Isaltino Morais. “Quando uma câmara tem muito dinheiro no banco é mau”

Isaltino Morais. “Quando uma câmara tem muito dinheiro no banco é mau”


Defende que os políticos devem ser bem pagos. Mas ele próprio não recebe salário da Câmara, por estar reformado. “Adoro o poder local”.


Ao fundo do amplo gabinete do presidente da Câmara de Oeiras, do lado oposto à secretária onde se senta, um gigantesco plasma mostra uma imagem do concelho visto do céu. Trata-se de uma ferramenta que ajuda o autarca a fazer o controlo e o planeamento do território.

Se aproximássemos a imagem na zona de Caxias, veríamos o Convento da Cartuxa, que passou recentemente para a gestão da Câmara e onde vai nascer um centro de arte contemporânea. «No dia 10 vamos proporcionar uma visita aos oeirenses para verem o estado em que aquilo está. Daqui a um ano voltamos a convidá-los, para verem o que fizemos», anuncia Isaltino. O projeto de recuperação do convento, onde vão ser investidos 7,5 milhões de euros, é um dos pilares da candidatura de Oeiras a capital da cultura em 2027.

Além do plasma gigante que mostra Oeiras vista do céu, há mais dois grandes ecrãs no gabinete. Um serve para videoconferências, o outro para ver televisão. Mas o espaço continua indiscutivelmente a ser dominado por outra grande tela, ainda de maiores dimensões: o célebre retrato do Marquês de Pombal pintado pelo francês Louis-Michel Van Loo em 1766, que mostra o Mosteiro dos Jerónimos ao fundo e até um pouco de Oeiras, além dos planos de reconstrução da Baixa. «Quando tenho uma reunião em videoconferência com o Fernando Medina aponto a câmara ali para trás», graceja Isaltino Morais. «Ele diz que o quadro devia era estar em Lisboa». Mas o presidente da Câmara de Oeiras acha que a pintura, uma das mais valiosas de Portugal, já viajou o suficiente e garante que não a deixa sair. 

 

O PIB nacional teve uma queda abrupta de 7,6%. Oeiras é o segundo concelho que mais contribui para o PIB. Qual foi o impacto da pandemia nas vossas contas?

Só vamos ver isso no final deste ano. A receita é sempre em função do ano anterior, por isso em 2020 a nossa receita ainda subiu, reflexo de 2019, que foi um ano extraordinário. Em 2021 a receita já está a diminuir.

Já se sente?

Prevemos um impacto [no orçamento da Câmara] no final deste ano de menos 12 milhões de euros.

Isso é muito ou não?

É próximo do reflexo a nível nacional. Aliás, Oeiras é um bom exemplo, porque representa 10% do PIB nacional: tem 25 mil milhões de volume de negócios, excluindo as financeiras. O Porto tem 14 mil milhões. Cascais tem 6 mil milhões, e passa por ser um município rico. Mas há um outro dado ainda mais interessante, que mostra como Oeiras é um case study do ponto de vista económico: o contributo do turismo nacional – e todos sabemos a importância desse setor – é de 18 mil milhões/ ano. Neste quadradinho de 48 km2 e 177 mil habitantes é gerado um volume de negócios de 25 mil – 7 mil milhões de euros a mais do que o bolo total do turismo. Se o PIB cai 7% é natural que tenha reflexo aqui em Oeiras. Pelas nossas contas, o impacto andará na ordem dos 12 milhões, que significam mais ou menos 6% do nosso orçamento.

E esse volume de negócios de 25 mil milhões, também vai ser afetado?

Temos 90% de pequenas e médias empresas e só 3 a 4% são grandes empresas. Mas das 300 e tal maiores empresas do país, cerca de 100 estão em Oeiras. Pelos dados de que disponho, a quebra maior será nas médias e pequenas empresas. Acontece que o core fundamental de Oeiras são as tecnológicas, e essas aumentaram o volume de negócios. Porque a maioria delas estão ligadas às tecnologias de informação, e as vendas na área do hardware e software aumentaram brutalmente.

