“Vivemos um dia de cada vez. O desconfinamento é uma luz ao fundo do túnel mas o que está para trás não pode ser apagado”. A garantia é dada por Rui [nome fictício] que trabalha no setor dos eventos. Ao i, garante que “a pandemia trouxe consigo um impacto muito negativo” uma vez que foram cancelados ou adiados milhares de espetáculos.
A comprovar este desespero está o mais recente estudo da Fixando que a atualidade e o futuro do setor terciário no âmbito da pandemia, o primeiro lugar é ocupado pelo setor dos eventos com “quebras drásticas” na ordem dos 765 milhões de euros, bem como um decréscimo superior a 85% nas transações.
Estes números são a “consequência das restrições rigorosas que nunca foram levantadas” em relação a este setor e que, em alguns casos, resultaram “na falência e encerramento de vários negócios”, diz Rui que, confrontado com estes dados, não se mostra surpreendido. “Foram cancelados ou adiados tantos eventos a nível nacional que não lhes sei fazer a conta”, diz. “E mesmo com as restrições mais rígidas a serem levantadas, a verdade é que muitos eventos, por precaução dos seus organizadores, já foram adiados para o próximo ano”, acrescenta. Rui lembra que há muitos que ainda vão realizar-se até ao fim do ano, o que é positivo, uma vez que “é já um crescimento face ao ano anterior, mas muito longe de 2019 ou outros anos”.
Questionado sobre a retoma do setor, atira: “É um dia de cada vez. A cultura foi um dos setores mais afetados e, consequentemente, nós também. Mas se conseguirmos a imunidade de grupo brevemente, acho que vamos poder respirar de alívio. Quem sabe? Estamos expectantes, mas cautelosos, com o verão deste ano”.
A verdade é que, segundo a Fixando, apesar destas perdas dramáticas, a Fixando projeta que, ainda no verão deste ano, o “verdadeiro vencedor” seja exatamente o setor dos eventos.
“É um setor que, só no primeiro mês de desconfinamento, registou um crescimento de 71%. Ainda assim, a redução da ocupação dos espaços de eventos para apenas 25% da lotação máxima, poderá traduzir-se num aumento de preços por pessoa no setor, nomeadamente no que diz respeito às quintas e espaços para festas, cujo preço médio caiu apenas 20%, não tendo por isso, acompanhado a redução do número de convidados”, diz Alice Nunes, diretora de novos negócios da Fixando.
E no setor terciário, não foram apenas os eventos que perderam. Segundo o estudo, também os serviços domésticos mostram uma redução de 40% no número de clientes “resultado da insegurança sentida por parte dos portugueses ao abrirem as portas das suas casas a elementos fora do agregado familiar”.
Maria, que faz limpezas em casa de outras pessoas, não perdeu clientes mas assume uma mudança grande na forma de trabalhar. “Tinha um dia específico por semana para limpar uma casa mas a dona da casa pediu para limpar apenas quando ela não estivesse presente. É para evitarmos o contacto, eu percebo”, começa por contar.
Assim, Maria recebe uma chamada da ‘patroa’ um ou dois dias antes para saber quando pode ir trabalhar. “É mais complicado para mim porque tenho que ir organizando a minha vida praticamente dia a dia, uma vez que nunca sei com muita antecedência quando a patroa precisa de mim”, diz ao i.
Além disso, apesar de nunca ter perdido nenhum emprego, a carga de trabalho diminuiu muito. “Tenho outras casas onde vou, sei lá, uma vez por mês. Como os proprietários estão em teletrabalho e passam mais tempo em casa, muitas vezes preferem ser eles a limpar e eu vou só quando é para fazer uma limpeza mais a fundo”. Na verdade, não perdeu nenhum emprego mas o ordenado acaba por levar um corte. “Ao fim do mês o dinheiro não é o mesmo porque acabo por trabalhar menos horas e menos dias”.
Uns perdem, outros ganham. mas até quando? Mas a pandemia não podia ser madrasta para todos. Para muitos, acabou mesmo por ser uma oportunidade de negócio ainda maior, tendo trazido mais clientes. Diz a Fixando que, apesar de ter sofrido uma quebra inicial, o setor do bem-estar registou um boom face ao primeiro confinamento e conseguiu crescer 342%, “numa altura em que quase tudo pode ser feito online”.
Também as áreas da psicologia e personal training (PT) registaram um crescimento na ordem dos 695%, exatamente devido à adaptação do online e da preocupação, por parte dos consumidores, em ter um estilo de vida mais saudável, principalmente devido aos muitos meses que passaram fechados em casa.
Uma pequena pesquisa pela internet permite-nos perceber que são várias as ofertas para aulas online com personal training e, quem tem redes sociais, consegue perceber que estas aulas são cada vez mais frequentes. Podem ser online ou, em muitos casos, o PT desloca-se a casa da pessoa.
Nuno Couceiro é preparador físico e professor de educação física em Oliveira do Hospital e, com a pandemia, a perda de clientes foi notória. No entanto, as aulas online passaram a ser uma realidade até porque há sempre quem não dispense o exercício e a ajuda de quem sabe o que está a fazer.
O aumento na procura de aulas via internet é justificado por Nuno como “uma questão de segurança”. “Os ginásios são locais mais expostos e com mais gente”. A “comodidade” é também uma justificação.
Esta é uma tendência que veio para ficar? O preparador físico acredita que não. E justifica. “Penso que as aulas online vão perder algum espaço porque apesar da comodidade que é treinar em casa, acaba por ser mais impessoal e a correção dos erros é bastante mais complicada no online”, diz ao i.
Além disso, também o setor da assistência técnica também subiu, tendo registado um aumento de 150% quando comparado com os valores pré-pandemia. A justificação desta subida prende-se com o facto de os portugueses passarem mais tempo em casa e darem mais uso aos seus eletrodomésticos.
No entanto, a plataforma lembra que, com o desconfinamento e o levantamento de restrições “num primeiro momento, uma aceleração na procura de serviços que foram adiados devido à pandemia, como é o caso dos serviços relacionados com eventos”.
Ainda assim, poderá levar a uma quebra na procura dos serviços que foram indispensáveis apenas em altura de confinamento e que, com a abertura total do país, passarão para um segundo plano.
Online como salvação Não é novidade que o online tem sido aproveitado por muitas empresas para que consigam colmatar as perdas decorrentes da pandemia de covid-19. Miguel Mascarenhas, CEO da Fixando, não tem dúvidas: “É crucial que o mercado online seja levado mais a sério, que haja uma maior aderência à transformação digital das empresas e que exista aqui um maior investimento neste sentido”.
Até porque, garante a plataforma de contratação de serviços em Portugal, “os novos modelos de negócio, que permitiram, em muitas situações, combater o desemprego e a falência de vários prestadores de serviço, têm tido uma ampla aderência por parte dos consumidores, que, ainda que tudo volte ao normal, continuarão a preferir este método de compra”.
Alice Nunes acrescenta ainda que estima-se que, neste momento, 63% dos profissionais registados na Fixando tenham opções de serviços online. “Tendo em consideração que, no último ano assistimos a mudanças estruturais nos hábitos de consumo, projetamos que, para uma percentagem considerável dos consumidores, os serviços online continuem a ser a escolha preferencial, graças à segurança e à flexibilidade de acesso que trouxeram para o mercado dos serviços”, conclui.