Coração das quinas. Atletas naturalizados trazem cada vez mais medalhas

Coração das quinas. Atletas naturalizados trazem cada vez mais medalhas


Ao longo dos anos, são vários os atletas que não nasceram em Portugal mas conquistaram medalhas para o país. Auriol Dongmo e Pedro Pichardo são os mais recentes.


Auriol Dongmo e Pedro Pichardo. São estes os nomes dos dois atletas que se naturalizaram portugueses e trouxeram para casa as mais recentes medalhas de ouro – juntamente com Patrícia Mamona. A primeira é especializada no lançamento do peso e do disco, o segundo em triplo salto e ambos em trazer vitórias para este “jardim à beira-mar plantado”.

São cada vez mais os atletas que nascem fora e se naturalizam em Portugal para competir pela nossa seleção. “Estou muito feliz, é a minha primeira internacionalização por Portugal e não tenho palavras”, disse Auriol, nascida nos Camarões, à chegada ao aeroporto depois da vitória nos Europeus de Atletismo em Pista Coberta. Esta foi a sua estreia internacional pelo país e fê-lo com tanto trabalho e dedicação que conseguiu que a medalha de ouro na modalidade do lançamento do peso, chegando à marca de 19,34 metros, viesse pela primeira vez para terras lusas. No último lançamento, a atleta já sabia que seria campeã e não conseguiu conter a emoção e caiu de joelhos no chão com os braços no ar.

Chegou a Portugal em 2017 para representar o Sporting, fruto de um contacto feito através de uma conta de Facebook que criou exclusivamente para esse feito. Já tinha um carinho pelo país e especialmente por Nossa Senhora de Fátima e foi dois anos depois da mudança que oficializou a sua nacionalidade portuguesa, sendo também nesse ano que foi mãe pela primeira vez. Numa entrevista que deu após ganhar a medalha, Auriol dedicou a conquista ao filho, nascido em Portugal, que foi ao encontro da mãe no Aeroporto Humberto Delgado assim que esta chegou da Polónia.

Pedro Pablo Pichardo é atleta desde cedo e apontado com um forte rival de Nelson Évora. Contam-se pelos dedos de uma mão os atletas de triplo salto que foram capazes de ultrapassar a marca dos 18 metros e o campeão português é um deles. Veio para Portugal em 2017, onde ficou a viver como refugiado depois de ter desertado do seu país de origem para a Alemanha. Passados poucos dias assinou contrato com o SL_Benfica e no final desse ano naturalizou-se português e passou a competir pelo país. Em agosto de 2019 competiu pela primeira vez por Portugal no Europeu de Nações de atletismo, conquistando a vitória com um salto de 16,98 metros. Ao vencer agora na Polónia, o atleta mostrou-se “grato a Portugal” por tê-lo acolhido e dado “a oportunidade de continuar a carreira desportiva”.

Também Patrícia Mamona, nascida em Portugal mas com ascendência angolana, trouxe mais uma medalha de ouro para Portugal. A atleta de triplo salto, que bateu o seu recorde pessoal – com 14,65 metros – nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, não conseguiu conter as lágrimas quando viu os resultados anunciados na tabela de classificações. Apesar de não ter sido o seu melhor salto, não conseguiu deixar de se emocionar depois de ter sido infetada com covid-19 e de, até ao último momento, não ter tido a certeza se poderia competir.

 Foram vários os que, através das redes sociais e não só, felicitaram os atletas. Tanto o primeiro-ministro, António Costa, como o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo usaram a rede social Twitter para parabenizar os vitoriosos. No site das águias, também Luís Filipe Vieira homenageou Paulo Pichardo.

Com tão bons resultados nos Europeus de Atletismo em Pista Coberta, os atletas preparam-se agora para os Jogos Olímpicos de 2021, em Tóquio que decorrerão entre 23 de julho e 08 de agosto. Como seria de esperar, os três mais recentes medalhados marcarão presença.

 

Uma seleção internacional

A história de Portugal e das suas relações pelo mundo é indissociável da história do desporto nacional. Os feitos de Auriol Dongmo e Pedro Pichardo são a mais recente reflexão de décadas de atletas que, não tendo nascido em Portugal – ou com ascendência de outros países – , acabam por ajudar o país a atingir o estrelato com as quinas ao peito. Desde jogadores de futebol, maratonistas e até jogadores de hóquei em patins, foram, e são, vários os atletas que vestiram as cores nacionais e levaram Portugal aos pódios.