Isso do lado da receita. E a despesa, aumentou muito?

Digamos que a Câmara Municipal de Oeiras tem uma situação privilegiada…

Tinha uma almofada financeira?

Sim, tínhamos uma almofada financeira significativa. Embora lhe deva dizer que sempre tive para mim que uma Câmara não deve ter dinheiro. Também não deve ter dívidas. Mas quando tem muito dinheiro no banco é mau. Significa que não é capaz de antecipar qualidade de vida. Não concebo que um município tenha milhões no banco…

Os cofres cheios?

…e famílias a viver em barracas. Isto é inconcebível. Mas há disso na Área Metropolitana de Lisboa. Quando fui eleito em 2017, o meu antecessor, Paulo Vistas, tinha 75 milhões de euros no banco. Mas quando cheguei à Câmara não tinha um projeto feito… por acaso tinha um que estava quase terminado, que era a ciclovia empresarial, mas mais nada. O meu antecessor teve esse problema. Há dois tipos de autarcas. Há os que esperam que as coisas aconteçam e há os que fazem as coisas acontecer. Se está à espera que os serviços lhe apresentem os projetos está tramado. Chegamos ao fim deste mandato com muitos projetos em carteira e muitos já foram lançados. Neste momento você dá uma volta no concelho e vê obras por todo o lado. Umas pequenas, outras maiores. Mas até chegar à velocidade cruzeiro demora muito tempo, porque o código da contratação pública é muito rigoroso. A partir do momento em que se domina isso e se entra na rotina as coisas funcionam bem. Só que as Câmaras têm uma dificuldade: quando os técnicos estão habilitados vão-se embora.

Para o setor privado?

A administração pública paga mal. A informática, por exemplo, é hoje fundamental em qualquer organização. A CMO forma-os e eles depois vão-se embora. E vêm outros. O Estado não pode ser pindérico.

Mas se tem o povo todo a fazer sacrifícios…

Isso é a maior demagogia que há.

É?

É. Toda a gente faz sacrifícios.

Uns mais do que outros…

Os políticos são cidadãos como os outros. Veja bem: não se aumenta os políticos porque o salário mínimo é 665 euros. Mas os empresários, os gestores das empresas públicas, esses já podem ganhar 20 mil euros. A democracia é um sistema extraordinário. Qualquer cidadão pode ser presidente da Câmara, qualquer cidadão pode ser primeiro-ministro, qualquer cidadão pode chegar a Presidente da República. Em democracia é assim. Mas, se pretendem políticos qualificados, têm de lhes pagar. Olhe, eu, por exemplo, não tenho ordenado na Câmara neste momento.

Não tem?

Não, porque sou reformado. Não ganho nada da Câmara. E veja bem: eu é que fui acusado de fraude fiscal, e sou acusado de falta de ética. Ainda ontem um jornalista dizia que eu tinha sido condenado por corrupção, a propósito do banho de ética do Rio. Banho de ética? Eu podia ter-me reformado com tempo a dobrar, ainda ganhava da Câmara como muitos colegas meus fizeram. Não me reformei com tempo a dobrar, reformei-me com 39 anos de serviço e podia ter recebido 180 mil euros por reforma das autarquias locais. Nunca o fiz por razões éticas. E depois fui condenado a prisão por fraude fiscal por 18 mil euros. Mas eu é que não tenho ética. Claro que quem corre por gosto não cansa. Eu gosto de ser presidente da Câmara, adoro o poder local. Sinto-me recompensado pelo reconhecimento das pessoas: quando uma velhinha vem ter comigo, eu fico encantado.

Quando era ministro sentiu falta dessa proximidade?

