Há uma semana que Francisco Ramos, o coordenador demissionário do plano de vacinação da covid-19, estava sob enorme pressão. Não havia dia em que não fosse noticiado um caso de toma indevida da vacina e, a cada momento, as suas declarações geravam mais críticas. Até no PS, a situação estava a ser encarada com grande apreensão. Em menos de 24 horas, e perante o facto de terem sido detetadas “irregularidades (…) pelo próprio no processo de seleção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, do qual [Francisco Ramos] é presidente da comissão executiva”, o responsável apresentou a demissão. E comunicou-a à equipa de coordenação pela manhã de ontem, incluindo ao seu sucessor, o vice-almirante Henrique Gouveia e Melo.
O Ministério da Defesa lembrou, em comunicado, que o novo responsável pela coordenação da vacinação já integrava a task force de Francisco Ramos. Henrique Gouveia e Melo reuniu-se ontem com a ministra da Saúde, Marta Temido, e à saída prestou declarações aos órgãos de comunicação social, destacando que foi informado por Francisco Ramos pela manhã e a forma muito honrada como o seu antecessor sai de cena. Para quem não saiba, o vice-almirante já foi porta-voz da Marinha e exerceu o “comando dos Submarinos Delfim e Barracuda e da fragata NRP Vasco da Gama”, conforme se pode ler na nota oficial do Ministério da Defesa.
A escolha de um militar para coordenar este plano crucial para o país agradou ao PSD, que o exigia desde o início. Ontem mesmo, o líder social-democrata alertava que “temos de vacinar 70% da população adulta (cinco milhões e meio de pessoas) até ao fim de junho. Se não o fizermos, deitamos fora o verão e damos cabo ainda mais da economia nacional, sobretudo do turismo”. E atingir esta meta significa vacinar 50 mil pessoas por dia, quando o país está a vacinar uma média de 10 mil. As contas são do PSD – o PS não as confirmou e preferiu destacar o respeito por Francisco Ramos na hora da saída. O CDS também sugeriu, pela voz de Ana Rita Bessa, que o tempo era de alguém militar, com conhecimentos de logística. E neste ponto haverá consonância com o pretenderia o chefe de Estado: alguém com capacidade de operação logística e o envolvimento das Forças Armadas. Segundo o Expresso, Marcelo terá mesmo pressionado para a intervenção dos militares nesta área.
À esquerda, Bloco e PCP pediram explicações e esperam que o processo não se atrase – isto antes de saberem quem era o escolhido para a missão. O Chega saudou a saída de Francisco Ramos, tal como a Iniciativa Liberal, para quem o responsável “já sai tarde”.
As razões da saída de Francisco Ramos foram explicadas em dois comunicados, um do Ministério da Saúde, outro do próprio. O Ministério da Saúde adiantou em comunicado que na base da decisão estavam irregularidades que o próprio detetou “no processo de seleção de profissionais de saúde no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa, do qual é presidente do Conselho de Administração”.
Numa nota enviada à imprensa, o ex-coordenador da task force adiantou que ao ficar a ter “conhecimento de irregularidades no processo de seleção para vacinação de profissionais de saúde do Hospital da Cruz Vermelha”, da qual é presidente da comissão executiva, considerou que “não se reúnem as condições” para continuar “no cargo de coordenador da task force para a elaboração do Plano de Vacinação Contra a covid-19 em Portugal”. Posto isto, afirma que apresentou no “dia 2 de fevereiro de 2021, à Senhora Ministra da Saúde, a renúncia ao cargo”.
Esta saída surge no dia em que chegaram reforços da Alemanha para ajudar no combate à pandemia e em que se iniciou o processo de vacinação de idosos com mais de 80 anos ou pessoas com comorbilidades (com 50 anos ou mais) nos centros de saúde. Para o arranque desta nova fase, o primeiro-ministro, António Costa, e a ministra da Saúde foram ao Centro de Saúde de Alvalade. Nessa altura, já Francisco Ramos estaria demissionário (ou quase). Costa quis passar duas mensagens: quem prevaricar e tomar a vacina fora da sua vez será punido, mas é preciso paciência para quem espera pela sua vez. “Há algo que é fundamental: não vale a pena termos um excesso de ansiedade nem vale a pena correr para as unidades de cuidados de saúde para pedir a vacina. Cada um vai ser contactado para, no momento próprio, poder receber a vacina”, atirou Costa.