Portugal transformou-se politicamente num microcosmos tão especial que é hoje conduzido quase casuisticamente. Nos últimos dias, a meu ver como seria de esperar, a incompetência de quem nos governa voltou a manifestar-se de forma gritante, desta feita no que respeita à vacinação dos portugueses e a vários abusos alegadamente cometidos. É certo, e já várias vezes o escrevi, que no que toca à gestão desta pandemia nada é fácil, sendo antes, porventura, fácil cometer erros e falhas. Mas o que já não é de todo compreensível e/ou admissível é esta amálgama de indicações e contraindicações nos grupos prioritários de vacinação, que são muitas vezes violados por abutres que deles não constam. O processo de vacinação, atendendo a que a entrega das vacinas a Portugal é ainda exígua e sujeita a constantes alterações nos prazos de entrega que, por sua vez, atrasarão todo o processo de vacinação, que antagonicamente é urgente, merece um cuidado e condução especial. E o especial significa que quem coordena todo este esforço tem de compreender e fazer compreender que, por muito medo que todo e cada um de nós tenha pela sua saúde ou pela saúde dos seus, não pode esquecer que essa preocupação é a mesma preocupação do nosso semelhante. Chega a ser asqueroso que quase diariamente surjam relatos de vacinações indevidas que, não se encontrando nos grupos prioritários, representem não só um claro abuso como, na minha opinião, indo mais longe, até uma conduta criminal que deve ser severamente punida. Os grandes líderes, os grandes políticos, os grandes coordenadores de serviço em momentos de crise gravíssima, como aquela que vivemos, destacam-se não pelo aproveitamento das suas funções para salvar a própria pele, mas antes pela capacidade de assumirem que essas mesmas funções os colocam sempre e invariavelmente no último lugar da fila. Por princípio, por ética e pelo dever de serviço a Portugal e aos portugueses. Desde que não sejam portadores de qualquer enfermidade ou idade que os coloque como sendo prioritários na vacinação, quaisquer diretores de serviço, representantes ou funcionários de instituições ou mesmo políticos que admitam ser vacinados apenas pelo cargo que desempenham são indignos de continuar a exercê-lo. É, portanto, vergonha nacional, apenas mais uma, tudo aquilo a que estamos a assistir. Como foram outra vergonha as palavras do agora já ex-coordenador da task force que, quando confrontado com a sua grotesca incompetência, se deu ainda ao luxo de fazer graçolas de natureza político-partidária para desviar as atenções da mesma, ou a existência de uma suposta lista de deputados a vacinar de que constava, por exemplo, uma deputada socialista que, tendo como eu 32 anos e, que se saiba, nenhum problema de saúde, aparecia já como sendo dos primeiros a serem vacinados – hoje como sempre, o Partido Socialista na vanguarda do deboche. Termino como comecei: Portugal é hoje um país que navega completamente à vista, e o que me causa espanto é ainda ser possível que, perante tudo isto e se a isto juntarmos, por exemplo, a pressão europeia sobre o Executivo no que diz respeito à nomeação do procurador europeu ou a descida de Portugal no ranking internacional de democraticidade interna, ninguém tenha a coragem de dar um murro na mesa. A venezuelização de Portugal está em curso.
Escreve à sexta-feira