Não tinha nada disso. Tinha até algumas invejas… Eu ia pelo país fora e a malta em vez de me tratar por ministro, tratava-me por presidente. Ainda há dias fui ao bairro dos Navegadores, porque eles fazem uns torresmos muito bons. Tinha havido aquele problema com a polícia [no início de março, um homem agrediu dois agentes da PSP, a que se seguiram confrontos entre os moradores e as autoridades]. No espaço de dez minutos tinha mais de cinquenta pessoas à minha volta. A maior parte deles jovens. E a alturas tantas pergunto: ‘O que é que se passou? Parece que houve aí bulha’. E diz um deles: ‘Presidente não foi connosco, foram os ciganos’. E diz um cigano: ‘É verdade’. Disse lá um nome e contou: ‘Esse sacana apanhou uma bebedeira e deu-lhe para andar às onze da noite com um ferro a bater às portas desta gente toda, de maneira que levou na tromba, e depois chamaram a polícia’.

É um bairro complicado?

Não tem nada a ver com o que se passa nesses concelhos aqui à volta. Temos uma comunidade de uns 300 ciganos, não há problemas. Mas eu sei lidar com eles, falar com eles. Os psicólogos e os sociólogos tratam-nos de uma forma muito paternalista. E ali não é paternalismo. A determinada altura diz-me um deles: ‘Presidente, então e os guarda-costas?’. E eu: ‘Guarda-costas? Mas quais guarda-costas? Há algum problema? Preciso de algum guarda-costas?’. Falo assim com eles. ‘Mas olhe, o Vistas nunca vinha aqui sozinho’. Levei o meu carro particular. Já tem 17 anos, mas é um carro com presença. Quando volto estavam dois encostados ao carro. ‘Ó presidente, você é muito descuidado. Estamos aqui a guardar o carro’. Meto a mão ao bolso. ‘Eu tenho aqui as chaves. Este carro não se leva a lado nenhum sem as chaves’. ‘Já viu o que tem ali?’. Tinha lá o meu capote de Trás-os-Montes. ‘É só partir o vidro, por isso é que ficámos aqui a guardar’. ‘Fizeram bem’.

Disse-me que há obras em todo o concelho. Às vezes as pessoas não se chateiam de estar tudo em obras, de a rua estar fechada, etc.?

Chateiam, mas depois de a obra estar terminada ficam contentes. Isto é como as árvores: quando a árvore está a ser podada, tudo reclama. Mas no ano seguinte, quando a árvore floresceu, está redonda e bonita, já gostam. E hoje assistimos a um fenómeno nas redes sociais que são grupos de pessoas que têm uma visão maniqueísta. Ontem inaugurei um viaduto que vai retirar 20% do trânsito de uma rotunda muito congestionada. Claro que um fundamentalista olha para aquilo e diz: mais um viaduto.

Mais betão.

Mas são os mesmos que defendem a mobilidade. Esquecem-se que se tiramos 20% do tráfego dali estamos a evitar milhares de carros parados, a emitir gases com efeitos de estufa, desperdício de energia… Poupa-se dinheiro às pessoas, poupa-se tempo às pessoas, poupa-se materiais, evitam-se gases com efeito de estufa… Mas, para ter uma ideia, 99% das pessoas que vivem em Oeiras gostam de viver cá.

A resposta à covid não obrigou a adiar alguns projetos?

Para ter uma ideia, fizemos um investimento até agora de 12,5 milhões de euros. Obviamente estes 12,5 milhões não estavam previstos, de maneira que tivemos de fazer duas revisões orçamentais para injetar capital. Como tínhamos essa almofada pudemos fazê-lo, mas pode ter reflexos daqui a dois, três anos.

Que reflexos são esses?

A nossa estrutura financeira tem uma particularidade: nós financiamos o investimento com receita corrente, de maneira que qualquer abalo que tenhamos na receita corrente afeta-nos o investimento.

O ritmo das obras pode abrandar?

Entendi que não devíamos faltar com nada às pessoas. Logo em março do ano passado tomámos medidas de apoio às famílias, às instituições de solidariedade social, aos bombeiros, à polícia, ao SNS, a todos nós acudimos. Muita gente não sabe, mas os primeiros ventiladores que chegaram a Portugal foi Oeiras que os encomendou. Antes do Governo. Até porque os do Governo chegaram cá e não serviam, e ainda não estão todos a funcionar.

E os vossos?

Impecável. Funcionaram logo. Encomendámos 32 ventiladores, 24 foram entregues ao hospital S. Francisco Xavier, que fez a distribuição pelo SNS, e depois mandámos dois para cada país de expressão portuguesa: dois para Angola, dois para Moçambique, dois para a Guiné… só para Timor é que não mandámos.

Isso foi uma operação de charme?

Não foi uma operação de charme, foi uma necessidade. Quer o ACES (Agrupamento de Centros de Saúde) de Lisboa Ocidental, quer o S. Francisco Xavier, quer o Hospital de Santa Cruz [Carnaxide] nos fizeram sentir que tinham essa necessidade. E estavam em causa também os nossos munícipes. Depois adquirimos tudo o que tem a ver com equipamento de proteção: máscaras, luvas, batas, isso tudo.

Para pôr nos centros de saúde?

Nos centros de saúde, nas prisões do concelho, no hospital S. Francisco Xavier, no hospital de Santa Cruz, nos bombeiros, na polícia, etc. Tínhamos também dois ou três hotéis à nossa disposição – e ainda temos – para médicos, enfermeiros, bombeiros, polícias que, com receio de contaminarem a família, não queriam ir a casa. Aqueles que estavam contaminados também faziam a quarentena em hotéis aqui no concelho. E todos os idosos do concelho receberam refeições confecionadas, distribuímos até agora 500 mil refeições, além de comida para confecionar, cabazes e medicamentos. Uma das últimas medidas que tomámos foi aquecimento. Percebemos que havia idosos poupados que passavam frio e com mais de 80 anos o frio pode matar, tomámos essa medida e mais de 3 mil idosos beneficiaram.

Pagaram as contas de eletricidade?

A Câmara dava-lhes 150 euros para pagarem a eletricidade. Agora instalámos o centro de vacinação – 400 mil euros. Em oito dias instalámo-lo. Está a funcionar primorosamente. Ontem iniciámos os testes em massa, um acordo que fizemos com as farmácias. Agora vou dizer-lhe outra coisa: estas ocasiões são muito propícias ao exacerbar de instintos de solidariedade…

Trazem o melhor das pessoas ao de cima?

E o pior. Querem ajudar e então surgem ideias que são contra o que eu considero a dignidade da pessoa humana. Há coisa de um ano surgiu aquela ideia peregrina das caixas solidárias.

‘Leve o que precisa, deixe o que não faz falta’.

E é engraçado porque um dia à noite chego a casa e comento com o meu filho de 18 anos: ‘Andam agora aí com umas ideias, chamam-lhe caixas solidárias. Acho isto uma coisa tremenda. Dizem que é para a pobreza envergonhada… As pessoas deixam lá qualquer coisa e um tipo pela calada da noite vai buscar a comida’. E diz o meu filho para mim: ‘Papá, isso é uma coisa de um filme de terror, o Walking Dead’. Eu nunca tinha visto aquilo. ‘Então mostra-me lá isso’. Foi à Netflix e pôs o tal filme. No dia seguinte cheguei aqui à Câmara e fiz um comunicado contra as caixas solidárias, que acho uma indignidade. A própria Igreja estava metida nisso. A Câmara de Cascais fabricou e pôs na rua as caixas. Eu aqui recusei!

Porquê? A Câmara tem de ter o monopólio da solidariedade? As pessoas não podem mobilizar-se para ajudar?

