Prioridade nacional: vacinar, vacinar, vacinar


Ao ritmo atual, no final de 2021 só 10% da população estará imunizada. Com tudo o resto constante, a percentagem subirá para 22% quando 2022 chegar ao fim.


A operação de vacinação, em Portugal e na esmagadora maioria dos países da UE, está a derrapar. As farmacêuticas mostram-se incapazes de honrar os contratos milionários que assinaram com Bruxelas. Entre falhas de produção, dilatamento de prazos e pressões políticas e comerciais, são muito (e muitas) más notícias sob todos os pontos de visa.

A primeira conclusão é que, ao contrário do que todos esperávamos, e a manter-se este ritmo lento de imunização da população europeia, o nosso principal espaço de integração política e económica arrastará os efeitos da crise bem para dentro de 2022. O contraste com os Estados Unidos, Israel e o Reino Unido é evidente. A retoma da economia europeia para este ano pode estar em causa, o que marcará uma diferença muito substancial entre as dinâmicas dos principais blocos geográficos mundiais. Há uma relação clara entre sucesso da operação de vacinação e a velocidade e duração da retoma económica, com efeitos no agravamento das rupturas sociais.

O que nos leva a uma segunda conclusão: com a meta de 70% da população europeia vacinada até ao verão em causa, com consequente intensificação da pressão na frente económica e sanitária, a Europa será incapaz de diminuir o fosso que já a separa dos seus competidores diretos na arena global. Pior, como se tem visto em vários estados-membros, a saturação pandémica está a degradar as relações sociais e politicas, com os movimentos populistas e extremistas a semearem desordem e a cavalgar os (inevitáveis) insucessos dos governos na longa, dura e desgastante gestão da covid-19. Para evitar o agravamento destas brechas sociais internas, alguns governos decidiram furar a negociação europeia das vacinas, contratando diretamente milhares ou milhões de doses a terceiras partes. Com isso abriram novas fendas na solidariedade europeia e rombos no bloco dos 27. Com o descontentamento dirigido à Comissão Europeia a subir de tom, conter a cultura do salve-se quem puder é decisiva. Muitos parecem ainda não ter percebido que só juntos podemos sair disto.

O que me leva a uma terceira ideia. Ao ritmo atual, no final de 2021 só 10% da população estará imunizada. Com tudo o resto constante, a percentagem subirá para 22% quando 2022 chegar ao fim. Estes números escondem, evidentemente, um desequilibro muito grande entre elevadas percentagens e imunização nos países desenvolvidos contra números insignificantes nos países pobres. Isto quer dizer o quê? Para além de dizer muito sobre a catástrofe moral que assola o planeta – como oportunamente assinalou o líder da Organização Mundial de Saúde -, diz também que por mais imunizados que estejam os países ricos, o vírus continuará a circular pelo mundo. Possivelmente com mais mutações, com mais variantes, que nunca nos deixarão descansados. A normalidade – do comércio livre, das fronteiras abertas, do turismo, da partilha – não regressará sem uma imunidade de grupo global. Com um português à frente da Organização das Nações Unidas e outro a liderar a Aliança Global para as Vacinas, respetivamente António Guterres e Durão Barroso, está nas mãos de dois compatriotas nossos dar ao mundo uma réstia de humanidade e esperança.

Quanto a Portugal, o nosso país não escapa, evidentemente, a estas dinâmicas globais. O problema é que lhes acrescentou as suas idiossincrasias e deformações históricas – o chico-espertismo, a cunha e o desenrascanço, a propaganda e a mentira. É crítico que os responsáveis políticos pelo plano compreendam o essencial: cada caso de abuso é veneno para a democracia; cada jogada de propaganda é um rombo nas instituições; cada dia que se perde sem vacinas é um dia a mais na agonia dos empresários e das famílias.

A relação entre o confinamento e vacinação é inversamente proporcional. Ou seja: quanto maior a percentagem de pessoas vacinadas, mais ténues são as regras de confinamento. Logo, quanto mais tempo demorarmos a atingir a imunidade de grupo, mais tempo vigorarão e mais violentas serão as medidas sobre o tecido económico e social das nossas comunidades, menores serão as margens de liberdade dos cidadãos e maior será o desgaste do Serviço Nacional de Saúde.

As autarquias têm sido o braço armado do Estado contra o coronavírus. Também no processo de vacinação, o Governo sabe que pode contar com as câmaras municipais. Sem disputar responsabilidades, foram muitas as autarquias que puseram mãos à obra e criaram centros de vacinação em massa para suprimir a falta de capacidade dos centros de saúde. Em Cascais, criámos de raiz dois centros de vacinação (em dois pavilhões desportivos), contratámos enfermeiros, seguranças, instalamos redes de frio e de internet, montamos gabinetes e mais fosse necessário, mais estaria feito. Como bem sinalizou o novo coordenador do Plano de Vacinação, o Almirante Gouveia e Melo, não é por falta de capacidade instalada que os atrasos se verificam. Haja vacinas e em Cascais podemos vacinar 215 mil pessoas em 90 dias. Toda a população residente, até ao verão.

Falo por Cascais – e não estarei longe da verdade se disser que falo por todos os meus colegas presidentes de Câmara –, mas não é por falta de vontade e disponibilidade dos autarcas que a vacinação não vai correr sobre rodas.

Portugal precisa disso.

As pessoas precisam muito da vitória da normalidade. É por isso que a prioridade de António Costa, do Governo, do país, deve ser uma e só uma: vacinar, vacinar, vacinar.

Estaremos tão mais perto de ser mais bem-sucedidos quanto mais verdade, mais escrutínio, menos política e menos propaganda houver no plano de vacinação.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira