplos benefícios.
“Não é só reduzir o tempo de viagem entre o Porto e Lisboa para 1h15. É colocar Leiria a 35 minutos de Lisboa, Coimbra a 35 minutos do Porto, Braga a duas horas de Lisboa.
Todo o território que se encontra ao longo da faixa Atlântica fica, no máximo, a um par de horas”, assinalou o ministro que considera mesmo que este projeto ferroviário “é uma revolução na estrutura do território e no tipo de relações pessoais, familiares e económicas que se podem estabelecer”.
Imagina-se outro Governo na Europa, da Polónia à Bélgica, da França à Alemanha a ligar duas cidades no centro da ambição de se desenvolverem, com uma linha ferroviária inaugurada a 6.set.1891, para passar em 2021 para 67,5 kms/hora ?
Os investimentos públicos em Portugal, com raríssimas exceções, são a vergonha de um país ziguezagueante, sem ambição, injusto, de futuro muito incerto.
Este, o último e mais acabado exemplo a que só uma agenda mediática manipulada não dá a projeção exigida; ao exemplo de um provincianismo cosmopolita este, da recreação do novo comboio do passado.
Jurista