Podem e devem, é muito bonito. Mas uma instituição aqui no concelho, uma IPSS, a dada altura fez um comunicado a dizer que estava a fazer 500 refeições por dia para dar a pessoas carenciadas, e precisava de géneros. E eu imediatamente reagi por escrito. Sabe quem estava a pagar as 500 refeições? A Câmara. A Câmara é que estava a pagar essas 500 refeições para distribuir pelas pessoas carenciadas. Se a Câmara estava a pagar as refeições, para que é que precisam dos géneros?! Em situação de pandemia a Câmara dá tudo, cria todas as condições para que nada falte aos munícipes. E não aceito que se diga que há fome em Oeiras. Não admito isso. Com este presidente da Câmara não pode haver. Se há fome digam onde ela está. Não é com a solidariedade das pessoas que se vai resolver o problema da fome. Nesta situação pandémica a Câmara resolve esses problemas todos. Ouça, as caixas solidárias são uma indignidade. Pensar que há famílias envergonhadas da classe média e vão buscar comida onde o cão pode mijar? O país não pode pactuar com isso, e eu não pactuei. E fiz um comunicado violentíssimo e as caixas solidárias em Oeiras acabaram. Nos primeiros oito dias fui muito criticado. Quando as pessoas compreenderam fui elogiado. A solidariedade deve ser organizada. Um destes dias fui tomar um café a um restaurante. E diz-me assim o dono: ‘Nós gostávamos de dar refeições a cinco sem-abrigo por dia’. Eu respondi: ’Acho muito bem’. ‘Então a Câmara pode-nos identificar os sem-abrigo?’. E eu digo: ‘Não. Você conhece algum sem-abrigo aqui em Miraflores?’.

Não há sem-abrigo em Oeiras?

Há doze. Estão todos identificados.

E não querem deixar de o ser?

Não há hipótese. Chama-se erroneamente sem-abrigo. Por exemplo, acho uma demagogia brutal o Presidente da República e outros andarem por Lisboa a dar refeições – demagogia pura. Nós temos dois ou três espaços para sem-abrigo. São normalmente pessoas com doenças mentais. Ou são toxicodependentes, ou são esquizofrénicos ou são alcoólicos. Porque se for uma pessoa com condições para gerir uma casa, em Oeiras nós damos-lhe a casa. O problema é que este país não tem um espaço de acolhimento para pessoas com doenças mentais. O problema é de saúde mental. Preferem tê-los na rua e então fazem aquela caridadezinha, de dar comida, em vez de resolverem o problema, que era construir um abrigo com enfermeiros e terapeutas que tratassem deles. Solidariedade sim, e quando são gestos nobres das pessoas nós aceitamos, a própria Câmara tenta fazer o enquadramento dessas vontades. Até porque repare nisto: no ano passado por esta altura era uma generosidade extraordinária, toda a gente com vontade de participar. Neste momento já se está a assistir ao pior que as pessoas têm. Você vai às redes sociais só vê maledicência.

Costuma ir às redes sociais para se inteirar do que lá se discute?

Vejo, claro, tenho que ver. Mas dou a importância que devo dar. Nas redes sociais que acompanho cinco pessoas parecem 500. Mas também vejo críticas positivas. Ainda ontem apareceu um queixou-se de que tinha uns pedregulhos na rua. Eu mandei logo ver o que se passa. Já no caso do viaduto vi críticas que é de partir o coco a rir. As pessoas acham que é uma inutilidade.

Os restaurantes foram um dos setores mais atingidos. Houve muitos donos de restaurantes que viessem pedir-lhe ajuda?

Vai à próxima reunião de Câmara um regulamento mediante o qual vamos aprovar uma ajuda de três milhões de euros para as pequenas e médias empresas do concelho. Estou convencido de que a maioria dos restaurantes cabem lá. Os restaurantes foram os que sofreram mais, embora muitos se tenham adaptado. Há muitos restaurantes aqui com take-away, alguns até estão com um volume de negócios superior. Há coisas que vão mudar com esta pandemia. Eu tive uma experiência dolorosíssima, como sabe, que foi a prisão. Quando saí da prisão sentia uma ânsia de liberdade extraordinária: liberdade não apenas de movimentos, mas de fruição de coisas boas que temos a que normalmente não damos importância nenhuma. Estar sentado numa esplanada, por exemplo, ver os pardais, as pessoas a passar. De tal maneira que desde que saí da prisão só almoço dentro de um restaurante se for de todo impossível comer lá fora. E a pandemia tem semelhanças à prisão. Para quem estava habituado à liberdade de movimentos, ter de ficar em casa durante um ano inteiro, de repente há uma ansiedade extraordinária de usufruir do espaço ao ar livre. Nesse sentido, acho que esta pandemia veio mudar os hábitos das pessoas de uma forma positiva. Definitivamente as pessoas querem estar ao ar livre, e isso é bom.

