Teatro. “Até prova em contrário, é um local seguro”

Teatro. “Até prova em contrário, é um local seguro”


Teatros, salas de cinema, auditórios e salas de espetáculo voltam a ser dos últimos a abrir neste plano de desconfinamento. Carla Matadinho e Paulo Sousa Costa, fundadores da Yellow Star Company, não entendem. Em carta aberta enviada ao primeiro-ministro lembram o ano difícil. “Não conseguimos perceber como é que as escolas são mais seguras que…


O anúncio do Governo para o plano de desconfinamento caiu que nem uma bomba: a abertura de cinemas, teatros, auditórios e salas de espetáculos está agendada apenas para a terceira fase do desconfinamento, na melhor das hipóteses com início a 19 de abril. O choque levou a produtora nacional de teatro e eventos Yellow Star Company a escrever uma emotiva carta ao primeiro-ministro onde garante que os teatros são locais seguros – mais seguros que as escolas – e cumprem todos os requisitos de segurança, lembrando ainda todas as dificuldades pelas quais o setor tem passado ao longo do último ano.

“Faz hoje precisamente um ano que nós (equipa da Yellow Star Company) confinámos. Um enorme vazio, incerteza, medo, incredulidade invadiu o nosso espírito nesse dia. Para sermos honestos, nem sabíamos bem o que significava essa “tortuosa” (ainda que salvadora) palavra, que agora não há quem desconheça: desconfinamento!”, lê-se na carta aberta da empresa criada em 2010 por Carla Matadinho e Paulo Sousa Costa.

É o retrato de um ano triste que os levou a escrever esta carta, destacando o que lhes vai na alma. E o que lhes vai na alma já “não é tanto o medo (que naturalmente ainda temos), nem o vazio (que acabámos por nos habituar) ou a incerteza, (apesar de a vivermos), mas é, sobretudo, para dizer que, 12 penosos meses depois, encontramo-nos incrédulos como nunca!”.

Carla e Paulo lembram o primeiro-ministro que a cultura foi a última a desconfinar na primeira vez, depois de ter visto a atividade reduzida a 50% da lotação. Ao que se juntam os custos das medidas de segurança e a alteração “abrupta e compulsiva” dos horários dos espetáculos.

“Depois de tudo isto, somos agora novamente confrontados com um desconfinamento em que o teatro volta a ser tratado como se fosse um dos ‘7 bichos papões’… apesar de nunca o ter sido”.

O setor quer abrir já mas não é por serem “inconscientes”. É que se as portas não abrirem, acaba-se tudo. “Temos a noção que a vida tem mesmo de continuar (e com todos os cuidados possíveis) mas tem mesmo de continuar, senão… acaba. Senão, acabamos”.

É impossível mais um mês sem faturar o que vai fazer com que se continue a “cavar mais uns metros neste fosse onde nos encontramos”.

Mas há mais – e esta é uma das maiores indignações da companhia: “E porque achamos que temos razão no que estamos a solicitar, decidimos fazer uma espécie de gráfico comparativo entre as escolas que, como sabemos não são considerados espaços de risco e as salas de espetáculos que, como ficámos novamente a perceber, ainda são zonas de risco elevado (?!)”, lê-se na carta enviada a António Costa (ver gráfico ao lado).

“O teatro, até prova em contrário, é um local seguro” Ao i, no seguimento desta carta enviada ao Governo, Paulo Sousa Costa mostrou o seu descontentamento e preocupação quanto ao assunto. “Temos que aceitar, não temos outro remédio. Mas achamos que não faz sentido porque nós somos seguros”, diz.

A verdade é que no primeiro desconfinamento, este setor foi dos primeiros a fechar e dos últimos a abrir, algo que dizem não fazer sentido, principalmente quando comparados com outros serviços, como é o caso das escolas. “Não conseguimos é perceber como é que as escolas são mais seguras que os teatros. Achamos que, entre outras atividades, tendo em conta as características da atividade e do comportamento do espetador, diria que mais seguro que o teatro ou uma sala de cinema é difícil”, garante.

Tudo porque há uma série de preocupações e medidas de segurança que são postas em prática: as pessoas são monitorizadas à entrada com medição de temperatura, são obrigadas a higienizar as mãos e a higienizar o calçado. Além disso, os teatros funcionam apenas com 50% de lotação e método xadrez, o que impede que haja contacto entre espetadores. A máscara nunca é retirada e há corredores para entrar e outros para sair.

Face a estas medidas restritas de segurança, Paulo Sousa Costa deixa um apelo: “O que pedimos para perceber é quais são os critérios utilizados para dizer que uma atividade é mais perigosa que a outra. Até em casa podemos contrair o vírus de alguma forma. Mas o teatro, até prova em contrário, é um local seguro”, garante ao i.

O responsável tem consciência de que o Governo não iria ser “irresponsável” na decisão tomada e que “não há vontade de prejudicar o teatro”. No entanto, “quando tocou a decidir os setores, acho que o teatro foi tratado de uma forma que não é real. Não têm conhecimento do que se passa lá”.

Carla Matadinho não tem dúvidas: “O teatro é dos sítios mais seguros que há e não podemos ser sempre os primeiros a fechar e dos últimos a abrir”, diz. “Colocam-nos sempre no mesmo bolo da restauração e é totalmente diferente. A cultura é distinta, as características são distintas. E precisamos que olhem para nós, que nos deem as devidas respostas e que nos deixem abrir as portas mais cedo”. Até porque, diz, há sérios problemas no setor: “Há tanta gente a passar tão mal”.

Tanto Paulo Sousa Costa como Carla Matadinho lembram ao i que o primeiro-ministro já foi assistir a uma peça sua em termos de pandemia e por isso, deverá ter noção da segurança do setor.

Trabalhadores desgostosos Com a pandemia, a situação dos trabalhadores não é a mais estável, sendo considerada até preocupante. “A nossa equipa tem passado muito mal”, lamenta o responsável. “Ficámos três meses sem rendimento nenhum, depois passámos a ter 50% de rendimento, assim como eles. Não podemos pagar mais do que recebemos. Depois passámos para 25% porque quando nos tiraram os fins de semana, o que foi a mesma coisa que nos tirarem mais 25% porque os fins de semana são as nossas melhores salas. E depois passámos a zeros outra vez”.

A quebra nas receitas levou a que a Yellow Star Company criasse um banco alimentar para ajudar os funcionários, tendo ajudado no que pode dentro das suas limitações. Mas não dá para tudo. “Estamos sempre disponíveis para ajudar mas é impossível chegar a tudo e já estamos no nosso limite. Ainda falta praticamente um mês e uma semana para abrirmos as portas dos teatros”, lembra Carla Matadinho.

Quanto aos apoios, o fundador da produtora diz que nem quer falar sobre isso. “Temos um apoio ridículo neste momento. Tivemos um apoio de 10 mil euros no total”, diz, acrescentando que não basta anunciar milhões. Entende que “não dá para todos” mas é preciso saber para “onde vão”.