Brasileiros retidos em Portugal. “Muitas pessoas entraram em exaustão”

Brasileiros retidos em Portugal. “Muitas pessoas entraram em exaustão”


Após a realização de três voos humanitários, 350 brasileiros ainda desesperam entre restrições e burocracia.


Apesar dos três voos humanitários que já foram realizados, existem, pelo menos, 350 brasileiros retidos em Portugal que querem regressar ao país de origem. Ainda que tenham sido anunciados mais três voos de repatriamento, na segunda-feira, por parte da Latam, o desespero aumenta entre aqueles que não conseguem encontrar uma solução.

“Ontem foi mais um dia triste no meu país. Além do alto índice de mortes devido à pandemia que alcançou um nível recorde, 2.841 mortos, o Governo brasileiro fez um anúncio que ao que parece a todos, não ter boas intenções. Foram anunciados os voos de repatriamento apenas da Latam e não da Azul. O que significa que muitos brasileiros não poderão voltar para casa de imediato", começa por expressar a jornalista brasileira Roberta A., associada da ABRAJI – Associação Brasileira de Jornalismo de Investigação – e da IFJ – International Federation of Journalists.

"O Governo brasileiro, que desde o início de 2021 vem tratando os brasileiros com total e absoluto descaso, agora diz que está enviando a Latam para repatriar seu povo em voo comercial cujas passagens são vendidas por preços que ultrapassam a barreira do absurdo e que tem dificultado o máximo a remarcação daqueles que já possuem reservas", continua, questionando: "Além disso, se o governo quisesse mesmo repatriar todos os seus cidadãos, qual seria o motivo por não terem anunciado também voos da Azul? Já que ambas foram autorizadas a fazê-lo pelo Governo de Portugal. O Ministério das Relações Exteriores somente anunciou a Latam que pegou a Azul de surpresa", declara, explicitando que esta empresa já estava organizada para voar com datas de embarque e, inclusivamente, quantidade de voos semanais estipulada.

"Fica evidente que o governo está criando uma espécie de boicote a Azul e colocando a Latam como a grande 'salvadora'. Uma hipocrisia enorme", ressalva, acrescentando que "as pessoas estão desesperadas para voltar para casa e, muitas, têm passagens da Azul" e, "na fragilidade que se encontram acabam cedendo ao abuso comercial da empresa, fazem vaquinha com a familia, pedem empréstimos, e têm gastado fortunas para sair da situação de tortura que o governo brasileiro os colocou, ou ainda acabam por colocar suas vidas em risco ao tentar embarcar por rotas alternativas e ter contato com o coronavírus e suas variantes", 

A profissional refere-se às viagens que serão levadas a cabo pela Latam que, à semelhança dos voos anteriores realizados pela TAP, têm “caráter privado”, sendo que os cidadãos interessados devem contactar a companhia aérea para efetuarem a marcação ou reaproveitamento de bilhetes.

Ainda que o Governo português tenha prorrogado as restrições do tráfego aéreo até 31 de março, devido à situação epidemiológica do país, continuando suspensos todos os voos, comerciais ou privados, com origem ou destino no Brasil e no Reino Unido, Roberta A. tem esperança de que mais de três centenas de vidas se modifiquem nos próximos dias 23, 25 e 28 de março, na medida em que, em nota à comunicação social, o Ministério da Administração Interna elucidou que “apenas são permitidos os voos de natureza humanitária, para repatriamento de cidadãos nacionais, da União Europeia e de países associados ao Espaço Schengen, e seus familiares, bem como de cidadãos nacionais de países terceiros com residência legal em território nacional”.

O excesso de burocracia que conduz à exaustão

Até ao momento, o Brasil já efetuou três voos extraordinários – 26 de fevereiro e 10 e 15 de março –, todos operados pela TAP e que resultaram no repatriamento de 628 cidadãos brasileiros retidos em território português.

Ainda assim, Roberta A. assume que “muitas pessoas, por conta de preenchimento de listas de voo e de chamada, entraram em exaustão”, desabafando que criou um formulário, como voluntária, em colaboração com Amaral Pessoa, da Associação Brasileira de Portugal, para perceber a fundo a realidade brasileira em território nacional e auxiliar esta população.

“O número de pessoas na lista da associação chega às 100. Estamos a falar de pessoas que responderam a perguntas, que criei sobre eventual escassez de alimentos, e/ou de medicamentos, o endereço e o contacto da família no Brasil… enfim, aquilo que o consulado devia ter questionado”, continua, adicionando que integra os dois maiores grupos de cidadãos brasileiros, no WhatsApp, e fez uma contagem dos membros dos mesmos.

Tendo chegado à conclusão de que 350 pessoas pretendem regressar ao Brasil, a jornalista evidencia que “temos de contar que existem muitas pessoas que não integram grupos de WhatsApp ou que preferem o Facebook, por exemplo” e “importa também lembrar que há pessoas que viajaram por rotas alternativas, conseguiram de um jeito ou outro regressar”, salienta, rematando que “há quem esteja morando na rua e não tenha mais celular porque o vendeu, ou seja, nem sequer está sabendo que existe lista”.

Segundo informação a que o i teve acesso, a Latam exige um teste RT-PCR negativo realizado no máximo nas 72 horas anteriores ao voo – exceto em menores de dois anos e de doze que viajem com os seus responsáveis desde que estes tenham testado negativo – e o preenchimento de um formulário de declaração de saúde para quem viajar com destino ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. 

#voltarparacasa

“Eu tenho voo da Latam e liguei ontem. Eles estão dificultando… disseram que eu teria que procurar a embaixada. Desisti”, confessou uma brasileira num grupo em que Roberta A. se encontra, enquanto outra questionou “Então eles só querem vender passagem? Sinceramente não dá para entender”.

Confrontados com a permanência em Portugal e contando com o auxílio da jornalista e de Amaral Pessoa, vários brasileiros gravaram vídeos com o mote #VoltarParaCasa que começaram a ser divulgados nas redes sociais, apelando a Eduardo Cabrita, ministro da Administração Interno de Portugal, e a Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores brasileiro, que dialoguem e encontrem uma solução viável para solucionar este problema.