Há pouco falava-me da aposta de Oeiras na tecnologia. É engraçado que não o vejo como um homem muito tecnológico, vejo-o mais como uma pessoa voltada para o concreto.

Uma coisa é nós não sermos utilizadores, outra coisa é termos a perceção da importância da tecnologia. Eu sou do tempo do fax. Quando cheguei pela primeira vez aqui à Câmara [tomou posse em janeiro de 1986] havia um fax. E o fax era tão importante que estava no gabinete do presidente. Qualquer fax que se quisesse mandar tinha de ter autorização minha. Foi comigo que foram adquiridos os primeiros PCs. Os primeiros que vieram foi para a contabilidade, depois para a área financeira. Fui falar com os chefes de secção: ‘Vocês têm de trabalhar com isto. Tenham paciência, agora a máquina de escrever é isto’. Por outro lado, uma das primeiras viagens que fiz foi a Silicon Valley. Tive oportunidade de aperceber-me da importância da tecnologia na transformação da vida das pessoas e do território. Ainda agora, com o ensino online, os meninos de Oeiras tiveram todos computadores, tablets e por aí fora. Não faltámos com nada. Posso cortar noutras coisas, mas nunca cortei um euro na área tecnológica.

Hoje fala-se muito de smart cities…

Quando se fala em smart cities em Portugal muitas vezes o que se anda a vender é gato por lebre. Eu, não sendo um utilizador da tecnologia, não sou parvo. E portanto sei perfeitamente que muitas vezes o que querem é vender aplicações. E todos os dias sou encharcado com uma aplicação mirabolante, os sensores da iluminação pública, sensores para os contentores do lixo, estou farto de ouvir isso. O que nos importa é uma plataforma que consiga acolher todas as diferentes aplicações e que elas casem umas com as outras.

E porque é que aquela zona tecnológica se chama Oeiras Valley e não Vale de Oeiras?

Em Oeiras temos cinco vales: o de Algés, o de Barcarena, o do Jamor, o da Lage e o de Porto Salvo. O que é que Oeiras Valley significa? Você embirra com o Valley, é?

Não percebo porque é que em Portugal havemos de dar nomes estrangeiros às coisas.

Você não utiliza expressões em inglês?

Utilizo. Mas uma coisa são expressões, outra coisa é a própria toponímia…

O Valley é um conceito. Está associado ao Silicon Valley, que é a expressão máxima da investigação na área das tecnologias da informação e das biotecnologias. Neste pequeno território está 30% da base tecnológica deste país. Sabia que a vacina da Moderna foi desenvolvida com a participação do IBET, o Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica?

Não fazia ideia.

O administrador da Moderna agradeceu na CNN à IBET em Oeiras o contributo que deu para a descoberta da vacina. Sabia que as maiores bolsas científicas deste país são dadas pela CMO? Conhece alguma bolsa de 140 mil euros por ano? São dadas pela União Europeia e pela CMO a génios portugueses ou estrangeiros – portugueses que podem ir para Silicon Valley ou Massachussetts ou podem vir de lá para o Instituto Gulbenkian de Ciência. Ou para o Instituto de Tecnologia Química e Biológica, ou para o INIAV ou para o IBET, tudo sediado aqui. O Valley associa Oeiras à tecnologia, à investigação, à ciência. Mas significa também qualidade – qualidade urbana, qualidade de vida, um elemento de atração de empresas, de instituições e de pessoas. O Valley é um conceito, uma marca. Você hoje se for a uma apresentação da Cisco, da Oracle, da Novartis, da Thales, está lá a dizer Oeiras Valley. Todas se apropriaram. Quando vi aquilo disse: ‘Epá… na mouche’. Evidentemente nós somos aqui uma miniaturazinha… mas se há um Silicon Valley em Portugal é Oeiras.

