José Torres, o grande José Torrres, Bom Gigante da cabeça aos pés, daqueles que continua a deixar saudades, dizia adeus ao Benfica. Metido no negócio da vinda de Vítor Baptista para a Luz iria vestir pela última vez a camisola vermelha com a águia sobre o coração. O adversário que o Benfica recebia para a magoada despedida era de truz: o Arsenal de Londres, um daqueles clubes cujo prestígio tem conseguido sobreviver à míngua de títulos praticamente intacto. Jimmy Hagan, o inglês que treinava o Benfica, não era muito dado a festarolas do género. Para ele, todos os jogos eram para ganhar, nem que fossem a feijões ou a lentilhas. Por isso, nem na hora do último aceno para o povo que o adorava, Torres teve direito a mais de dois minutos em campo – os dois primeiros.
É preciso dizer que nesse dia 31 de julho de 1971, sábado em Lisboa e no mundo, Eusébio resolveu fazer uma daquelas exibições de deixar todo o estádio de olhos arregalados, um fio de baba escorrendo pelos queixos dos que, boquiabertos, não descobriam forma de fechar os queixais. Jogando recuado, no meio campo, entre Jaime Graça e Simões, provou para quem ainda tinha dúvidas que, aos 29 anos, e a despeito das contínuas operações ao maldito joelho que o faziam sofrer horrores, tinha todas as qualidades para jogar onde fosse preciso.
Vítor Baptista, menino bonito do final da tarde, jogando na frente ao lado de Nené e Artur Jorge, tratou de fazer o primeiro golo, desviando subtilmente uma bola que estava no caminho dos pés de Rice e McLintock. Estavam decorridos 34 minutos de jogo e o campeão inglês andava pura e simplesmente aos papéis perante a superioridade lusitana. “Oh my God! Incredible!”, soltava um jornalista britânico fascinado, roendo o lápis na cabina de imprensa.
Alegria! O público da Luz estava encantado. O jogo podia muito bem ser amigável, mas há muito que não assistiam a uma exibição internacional tão consistente, tão agressiva, tão criativa. E logo contra o grande Arsenal.
Eusébio estava possesso. O Pantera Negra aprimorava os passes, tornava-se infalível nas solicitações aos companheiros, arrancava, de longe, pontapés fulminantes que aterrorizavam o keeper adversário. De repente, já no início do segundo tempo, desatou a correr como um Mercúrio negro de asas nos pés. Atravessou dois adversários e parecia que estes não passavam de figuras de fumaça em forma de humanos. Tocou para Simões que, com mais um drible, foi à linha de fundo centrar para Vítor Baptista. A bola saiu da cabeça do Vítor para a cabeça de Eusébio e o golo foi tão perfeito, tão irrepetível, que muitos dos jogadores do Arsenal não perderam a oportunidade de o aplaudir com aquele fair-play que faz parte da cultura da grande ilha para lá da Mancha.
A vitória do Benfica podia ter sido bem mais volumosa, mas ficou-se por aí. Como de costume, à portuguesa, o entretenimento levou a melhor sobre a eficácia. Os arsenalistas saíram vivos dessa noite fantástica da Luz na qual o Benfica apresentou uma série de reforços que prometiam uma época de exceção.
José Torres, o centro da festa entrara em campo para erguer sobre a sua cabeça, bem lá no alto, o troféu oferecido pelo Benfica pelos fantásticos serviços prestados desde 1959. Jogou somente dois minutos. Hagan não era homem de sentimentalismos, fechado na sua frieza e na sua distância com algo de misterioso.
Felizes, os benfiquistas regressaram a casa: “Temos equipa!”, lançavam de uns para os outros com laivos de esperança. De facto, conquistariam o campeonato nacional e a Taça de Portugal e só seriam afastados da final da Taça dos Campeões num a célebre meia-final frente ao Ajax. Cinco dias mais tarde iriam apresentar-se em Londres para retribuírem a deslocação do Arsenal. As coisas correram mal. Desastrados na defesa, saíram vergados ao peso de uma derrota por 2-6.