O Bloco Central aterrou no Montijo


O pré-acordo de Bloco Central lança uma sombra de desconfiança sobre a Avaliação Ambiental Estratégica e os seus objetivos: servir o interesse público ou legitimar o negócio da Vinci?


No dia 6 de dezembro a RTP exibiu o que à primeira vista poderia parecer mais um documentário sobre a vida selvagem com propósitos educativos. Mas Migradores de Longa Distância: entre o Tejo e o Ártico não é só o resultado filmado duma década e meia de investigação sobre a odisseia dos maçaricos-de-bico-direito entre o estuário do Tejo e a região sub-ártica da Islândia. É uma interpelação sobre a estupidez humana.

Qualquer semelhança entre este preâmbulo e a conhecida revelação do ex-Secretário de Estado Alberto Souto de Miranda, a propósito da construção de um aeroporto no Montijo, de que "os pássaros não são estúpidos e é provável que se adaptem", não é mera coincidência. Além de atestar o engenho destes pássaros que percorrem sem GPS nem paragens os 3000 quilómetros da viagem entre Portugal e a Islândia, Migradores de Longa Distância coloca em confronto direto o futuro da sustentabilidade ambiental e a leviandade de algumas decisões políticas.

Foi sempre essa a natureza da escolha da Base Aérea nº 6 do Montijo para a construção de um aeroporto complementar ao da Portela: leviana.

De outra forma não se teria tentado expandir a capacidade aeroportuária do país sem uma Avaliação Ambiental Estratégica que estudasse os efeitos comparados da solução Portela+Montijo com outras possibilidades e a sua relação com os compromissos internacionais para a redução dos gases com efeito de estufa. Melhor, não se colocaria sequer a hipótese de construir um aeroporto numa Zona de Proteção Especial do Estuário do Tejo e numa das zonas húmidas mais importantes da Europa.

De outra forma seria impensável impor toda esta destruição ambiental por um projeto que não serve os interesses do país nem da região, prejudica a qualidade de vida das populações em zonas urbanas consolidadas, não tem acesso ferroviário e não garante uma solução aeroportuária para lá de 2050.

Como é que décadas de estudo acabam numa decisão precipitada e imprudente? Pelo resultado de um jogo de soma nula entre o negócio da empresa francesa Vinci, concessionária da ANA, e o interesse estratégico do país. Para um ganhar, o outro teria de perder.

Até agora o país estava a perder. A reviravolta surgiu com a decisão da ANAC de indeferir liminarmente o pedido de apreciação prévia do aeroporto do Montijo por razões legais que obrigam ao parecer positivo de todas as autarquias potencialmente afetadas. A recusa dos municípios do Seixal e da Moita trouxe de volta aquilo que António Costa tinha negado ao país: um plano B para o Montijo.

Essa recusa abre finalmente a porta para uma Avaliação Ambiental Estratégica que tem vindo a ser admitida, e até já foi aprovada pelo Parlamento, mas sempre adiada. Segundo as declarações de Pedro Nuno Santos, volta a estar em cima da mesa a opção Alcochete, a única verdadeiramente estudada no século XXI. Com esta boa notícia poderiamos até perdoar a ligeireza com que o Governo deixou caducar, no final do ano passado, a Declaração de Impacte Ambiental de Alcochete. Quase nos convenceu. Até que apareceu Rui Rio.

A disponibilidade imediata do PSD para lançar a mão ao Governo e alterar a lei que dá poder de veto às autarquias seria enternecedora se não fosse trágica. A velocidade da resposta laranja até deu a entender que já estava tudo cozinhado. O pré-acordo de bloco central lança uma sombra de desconfiança sobre a Avaliação Ambiental Estratégica e os seus objetivos: servir o interesse público ou legitimar o negócio da Vinci?

Feitos os alertas, a boa notícia é que a localização do aeroporto está novamente em debate. Atenção: este é o tipo de decisão pela qual as gerações futuras nos vão julgar. A natureza adapta-se mas não aguenta a ganância das multinacionais quando há partidos que são seus guarda-costas. A inteligência dos pássaros não resiste à estupidez do capitalismo.

 

O Bloco Central aterrou no Montijo


O pré-acordo de Bloco Central lança uma sombra de desconfiança sobre a Avaliação Ambiental Estratégica e os seus objetivos: servir o interesse público ou legitimar o negócio da Vinci?


No dia 6 de dezembro a RTP exibiu o que à primeira vista poderia parecer mais um documentário sobre a vida selvagem com propósitos educativos. Mas Migradores de Longa Distância: entre o Tejo e o Ártico não é só o resultado filmado duma década e meia de investigação sobre a odisseia dos maçaricos-de-bico-direito entre o estuário do Tejo e a região sub-ártica da Islândia. É uma interpelação sobre a estupidez humana.

Qualquer semelhança entre este preâmbulo e a conhecida revelação do ex-Secretário de Estado Alberto Souto de Miranda, a propósito da construção de um aeroporto no Montijo, de que "os pássaros não são estúpidos e é provável que se adaptem", não é mera coincidência. Além de atestar o engenho destes pássaros que percorrem sem GPS nem paragens os 3000 quilómetros da viagem entre Portugal e a Islândia, Migradores de Longa Distância coloca em confronto direto o futuro da sustentabilidade ambiental e a leviandade de algumas decisões políticas.

Foi sempre essa a natureza da escolha da Base Aérea nº 6 do Montijo para a construção de um aeroporto complementar ao da Portela: leviana.

De outra forma não se teria tentado expandir a capacidade aeroportuária do país sem uma Avaliação Ambiental Estratégica que estudasse os efeitos comparados da solução Portela+Montijo com outras possibilidades e a sua relação com os compromissos internacionais para a redução dos gases com efeito de estufa. Melhor, não se colocaria sequer a hipótese de construir um aeroporto numa Zona de Proteção Especial do Estuário do Tejo e numa das zonas húmidas mais importantes da Europa.

De outra forma seria impensável impor toda esta destruição ambiental por um projeto que não serve os interesses do país nem da região, prejudica a qualidade de vida das populações em zonas urbanas consolidadas, não tem acesso ferroviário e não garante uma solução aeroportuária para lá de 2050.

Como é que décadas de estudo acabam numa decisão precipitada e imprudente? Pelo resultado de um jogo de soma nula entre o negócio da empresa francesa Vinci, concessionária da ANA, e o interesse estratégico do país. Para um ganhar, o outro teria de perder.

Até agora o país estava a perder. A reviravolta surgiu com a decisão da ANAC de indeferir liminarmente o pedido de apreciação prévia do aeroporto do Montijo por razões legais que obrigam ao parecer positivo de todas as autarquias potencialmente afetadas. A recusa dos municípios do Seixal e da Moita trouxe de volta aquilo que António Costa tinha negado ao país: um plano B para o Montijo.

Essa recusa abre finalmente a porta para uma Avaliação Ambiental Estratégica que tem vindo a ser admitida, e até já foi aprovada pelo Parlamento, mas sempre adiada. Segundo as declarações de Pedro Nuno Santos, volta a estar em cima da mesa a opção Alcochete, a única verdadeiramente estudada no século XXI. Com esta boa notícia poderiamos até perdoar a ligeireza com que o Governo deixou caducar, no final do ano passado, a Declaração de Impacte Ambiental de Alcochete. Quase nos convenceu. Até que apareceu Rui Rio.

A disponibilidade imediata do PSD para lançar a mão ao Governo e alterar a lei que dá poder de veto às autarquias seria enternecedora se não fosse trágica. A velocidade da resposta laranja até deu a entender que já estava tudo cozinhado. O pré-acordo de bloco central lança uma sombra de desconfiança sobre a Avaliação Ambiental Estratégica e os seus objetivos: servir o interesse público ou legitimar o negócio da Vinci?

Feitos os alertas, a boa notícia é que a localização do aeroporto está novamente em debate. Atenção: este é o tipo de decisão pela qual as gerações futuras nos vão julgar. A natureza adapta-se mas não aguenta a ganância das multinacionais quando há partidos que são seus guarda-costas. A inteligência dos pássaros não resiste à estupidez do capitalismo.