Deco, Liedson e Pepe são apenas três dos vários futebolistas naturalizados que lideraram importantes momentos para o desporto nacional, mas esta realidade não é novidade no país.

Fale-se, por exemplo, da seleção portuguesa de futebol que jogou o Mundial de 1966, e que acabou eliminada numa das mais trágicas meias-finais da história do futebol português. Nessa mesma seleção jogavam Vicente Lucas, Hilário, Mário Coluna e, claro, Eusébio, todos nascidos no continente africano, então sob administração portuguesa. Recorde-se que esta seleção conseguiu levar Portugal até ao seu melhor resultado de sempre num campeonato mundial.

Ainda nessa década, orientado por Béla Guttmann, na temporada de 1961-62, o SL Benfica jogava com Costa Pereira, nascido em Moçambique, tal como Jorge Calado, Coluna e o mítico Eusébio, bem como com aquele que foi o melhor marcador da temporada, José Águas, que nasceu em Angola, tal como Joaquim Santana. Com esta equipa, recorde-se, os encarnados tornaram-se bicampeões europeus, levando às bocas do mundo o desempenho destes atletas.

Nos anos dourados do hóquei em patins português, em que a seleção nacional foi tetracampeã mundial (entre 1956 e 1962), jogavam na equipa das quinas quatro atletas luso-moçambicanos.

Mais recentemente, e já depois da independência das diferentes colónias portuguesas, vários atletas procuraram Portugal para continuar e exponenciar a sua carreira desportiva, nas diferentes modalidades.

Mas o contributo de atletas que nasceram noutras latitudes não se resumem aos países de língua oficial portuguesa. Sasa Borovnjak, por exemplo, é um antigo membro da equipa de basquetebol do FC Porto, que nasceu na Sérvia mas naturalizou-se português, em 2020, e foi chamado à seleção nacional. Também Tsanko Arnaudov, nascido na Bulgária, se nacionalizou português em 2010, e tem representado desde então o país no lançamento do peso.

De uma forma geral, dentro e fora do atletismo, são dezenas os atletas que, não tendo nascido no país, encontraram em Portugal terreno fértil para desenvolver as suas carreiras desportivas, ao mesmo tempo que levaram a equipa das quinas a diferentes pódios, na Europa e no Mundo.

No mundo moderno do desporto nacional, vários atletas naturalizados portugueses atingiram grandes feitos pelo país, como foi o ouro de Nelson Évora nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008, ou a prata de Francis Obikwelu nos Jogos de Atenas, em 2004.

 

A naturalização nem sempre foi consensual

Apesar da proliferação de atletas portugueses naturalizados com as quinas ao peito, o processo nem sempre foi pacífico, e levou mesmo a situações de polémica no passado.

Foi o caso, da inclusão de Viktor Tchikoulaev, Vladimir Bolotskih e Vojislav Kraljic na seleção nacional, depois de uma passagem pelo ABC de Braga que os viu brilhar na final da Liga dos Campeões de andebol, em 1994. O processo de naturalização permitiu à seleção nacional preencher algumas lacunas, mas levantou sobrancelhas devido ao tempo de permanência dos jogadores em Portugal. Na altura, falava-se em naturalizações à la carte. As polémicas em torno das naturalizações, no entanto, não se ficaram pelo passado. Tome-se o exemplo de Alfredo Quintana, antigo guarda-redes de andebol do FC Porto, que foi chamado à seleção nacional em 2014. Mesmo nesta altura, e já depois de viver em Portugal há vários anos, surgiram várias vozes negativas sobre a sua naturalização, argumentando que era “desnecessária”.

Também sobre Pedro Pichardo caiu alguma polémica, em torno da rapidez com que se processou a sua naturalização, que demorou apenas oito meses. Na altura, Nelson Évora – também ele atleta naturalizado – criticou a rapidez com que se tratou o processo de Pichardo, que lhe pareceu que esteve associado a “questões clubísticas”, como o mesmo afirmou, e que foi uma jogada “pessoal” contra si.