Violência doméstica. Um novo “botão de pânico” para telemóvel

Violência doméstica. Um novo “botão de pânico” para telemóvel


Em Abrantes, os serviços municipais criaram uma aplicação com um “botão de ajuda” para auxiliar as vítimas. Psicólogo da APAV diz ser uma “mais-valia”, mas alerta para a existência de uma “rede de apoio”.


Com o regresso de um confinamento mais rigoroso, a 15 de janeiro, para conter as mais de 200 mortes diárias por covid-19 em Portugal, as vítimas de violência doméstica voltaram a ter de passar muitas horas com os agressores em casa, à semelhança do que aconteceu em março e abril do ano passado. Como tal, há quem faça todos os esforços para tentar ajudar estas vítimas, apelando à imaginação e criando até uma espécie de botão de pânico local.

No município de Abrantes, os serviços da câmara municipal desenvolveram uma aplicação para telemóvel que incorpora um “botão de ajuda” para denúncia imediata. Este apoio tem como objetivo facilitar o contacto com o Serviço de Atendimento à Vítima de Abrantes, uma vez que “a pessoa agredida não tem de escrever obrigatoriamente qualquer mensagem ou falar, evitando assim a atenção do agressor”. Está disponível 24 horas por dia, todos os dias da semana. A denúncia é recebida pelos serviços municipais de ação social que apoiam a vítima e, se necessário, reencaminham o caso para as forças de segurança ou junto da linha de emergência nacional.

“A aplicação Abrantes 360 Mobile é uma mais-valia para os cidadãos e vai ao encontro das intenções da autarquia de aproximar cada vez mais os munícipes dos serviços municipais. A covid-19 combate-se também desta forma e nós, como sociedade, somos responsáveis por acabar com este problema grave da violência doméstica, denunciando direta ou indiretamente, para uma ação rápida e eficaz. Não podemos deixar estas vítimas para trás e temos de continuar unidos em mais esta luta”, sublinhou o presidente da Câmara Municipal de Abrantes, Manuel Jorge Valamatos.

Rede de apoio necessária Para que esta ajuda possa dar frutos há que ter em atenção também toda a rede de apoio que é dado às vítimas. Ao i, Daniel Cotrim, psicólogo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), explicou que este tipo de mecanismos é sempre uma “mais-valia”, mas ressalvou que é igualmente importante a comunicação rápida de todos os serviços de apoio para que a vítima seja rapidamente auxiliada.

“Para que estas coisas funcionem todas bem é preciso que a priori esteja também desenvolvida e construída uma rede de apoio às vítimas de violência doméstica. Não chega apelar apenas às forças de segurança para que elas possam intervir. É importante todo o apoio que se dá de seguida: intervenção na crise, prestada por técnicos de apoio à vítima devidamente qualificados; uma intervenção imediata da própria comissão e proteção se houver crianças; e os serviços de saúde também estarem, de alguma forma, relacionados com estas questões, porque muitas vezes há situações de emergência de saúde que devem ser acauteladas”, reforçou, acrescentando que, se esta aplicação fosse eventualmente uma ajuda a nível nacional, teria de haver “um conjunto de ações de grandes organizações” para que as respostas às vítimas pudessem ser dadas de forma célere.

“Estas aplicações são importantes, mas já existe a teleassistência, que é atribuída pelo tribunal. Tal como essa, é fundamental que funcione em rede”, afirmou Daniel Cotrim.

Apoio presencial à vítima se necessário Apesar de Portugal estar a atravessar um confinamento rigoroso devido à covid-19, o psicólogo da APAV quis deixar claro que “nem as forças de segurança nem as organizações de apoio se encontram confinadas”, salientando que estão a ser cumpridas todas as medidas impostas pelo Governo, mas que “o apoio continua a ser presencial quando é avaliado para tal”.

“NA APAV temos uma linha telefónica gratuita, que funciona das 9h00 às 21h00. As vítimas de violência doméstica podem entrar em contacto connosco. É feita uma avaliação do grau de risco, elaborado um plano de segurança pessoal e, sempre que necessário, avaliando as situações, pode haver, como houve em março e abril do ano passado, atendimentos presenciais de emergência”, alertou. Certo é que, desde novembro, os novos pedidos de ajuda à APAV têm vindo a diminuir, mas este decréscimo não significa que não tem havido casos de violência doméstica, “muito pelo contrário”, disse.

“Acredito que o número de pessoas que não pedem ajuda é extremamente elevado. E, a partir de novembro, muita gente voltou ao teletrabalho, ou seja, a vítima e a pessoa agressora voltaram a estar juntas. Apesar de estarmos a viver um confinamento muito diferente do que o de março – temos muito mais liberdade de movimentos –, ainda existe uma coerção ou uma coação que pode ser exercida pela pessoa agressora junto da vítima, que tem tido alguma dificuldade no acesso a meios de segurança”, revelou o psicólogo.

“Para a violência doméstica não há vacina” Mais do que nunca, denunciar este crime público é importante e pode ser uma questão de vida ou de morte para a vítima. Em jeito de alerta, Daniel Cotrim referiu ainda que, ao contrário do que acontece para a covid-19, não existe qualquer vacina para a violência doméstica.

“É importante a denúncia do crime. É um crime público e os vizinhos devem denunciá-lo. Temos feito subir e descer os números da covid-19, com responsabilidade e irresponsabilidade. Mas a questão é que, para a covid-19, já há uma vacina. Para a violência doméstica não há vacina, por isso depende de nós denunciarmos. E não podemos esquecer-nos que onde pode existir violência doméstica, habitualmente contra uma mulher, também pode estar a existir violência contra uma criança, um jovem ou uma pessoa mais velha”, rematou.