É curioso, falou nessas empresas mas não falou na Google.

A Google veio para Oeiras por grande mérito do António Costa. Tudo começou na WebSummit de Lisboa. Mas acha que foi o Costa que escolheu a vinda para Oeiras?

Não é uma câmara socialista…

Eles é que quiseram vir para Oeiras. A Intel esteve para vir para Oeiras. Mas o Governo de então, que por acaso era socialista, do Guterres, quis mandá-los para Vila do Conde. E a dada altura vem nos jornais que a Intel vinha para Oeiras, Vila do Conde ou Portimão – também uma Câmara socialista. A Intel veio aqui ter comigo dizer que Portugal não estava interessado neles. ‘Nós somos discretos. Não vamos entrar nessa disputa’. Em Portugal é assim, cada um puxa pelo seu lado.

Por estes dias o PSD tem andado a discutir se apoia a sua candidatura. Pelo menos não vai apresentar candidato contra si. É uma espécie de pacto de não-agressão?

O meu movimento é muito transversal. Eu costumava dizer que tinha nas minhas listas pessoas da esquerda à direita, mas agora tenho de reconhecer que tenho da extrema-esquerda à extrema-direita, porque ainda há dias tive conhecimento de que o presidente da junta de Algés vai ser candidato à Câmara pelo Chega. Mas 80% das pessoas que estão comigo são sociais-democratas, portanto ao longo destes anos todos tenho tido muitos militantes do PSD. Nos últimos anos tenho tido uma relação boa e confesso que com Rio tenho uma afinidade que não tinha com outros líderes. Não se trata de não-agressão porque já há muito tempo que não nos agredimos, mas se o PSD decidir não apresentar candidato eu em parte compreendo, porque o PSD identifica-se muito comigo.

Apresentar também seria uma batalha perdida…

Perdida como?

Não teria hipótese de o destronar.

Mas isso não é só para o PSD. Tudo indica que é uma batalha perdida para a generalidade dos partidos políticos, porque a minha candidatura é muito transversal. Votam em mim pessoas do Partido Comunista, do Partido Socialista… Nas últimas eleições o PSD teve 8,5%. É evidente que é um resultado mau, mas não se pode pensar que é humilhante. Há outros sítios onde o PSD tem piores resultados, mas quem ganha são socialistas ou comunistas. Ora bem, quem ganha as eleições em Oeiras é um social-democrata. Se o PSD não apresenta candidato é porque de alguma forma se identifica com a minha trajetória política. Muita gente do PSD revê-se na minha candidatura. Se porventura decidir apoiar-me, acho bem.

Já disse que se identifica com Rui Rio e com a sua linha política. Mas acha que Rio tem feito bem oposição?

Muita gente critica Rio por virar ao centro. Acho que ele não tem alternativa. À direita tem o Chega – o Chega tem um deputado. Depois tem o CDS com cinco. Se o PSD quer ganhar eleições e chegar ao governo, tem de ir buscar deputados ao centro. Se o Chega e outros crescem à custa do PSD, o PSD tem de crescer à custa do PS. Acho que seria um erro o PSD virar à direita – e foi um erro virar à direita.

Mas acha que Rio tem feito bem oposição?

