Desperdiçar esta oportunidade é um luxo a que Portugal não se pode dar


Temos de continuar a ser comedidos, temperados, se não queremos que a nossa existência seja apenas um intervalo de vida entre períodos de confinamento.


Depois de ter sido o país do mundo com os piores números relativos à gestão da covid-19, Portugal voltou a ser notícia pelas melhores razões. A contração pandémica, fruto do confinamento muito duro e muito arrastado no tempo que sacrificou as liberdades e a economia, foi impressiva. Estamos agora melhores do que a generalidade da Europa. Mas não podemos facilitar. Uma passo em falso e todo o nosso esforço coletivo ficará em causa. O risco de voltar à estaca zero é permanente. Pende constantemente sobre nós.

Temos um plano de desconfinamento em andamento. Que ande para a frente, ao invés de dar passos para o lado ou para trás, é do que precisam a economia, as famílias e as empresas. Todos concordamos que a sociedade não suporta mais confinamentos. Mas não basta dizê-lo. É preciso ser consequente. As palavras, dos governos ou dos indivíduos, têm de ter ações que as suportem.

Portugal tem hoje a oportunidade de manter a pandemia sob controlo. Podemos esmagar o R, o número de novos casos, de internamentos em enfermaria, de cuidados intensivos e de óbitos. Podemos ter a covid-19 sob controlo no longo prazo – porque sim, ela vai fazer parte da nossa vida durante muito tempo.

Como é que isso se faz? Todos têm que fazer a sua parte.

Começando pelos cidadãos, a quem não se pede mais do que aquilo que por todos é demais conhecido: manter a distância física, uso de máscara, evitar aglomerações e comportamentos que ponham em risco a saúde pública. Parece simples e é simples. Está longe de ser fácil depois de tanto tempo de contenção, de clausura, de fechamento. Porém, temos de continuar a ser comedidos, temperados, se não queremos que a nossa existência seja apenas um intervalo de vida entre períodos de confinamento. A liberdade e a responsabilidade estão sempre na mesma equação: quanto mais responsáveis forem os cidadãos, como coletivo, menos intromissões o Estado fará na nossa vida e mais liberdade se respira.

Do lado do Governo e dos poderes públicos, a acalmia, o tempo de falsas tréguas tem de ser usado para debelar ainda mais o nosso inimigo comum.

Para manter a curva achatada, o mais perto possível do eixo zero, é crítico que se faça o que tem de ser feito. Isso é exatamente o quê?

Primeiro: testar, testar, testar. Uma política de testagem universal, de acesso livre, universal e gratuito, é a chave para podermos retomar a normalidade com confiança e segurança. Não é por acaso que os países que mais cedo implementaram políticas integradas de testes tenham sido os primeiros a abrir a sociedade e a relançar as suas atividades económicas. Em Cascais compreendemos isso desde o momento do embate da pandemia no nosso país. Transformámos o Centro de Congressos do Estoril num enorme centro de testes PCR laboratoriais, em parceria com dois dos principais nomes da área: Germano de Sousa e Joaquim Chaves. É para este centro, aberto fez ontem precisamente um ano, que continuam a ser encaminhados todos os cidadãos mapeados pela saúde pública.

Para esta fase de combate ao coronavírus, necessitamos de agilidade e rapidez. Por isso acrescentámos mais valências com a transformação da FIARTIL – a Feira Internacional de Artesanato do Estoril, num grande centro de testes rápidos antigénio, com capacidade para quase 900 exames por dia. Inaugurado segunda-feira, este centro servirá para testar gratuitamente, durante dois meses e a cada 15 dias, cinco grupos de apoio à recuperação económica por nós identificados, a começar pelos agentes educativos não abrangidos pelo plano nacional (indicados pelo Ministério da Educação), ao que se segue os trabalhadores da restauração e serviços, depois trabalhadores de transportes, aos que se somam outros grupos específicos selecionados.

A Câmara suportará toda esta operação estimada em 100 mil testes. Confiamos que assim cumpriremos o duplo objetivo de manter a taxa de infeção em números residuais e aumentar os índices de confiança na retoma económica.

A estratégia de normalização do Governo deve também assentar num segundo pilar: a melhoria contínua do processo de rastreamento. Esta é a oportunidade para, de uma vez por todas, termos inquéritos epidemiológicos feitos num máximo de 24 horas. O descontrolo da pandemia na vaga que agora está a terminar deveu-se, em grande parte, à incapacidade de rastrear. Sugiro que, como também fizemos em Cascais, o Governo reforce as equipas de inquéritos (ainda que agora possa criar capacidade ociosa), requerendo que as chefias da própria administração pública indiquem que trabalhadores das suas estruturas (em teletrabalho e outros cuja natureza das funções o permitam) podem exercer temporariamente outras funções. Mais uma vez, e em complemento à saúde pública, em Cascais colocámos 35 pessoas nas poules de inquérito. Os inquéritos não podem decorrer mais do que 24 horas após a identificação e devem ser revistos no que é inquirido para, de uma vez por todas, se identificar que tipo de cadeias de contágio se formam.

Terceiro pilar: vacinação. A operação conduzida pelo Vice-Almirante Gouveia e Melo é das mais complexas na nossa história recente. Vacinar, em poucos meses 10 milhões de pessoas (a maioria em duas doses) é uma missão que exige muita coordenação, muito planeamento e muito esforço logístico. Veja-se o estado dos processos em quase toda a Europa para perceber como a tarefa é complexa. Como se isso já não fosse suficiente, temos de vacinar com base em listagens desatualizadas, que incluem pessoas falecidas há mais de 20 anos. Para se ter uma ideia da dificuldade de mobilização, em Cascais chegamos a fazer 900 chamadas para marcar 40 pessoas para a vacinação. É um esforço, um desgaste e uma perda de recursos tremenda.

Muito rapidamente, (porque não com o recurso às mais atualizadas bases de dados do Estado, as do Fisco?) temos de limpar as listagens que usamos para convocar os cidadãos. Ao mesmo tempo, é preciso dar capacidade de fogo às equipas de contacto para processo de vacinação. Ajuda, como se prova em Cascais, se os municípios passarem a auxiliar a saúde pública na chamada para a vacinação.

Quarto Pilar: é urgente apostar em bases de dados fiáveis e com possibilidade de serem cruzadas.

Para terminar, um quinto e último pilar, é tempo para uma cooperação institucional à prova de bala. Temos de ser todos por todos. Temos de ajudar o Governo. Portugal precisa que o processo de vacinação corra bem. Isso é uma pré-condição para vencer a pandemia. Que não haja equívocos: se não aproveitamos este tempo, se tudo correr mal como em dezembro – vacinação, testagem e rastreamento – ninguém ganha. Todos perdem. Todos e cada um de nós.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais

Escreve à quarta-feira