Portugal é um país de estranhas contradições. Tanto tem de progressista e inovador, o primeiro povo global, como se deixa deter no conservadorismo e imobilismo com que o “velho do Restelo”, nos Lusíadas, queria marcar a identidade deste povo.
Em 1557, um jurista português foi o primeiro autor a procurar inverter a visão arcaica do papel da mulher na sociedade, debatendo sobre a necessidade de que homens e mulheres fossem vistos de igual forma perante a lei. Já em pleno século XXI, juízes desembargadores do Tribunal da Relação do Porto recorrem à Bíblia para desvalorizar um violento crime de violência doméstica.
A mesma sociedade que glorificou a “Padeira de Aljubarrota”, um dos símbolos máximos da determinação e coragem portuguesas, chegou ao ridículo de mudar a legislação para impedir as mulheres de votarem.
De facto, o advento da implantação da República prometia uma nova modernidade numa sociedade portuguesa parada no tempo, e viu o grito pela igualdade ter um arranque curioso e diferenciado, quando Carolina Beatriz Ângelo identifica na primeira lei eleitoral da República Portuguesa a oportunidade de se recensear para votar.
Alguns tentaram impedi-la, obrigando-a a recorrer a tribunal.
Desse recurso sai um dos mais importantes acórdãos para o reconhecimento do papel da mulher nesta nova sociedade, pela mão do juiz João Baptista de Castro, afirmando que recusar o direito de voto apenas por ser mulher era “simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo Partido Republicano”.
Com esse acórdão, Carolina Beatriz Ângelo votou nas eleições para a Assembleia Constituinte, porém e infelizmente, a revolução que se pretendia também na sociedade acabou por meter marcha atrás, revertendo esse natural movimento progressista, e em 1913 aprovou um código eleitoral que especificamente impedia a mulher de votar.
Durante muitos anos a nossa sociedade foi influenciada pela constituição de 1933 que negava direitos iguais devido “às diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família”.
De facto, a minha geração nasceu numa sociedade onde o berro de uma mulher era histeria e o de um homem era um apelo à razão.
Um insulto à liberdade da mulher na rua, era relativizado no conceito do “piropo”, uma forma estranha de perpetuar uma objetificação da mulher e promover comportamentos degradantes numa sociedade que se quer moderna.
Esta irracionalidade foi sendo ultrapassada com o esforço de muitas mulheres, deixando muitas vezes o homem calado, ora por ignorância, ora por manifesto desinteresse, muitas vezes observando-se sorrisos nervosos quando somos chamados a estar na primeira linha da proteção ao respeito pela mulher.
É evidente que não podemos perpetuar dogmas de estilo, sobretudo quando ferem a dignidade de seres humanos.
É evidente que não pode ser só a mulher na primeira fila deste esforço, porque já suporta o peso do assédio e da violência sexual, porque é tratada de forma desigual no local de trabalho e porque vive diariamente este estigma de desigualdade.
Temos de estar na primeira linha de apoio ao respeito e reconhecimento pela mulher, dizer basta aos que, no silêncio ou na voz ativa, promovem a desvalorização da mulher na nossa sociedade.
Eu não acredito na imposição de modelos culturais a terceiros, mas sou um grande defensor de que em Portugal, uma sociedade europeia do século XXI, o homem não pode olhar para o lado, muitas vezes com sorrisos amarelos.
Para isso, sorri tu.
Presidente da concelhia do PSD/Lisboa e presidente da Junta de Freguesia da Estrela