Sou sempre muito claro: identifico-me com Rio na parte ideológica, na parte em que ele entendeu recentrar o partido. Do ponto de vista da tática, da estratégia política, cada um pensa pela sua cabeça. Não posso deixar de ser crítico em relação a este problema da legislação eleitoral das candidaturas independentes. É um disparate, acho que foi mal aconselhado. Se saiu da cabeça dele, então é mais complicado. Ainda há dias disse isso: a política a determinado nível deve ser feita com nobreza. Alguém que aspira a ser primeiro-ministro tem de ter alguma capacidade de perdão. Não posso imaginar que esta ideia [em julho do ano passado, PS e PSD aprovaram lei que dificulta a vida aos movimentos independentes] seja por causa do Rui Moreira no Porto.

Uma espécie de retaliação?

Os independentes têm tido alguma pujança nos últimos anos, é natural que continuem a crescer. Mas, ao contrário daquilo que o PS e o PSD pensaram, os movimentos independentes podem constituir um escape democrático extraordinário. Ou alteram a lei, ou os independentes criam um partido comum. Já viu o que é um partido com uma base territorial de 17 ou 18 presidentes de Câmara? Esse é que é o terceiro partido, não é o Chega. E mais: desde o início da democracia, as cisões dos partidos são sempre feitas pela esquerda ou pela direita. Nasceu o BE à esquerda, nasceu o Iniciativa Liberal e o Chega à direita. Nunca houve cisões ao centro. Um partido constituído por autarcas vai ao coração do regime.

Mas só aparece nas autárquicas.

Rui Rio diz que um movimento a concorrer às câmaras e às freguesias é uma espécie de partido municipal. Isto é um erro tremendo. É estar a crispar a sociedade. Há coisas no Rio que não posso apoiar. Quanto à forma de fazer oposição, se é bom ou mau… Só há líderes carismáticos ganhadores. Isso vem nos livros de ciência política. Não conheço nenhum derrotado com carisma. O carisma político ganha-se com vitórias. Rui Rio será carismático quando ganhar as eleições. Enquanto não ganhar veem-lhe os defeitos todos. Se ele ganhar as eleições, jornalistas como você vão dizer assim: ‘Realmente, a teimosia dele… Teve aquela atitude, sentido de estado, não fazia críticas ao Governo por fazer, estava-se em pandemia, podia ter aproveitado as fragilidades do Governo, veio ao de cima a sua dimensão de homem de estado, e os portugueses reconheceram’. É a vantagem do jornalista e do analista político.

Está a dizer que só fazemos prognósticos no fim do jogo? [risos]

Claro! [risos]

Mas nas sondagens o PSD está muito atrás do PS.

Isso não me surpreende. Estamos a viver uma situação de preocupação. Neste momento as pessoas querem segurança. E a segurança é dada pelo Governo. Mas a política é muito instável. A pandemia pode passar, pode-se vacinar toda a gente, mas há uma coisa que vai ser mais difícil passar…

A crise?

A crise social decorrente desta pandemia. É indiscutível que vai haver danos colaterais. Vai haver problemas.

Já sabe o que vai fazer no próximo mandato, se vencer?

Oeiras está a viver um momento excelente. E os próximos quatro anos vão ser extraordinários, porque há coisas que não se veem mas demoram muito tempo a fazer. Andamos há 30 anos para arranjar a Avenida dos Bombeiros Voluntários de Algés. Dos dois prédios velhos que lá estão, um deles vai ser deitado abaixo daqui a um mês e meio, é possível que até ao fim do ano deite o outro abaixo. Vai mudar muito. Em Vila Fria havia um estrangulamento em que os autocarros às vezes estavam dez minutos a manobrar por causa de duas casas. Disse: temos de resolver o problema. Agora é uma maravilha passar ali. Ao nível do conforto urbano Oeiras vai mudar muito. Vamos ter três novas escolas. No próximo mandato fica resolvido o problema do atendimento na creche. Em 2022, 2023 vamos ter resposta de 100% na creche e pré-escolar. Para as pessoas terem filhos. O Centro de Congressos, na Quinta da Fonte, também vai ficar pronto no próximo mandato. Uma esquadra em Carnaxide, duas residências, 500 residências de habitação social. Vão ser quatro anos fabulosos.