Repetir no governo o exercício da frente de esquerda começado com Sampaio enquanto autarca da capital era a tese do actual primeiro-ministro.
Ter no governo o PCP e o BE mesmo sem pastas distribuídas, que o caminho faz-se caminhando. Viria mesmo o tempo de tal ser possível num entendimento “faz de conta”, que lhe permitisse ter uma base de suporte majoritário. Entretanto o aparelho de Estado estava à disposição e a ocupação de lugares em direcções-gerais e outras sinecuras ensolaradas, tem tido a postura de assalto sofisticado.
Faça-se então de conta que o PCP e o BE aceitam a integração na União Europeia e na eurozona. Faça-se de conta que aceitam as regras definidas pelo mercado onde as empresas se sujeitam à regra de vencer ou morrer em mercado aberto. Faça-se de conta que o tecido empresarial é composto por empresas sólidas, periclitantes e assim-assim; grandes, pequenas e médias e que as micro estão em trânsito para serem médias ou grandes, abandonando-se o culto “pêcêpista” de uma classe de empresas congeladas naquele patamar.
Faça-se de conta que é possível ser governo e oposição. Quer-se dizer faça-se de conta de que o PCP e o BE podem retirar da acção política os dividendos/matriz das migalhas sociais na negociação com o governo e, ao mesmo tempo, querem “nacionalizar” empresas em dificuldades, criticando as políticas de “direita” do governo que apoiam.
Em resumo, é possível ter votado seis Orçamentos do Estado e criticar seis OE por si votados.
Sabe-se hoje que, economicamente, o custo pandémico vai sendo conhecido assegurando a projecção de uma década próxima das últimas duas deste milénio, com um crescimento do PIB que atira Portugal para a cauda da Europa.
A isto chamarão o PCP/BE, política de esquerda, coisa assaz refinada, que se distingue de ser política de direita, porque quem a realiza se diz de esquerda.
O país que fica é um país sem rumo, sem verificação de rota e casmurro na sua introspecção, quando tudo está conhecido.
Descura o investimento na qualificação de infra-estruturas porque os recursos não chegam para pagar facturas avulsas, fruto do mercadejar constante. E por aí vemos o SNS, exausto e incapaz de responder a desafios ideológicos, porque os doentes não são ideologia. Incapaz de responder a uma orientação pragmática e profissional que recalcule a estatística face à resposta solicitada pela pandemia e pela normal assistência a doentes não-Covid.
Descura a imprescindibilidade de criação de condições para atracção de investimento estrangeiro, porque no internacionalismo das asas partidárias que seguram o governo o capital é mau, seja doméstico ou internacional. Há quantos anos foi o último grande investimento estrangeiro da Ford-Europa? (E que disparate é este de impedir o investimento em imobiliário em Lisboa e Porto, por via do VISA Gold ? Em que outra cidade importante da Europa tal se imagina? De Paris a Berlim, de Londres a Helsinquia? Politicamente demencial é o menos que se pode dizer).
Descura a situação de partes do território nacional que no confronto com o território vizinho, apresentam hoje a caracterização de áreas abandonadas, fruto das diferenças de competitividade de serviços e bens, designadamente combustíveis, sem razão de equidade fiscal competitiva.
Descura tudo isto e há que dizê-lo, no ziguezaguear anti-covid, descurou no passado a testagem e obrigatoriedade de uso da máscara desde cedo, como outros países adoptaram: remar à vista é o destino de Portugal desde 2015 e vamos pagando o preço da dispensa de opções fundamentais para o futuro.
A palavra reformismo está abolida da sociedade portuguesa.
O mundo muda rapidamente e a adaptação a novas regras de competição impõem reformas urgentes a começar pelo sistema eleitoral, até à reforma de algumas Instituições como os tribunais.
Do Parlamento aos analistas, passando pelo Presidente da República, parece pacífica a conclusão de que todo este acervo de acentuações à medida que o tempo corre e a que alguns definem como aceleração até “bater na parede”, outra vez, onde se finam situações económicas e sociais de indiscutível gravidade, não é causa bastante para antecipar eleições legislativas.
Mas será sem dúvida.
De vários quadrantes chega a previsão, cada qual mais alarmista, mas a realidade é que , entretanto, o desconfinamento preenche a agenda do país, sem que se perceba como aterraremos depois da turbulência destes tempos que vivemos, conhecida agora a natureza equivoca e de mais do mesmo, do PRR.
Depois do PCP/BE terem oferecido ao país a revisitação de 1975, isto é, o laboratório para ser governo da frente de esquerda, sem atender aos custos económicos e sociais da opção, fica a pergunta: quanto está a custar e quanto vai continuar a custar a experiência de governo destes últimos cinco anos?
Jurista