Há precisamente uma semana, uma entrevista concedida ao i pela economista Susana Peralta fez correr alguma tinta. O título escolhido para a capa deste jornal prestava-se a isso: “A crise devia ser paga por toda a burguesia do teletrabalho”.
Infelizmente, a burguesia em Portugal parece ser cada vez mais uma espécie em vias de extinção. Com o salário mínimo e o salário médio (um dos mais baixos da Europa) quase ombro a ombro, uma carga fiscal demasiado pesada e os preços de bens essenciais como a eletricidade e os combustíveis muito mais altos do que em países como Espanha, a classe média já carrega uma cruz bastante pesada.
Com a pandemia as coisas ficaram piores. As pessoas estão a trabalhar mais, acumulando as respetivas profissões com as tarefas em casa e o cuidado dos filhos. Mas há mais.
Além de terem essa sobrecarga, muitos continuam a pagar a escola ou o infantário, embora estejam fechados, para que todos os funcionários continuem a receber os seus salários ao fim do mês. Algumas dessas instituições, por exemplo, continuam até a cobrar as refeições, embora evidentemente as crianças façam as suas refeições em casa: mas há que pagar às cozinheiras que estão sem trabalho. Nada a opor.
Outro exemplo é o das empregadas domésticas. Muita da classe média – e nem toda especialmente endinheirada – continua a pagar às suas empregadas como se estivessem a trabalhar. E acredito que como estes haverá outros exemplos em que os portugueses que têm o privilégio de manter os seus empregos estão a financiar a crise e a pagar por serviços que não lhes são prestados. Se isto não é uma forma de solidariedade, não sei o que será.
Portanto a discussão não devia ser se “a burguesia do teletrabalho” deve ou não pagar a crise. Quer queira quer não, já está a pagá-la. A questão a colocar é se deve ser ainda mais penalizada pelo luxo raro hoje em dia de ter um emprego. Noutros países talvez faça sentido. Em Portugal acho que a burguesia – se é que é burguesia – já paga o suficiente.