No seu estilo muito inglês, a notícia rebentou ao início da tarde: “Mourinho has been sacked!” Despedido com ponto de exclamação mas com palavras apaziguadoras do presidente do clube, Daniel Levy: “José e a sua equipa técnica estiveram connosco em alguns dos mais interessantes momentos do clube. Pessoalmente, gostei de trabalhar com ele e sinto pena por não termos atingido alguns objetivos a que nos propusemos”.
Dois jornalistas ingleses com quem falei garantiram que o copo transbordou no dia em que o Tottenham foi derrotado por 0-3 em Zagreb pelo Dínamo depois de sair de Londres com o resultado confortável de 2-0 na primeira mão. Toda a direção do clube assumiu que o afastamento da Liga Europa daquela forma foi humilhante para o clube. Junte-se-lhe uma série de exibições medíocres na Premier League – que chegou a comandar nas primeiras jornadas – e a mais do que provável ausência na Liga dos Campeões da próxima época, e percebe-se que o lugar do treinador português tremia mais do que um quadrado de gelatina. Toda a gente sabe que Mourinho nunca foi muito de se chegar à frente para justificar os desaires. Uma série de tranquibérnias foram dadas à estampa, justificando o mal-estar entre o técnico e vários dos seus jogadores, mas não deixa, apesar de tudo, de ser estranho terem corrido com Mourinho nas vésperas de disputar com o Manchester City a final da Taça da Liga Inglesa. Sinal de que, pelos vistos, o ambiente se tornou insuportável e ninguém conseguiu verdadeiramente ultrapassar o trauma de Zagreb.
“No Special”. O futebol é um daqueles mundos voláteis como poucos. Aquele que chegou a Inglaterra e ao Chelsea e se autointitulou de Special One conseguiu que a sua aura de especial durasse seis anos até ao dia em que conquistou a sua segunda Liga dos Campeões após a vitória com o FC Porto em 2004 – levou o Inter à final com o Bayern e ganhou 2-0 em 2010. A sua transferência para o Real Madrid deu brado e valeu um título de campeão espanhol. O problema é que os merengues foram buscar Mourinho para ser campeão da Europa. E nessa rota falhou redondamente.
Se a saída do Chelsea (sacked) ao fim de dois anos e pouco valeu a José uma indemnização de 18 milhões de libras, o despedimento por parte do Real andou pela mesma ordem de valores: 17 milhões. Foi como se uma mina de diamantes surgisse aos pés daquele que deixara de ser especial para encaixar como uma luva na canção de Elton John que reflecte a viagem de a caminhada de Judy Garland a fazer de Nancy até à cidade onde vive o Feiticeiro de Oz percorrendo uma estrada de tijolos amarelos. “Goodbye yellow brick road/Where the dogs of society howl”. Amarelo/ouro como está bem de ver. E não faltarão os cães a uivarem-lhe aos calcanhares.
Desta forma, a somar aos milhões de libras já empochados – 18 em 2007 e 17 em 2012 – somaram-se em seguida 12,5 por novo despedimento do Chelsea, clube ao qual regressara para tentar recuperar a felicidade (e voltou a ser campeão inglês); 15 milhões por ter sido corrido do Manchester United, em 2019 e mais estes 30 milhões que o Tottenham lhe fez o favor de pagar para se ver livre dele no imediato. Um total de 93,5 milhões de libras (108,5 milhões de euros) para ser mandado embora é um número que estará certamente no topo do futebol mundial.
Há uns anos, José Mourinho, numa daquelas tiradas ao seu jeito provocante, afirmou que, em Inglaterra, nunca treinaria uma equipa que não lutasse pelo título. O Tottenham acabou por fazê-lo engolir uma enorme espinha de peixe e resta saber se não terá sido o ponto decisivamente final da sua carreira na Grande Ilha para lá da Mancha. Para já, um dos seus adjuntos, Ryan Mason vai orientando os treinos até que um novo técnico tome conta dos Spurs. Se espreitarmos os primeiros classificados do Campeonato Inglês não vemos em nenhum deles lugar para Mourinho, embora José seja perito em surpresas. Passado o tempo de ser Special One, é altura, se calhar, dispor-se a trabalhar em clubes mais modestos em termos europeus. Mas com o dinheiro que tem, Mourinho ainda que bem se pode dar ao luxo de dizer NÃO.