Uma Primavera Árabe na Palestina?


Fatah e Hamas reunidos no Cairo, anúncio conjunto de eleições já em Maio, reabertura da fronteira de Gaza, Tribunal Penal Internacional a considerar-se competente para julgar crimes de guerra praticados na Palestina. Too good to be true?


Com a ajuda de Trump, a questão palestiniana desaparecera das agendas diplomáticas. Israel multiplicou os colonatos nos territórios ocupados ao mesmo tempo que estabeleceu relações diplomáticas com uma série de Estados árabes. O processo de paz no Médio Oriente deixou de girar em torno da questão palestiniana e foi substituído pela multiplicação de proxy wars entre o Irão e as potências sunitas encabeçadas pela Arábia Saudita. A necessidade de combater Teerão sempre aproximou Israel de vários Estados árabes, mas nunca de uma forma tão ostensiva.

Apeado Trump, pelo Médio Oriente assiste-se a um reposicionar das diversas forças. A Arábia Saudita está em perda e o Egipto decidiu patrocinar uma reconciliação entre palestinianos, admitindo que Netanyahu, a contas com várias acusações por corrupção, com eleições dentro de algumas semanas e um novo e hostil Presidente nos EUA, não arriscará esmagar pela força a reconciliação na Palestina.

A 5 de Fevereiro deste ano, o Tribunal Penal Internacional (TPI) considerou-se competente para julgar crimes cometidos no território da Palestina. A Palestina aderiu ao Estatuto de Roma em 2 de Janeiro de 2015 e fez retroagir a competência do TPI a 13 de Junho de 2014. A escolha da data não é inocente: Israel invadiu a Faixa de Gaza a partir de 8 de Julho de 2014. O conflito deu origem a mais de 2300 mortes, a maioria causadas por militares israelitas, mas houve também muitas centenas de mortos às mãos do Hamas, assassinados por terem sido classificados como traidores à causa ou por terem servido de escudos humanos ao lançamento de rockets em direcção a Israel e que acabaram por explodir em Gaza. Futuras acusações pela procuradora do TPI poderão incluir nacionais de Israel e da Palestina, irmanados na violação de vários dispositivos das Convenções de Genebra.

Contra a decisão do TPI foram (e serão) esgrimidos argumentos, desde logo os de matriz formalista. O Estatuto de Roma permite ao TPI exercer a sua jurisdição em relação ao “Estado em cujo território tenha tido lugar a conduta em causa”. Israel não reconhece a Palestina como Estado e, em coerência, enviou ao TPI dois memorandos defendendo esta tese. O TPI – numa decisão por maioria, com um longo voto de vencido do presidente da secção – baseou a sua competência na vinculação da Palestina ao Estatuto de Roma, não objectada por nenhum Estado, no efeito útil de tal vinculação e da atribuição de competência ao TPI, de par com a vinculação da Palestina a outras convenções internacionais às quais só podem vincular-se Estados, com a prática da Assembleia-Geral da ONU e as decisões do Conselho de Segurança rejeitando a ocupação israelita e reconhecendo o direito à autodeterminação do povo palestiniano. Segundo o TPI, os Acordos de Oslo entre Israel e a OLP não podem limitar a possibilidade de a Palestina, à semelhança de outros Estados, delegar no TPI o exercício da jurisdição em matéria penal. Este argumento do TPI segue de perto a sua jurisprudência, que já tinha afastado a invocação do Status of Forces Agreement entre os EUA e o Afeganistão como precludindo a jurisdição com base no Estatuto de Roma.

Consciente das dificuldades da questão palestiniana, o TPI declara bastas vezes decidir com base no respectivo Estatuto, não se substituindo esta decisão às que naquela matéria venham a ser tomadas pelos órgãos da ONU. E recorda que, se e quando forem deduzidas acusações no caso em apreço, a jurisdição do TPI poderá ser questionada pelos acusados.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


Uma Primavera Árabe na Palestina?


