Viviam-se tempos felizes em Braga. O Sporting local, que já usava camisolas à Arsenal – anteriormente as mangas eram igualmente encarnadas e o primeiro equipamento foi leoninamente verde – por influência de Joseph Szabo, o treinador húngaro que passara uns tempos em Inglaterra a estudar os métodos de Herbert Chapman, o criador do WM, atingira finalmente a I Divisão.
O problema é que, logo na primeira jornada, tocou-lhe o berbicacho de ter de ir ao Campo Grande defrontar o Benfica. Não era para meninos. E os bracarenses ainda não estavam preparados para tão altas cavalarias, de tal forma que terminaram em 13º lugar (penúltimo), apenas à frente da Académica de Coimbra. Isto apesar de se terem reforçado com jogadores mais experimentados, casos de Marques e Daniel, vindos do Sporting, e de Elói e Salvador, contratados ao Belenenses. Porque faz parte da história, não apenas do Braga como também do futebol português, aqui fica o onze que entrou em campo nessa tarde única de Lisboa: Salvador; Palmeiro e Sobral; António Marques, Daniel e Joaquim; José Machado, Elói, Mário, Diamantino e Cassiano.
Cavalheiros, os benfiquistas resolveram oferecer um galhardete aos seus adversários, assinalando a data histórica. Era o dia 16 de Novembro de 1947 e milhares de pessoas enfileiraram-se para assistir à partida. Rapidamente se desfez aquela velha ideia da gloriosa incerteza desportiva, ensinada pelos mestres de antigamente. Aos 7 minutos já o Benfica marcara dois golos, o primeiro de penalti, por Arsénio, o segundo por Victor Baptista aproveitando uma saída atrapalhada do guarda-redes que parecia querer apanhar a bola pela cauda como quem apanha uma galinha pelo rabo.
Um momento de orgulho rebelou os bracarenses. Elói e Rogério, no meio-campo, levavam a melhor sobre Moreira e Francisco Ferreira. E foi pela batuta experiente de Elói que os minhotos chegaram ao golo, logo, logo a seguir, da autoria de Mário (9 minutos).
Cerimónias Pensou-se, naturalmente, que os acontecimentos se iriam equilibrar. Mas a imagem desfez-se com a facilidade de uma miragem para um acalorado viandante do deserto de Gobi. O Benfica recuperou a sua toada ofensiva, os seus avançados Julinho, Melão e Arsénio tornaram-se irrequietos como nunca, a defesa bracarense foi abrindo brechas por onde entravam os golpes encarnados.
Aos 30 e 44 minutos, Melão e Mário Rui, respetivamente, elevaram o score para 4-1. Quando chega o intervalo, já não restam dúvidas em relação ao nome do vencedor. As manobras de charme prosseguem na cabine presidencial. O Benfica voltou a sublinhar a estreia dos de Braga na divisão principal com uma oferta de um emblema do clube em ouro de lei. A renhida disputa dentro das quatro linhas não se misturava o desportivismo são com que ambos os clubes se haveriam de se corresponder nos tempos mais próximos.
O segundo tempo entrou na modorra e aborreceu os espetadores, com alguns deles a queixarem-se bem do ponto de vista auditivo da forma vagarosa como os dois conjuntos se movimentavam. A verdade é que o Braga chegara ao fim da sua capacidade de reação e o Benfica não se mostrou interessado em pisar o seu opositor. Apesar de tudo, ainda marcou mais dois golos, da autoria de Mário Rui (53 minutos) e Victor Baptista (70), e desperdiçou mais duas ou três oportunidades para engordar a goleada.
Sofrido No que restou da época, o Braga sofreria mais alguns resultados aborrecidos: 1-6 no Estoril; 0-4 no campo do Belenenses; 2-5 no terreno do Olhanense. Em Braga desperdiçou pontos em barda mas desarrincou um atropelo terrível ao Lusitano de Vila Real de Santo António, ganhando por 7-1. Como só havia um lugar de descida, o último, pois claro, conseguiu manter-se entre os maiores do futebol em Portugal.
Neste ano, em que comemora o seu centenário, cumpre a 64.ª presença na I Divisão e já ganhou o estatuto de ser um candidato anual aos primeiros postos em cada época. O jogo do Campo Grande de 1947 pode estar esquecido nas gavetas da memória, mas foi vivido com uma alegria genuína por aqueles que a imprensa da altura ainda chamava de leões de Braga. Com a mesma chama de festa com que se comemorou a subida à I Divisão, no final da época anterior, depois de uma vitória inolvidável face aos Onze Unidos, no Montijo (2-0).
Em Lisboa, nesse final de tarde de novembro, nada restava a fazer. O Benfica fora claramente superior e havia a consciência interna de que era preciso fazer bem mais para aguentar a pressão de um campeonato fortemente equilibrado do quarto lugar para baixo. Com seis bolas no saco, resignados, os arsenalistas regressaram ao Minho. Iam derrotados, mas não batidos. Preparavam-se para se reerguer à primeira oportunidade. Guardaram as forças para o jogo da segunda volta, decidido a surpreender o Benfica em sua casa. Seria algo de verdadeiramente sensacional e digno de um clube que queria ser grande. Eis outro confronto que ficou para a memória do futebol em Portugal, mas no momento em que as linhas se acabam deixo-o, se não levam a mal, para contar amanhã…