Fatah e Hamas reunidos no Cairo, anúncio conjunto de eleições já em Maio, reabertura da fronteira de Gaza, Tribunal Penal Internacional a considerar-se competente para julgar crimes de guerra praticados na Palestina. Too good to be true?


Com a ajuda de Trump, a questão palestiniana desaparecera das agendas diplomáticas. Israel multiplicou os colonatos nos territórios ocupados ao mesmo tempo que estabeleceu relações diplomáticas com uma série de Estados árabes. O processo de paz no Médio Oriente deixou de girar em torno da questão palestiniana e foi substituído pela multiplicação de proxy wars entre o Irão e as potências sunitas encabeçadas pela Arábia Saudita. A necessidade de combater Teerão sempre aproximou Israel de vários Estados árabes, mas nunca de uma forma tão ostensiva.

Apeado Trump, pelo Médio Oriente assiste-se a um reposicionar das diversas forças. A Arábia Saudita está em perda e o Egipto decidiu patrocinar uma reconciliação entre palestinianos, admitindo que Netanyahu, a contas com várias acusações por corrupção, com eleições dentro de algumas semanas e um novo e hostil Presidente nos EUA, não arriscará esmagar pela força a reconciliação na Palestina.

A 5 de Fevereiro deste ano, o Tribunal Penal Internacional (TPI) considerou-se competente para julgar crimes cometidos no território da Palestina. A Palestina aderiu ao Estatuto de Roma em 2 de Janeiro de 2015 e fez retroagir a competência do TPI a 13 de Junho de 2014. A escolha da data não é inocente: Israel invadiu a Faixa de Gaza a partir de 8 de Julho de 2014. O conflito deu origem a mais de 2300 mortes, a maioria causadas por militares israelitas, mas houve também muitas centenas de mortos às mãos do Hamas, assassinados por terem sido classificados como traidores à causa ou por terem servido de escudos humanos ao lançamento de rockets em direcção a Israel e que acabaram por explodir em Gaza. Futuras acusações pela procuradora do TPI poderão incluir nacionais de Israel e da Palestina, irmanados na violação de vários dispositivos das Convenções de Genebra.

Contra a decisão do TPI foram (e serão) esgrimidos argumentos, desde logo os de matriz formalista. O Estatuto de Roma permite ao TPI exercer a sua jurisdição em relação ao “Estado em cujo território tenha tido lugar a conduta em causa”. Israel não reconhece a Palestina como Estado e, em coerência, enviou ao TPI dois memorandos defendendo esta tese. O TPI – numa decisão por maioria, com um longo voto de vencido do presidente da secção – baseou a sua competência na vinculação da Palestina ao Estatuto de Roma, não objectada por nenhum Estado, no efeito útil de tal vinculação e da atribuição de competência ao TPI, de par com a vinculação da Palestina a outras convenções internacionais às quais só podem vincular-se Estados, com a prática da Assembleia-Geral da ONU e as decisões do Conselho de Segurança rejeitando a ocupação israelita e reconhecendo o direito à autodeterminação do povo palestiniano. Segundo o TPI, os Acordos de Oslo entre Israel e a OLP não podem limitar a possibilidade de a Palestina, à semelhança de outros Estados, delegar no TPI o exercício da jurisdição em matéria penal. Este argumento do TPI segue de perto a sua jurisprudência, que já tinha afastado a invocação do Status of Forces Agreement entre os EUA e o Afeganistão como precludindo a jurisdição com base no Estatuto de Roma.

Consciente das dificuldades da questão palestiniana, o TPI declara bastas vezes decidir com base no respectivo Estatuto, não se substituindo esta decisão às que naquela matéria venham a ser tomadas pelos órgãos da ONU. E recorda que, se e quando forem deduzidas acusações no caso em apreço, a jurisdição do TPI poderá ser questionada pelos acusados.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990